Programas, Matérias e Dilemas Morais na Aula de Educação Física

Índice

  1. Matrix
  2. Sociedade liberta da competição.
    • 2.1 – Diferença entre propaganda e educação?
  3. Perfil do aluno.
  4. Jogos Finitos vs Jogos Infinitos.
    • 4.1 – Matrix: valoriza a dimensão cognitiva ou racional.
    • 4.2 – Realidade: dimensão emocional, social e moral – solução social ótima.
    • 4.3 – Jogo da paz Mundial.
    • 4.4 – Teoria da Cooperação e Competição.
    • 4.5 – Crenças e resolução de conflitos.
    • 4.6 – Dar e/ou Receber?
  5. Desportivização da Educação Física.
    • 5.1 – Efeitos da Cooperação e Competição contextual a nível dos processos cognitivos.
    • 5.2 – A competição introduz um elemento estranho.
  6. Dilemas morais na aula de Educação Física.
  7. Distúrbios exteriorizados de comportamento.
    • 7.1 – Atitudes agressivas na Escola.
    • 7.2 – Frustração e Agressão.
    • 7.3 – Aprendizagem social da violência.
    • 7.4 – Da geração eu para a geração nós.
  8. Novo Paradigma.

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1 – Matrix

De forma a fundamentar este tema irei revisitar alguns conteúdos que explorei noutros artigos anteriores para reforçar a mensagem que pretendo transmitir. Obviamente que irei introduzir conteúdos novos ou pelo menos observados numa outra perspetiva.

Uma das várias facetas que fazem parte da minha personalidade relaciona-se com a profunda necessidade em questionar o mundo que me rodeia. Como também sou grande apreciador de cinema e sobretudo de ficção científica, não pude deixar de ir, em maio de 1999, à estreia do filme “Matrix” que antecipava na altura, ser uma profunda metáfora ao mundo em que vivemos. E de facto constatei essa profunda analogia entre o mundo em que vivemos “Matrix” e a realidade. Obviamente que não vivemos num mundo devastado por uma guerra entre humanos e máquinas com Inteligência Artificial, mas num mundo onde existem basicamente duas realidades:

  1. Mundo 1
  2. Mundo 2

Como gosto muito de fazer investigação, apercebi-me que, ao contrário de muitos outros filmes, este em particular gerou por parte de muitos estudiosos, inúmeras reflexões e debates filosóficos, científicos e espirituais. Na altura adquiri dois livros sobre o filme que exploravam a mensagem segundo várias perspetivas:

  • Glenn Yeffeth. Taking the Red Pill. Science, Philosophy and religion in the Matrix. Bendella.
  • William Irwin. The Matrix and Philosophy, welcome to the desert of the real. Open Court.

Podemos, de certa forma, comparar o filme “The Matrix” à “Alegoria da Caverna de Platão”.

Mundo 1 – Matrix: Podemos agora utilizar esta analogia para desenvolver a nossa reflexão sobre a atual Programação Mental Adquirida (“matrix”) que considera a competição socio-económica e desportiva como uma motivação saudável rumo ao êxito:

  1. A tradicional luta pela vida é considerada uma forma socialmente positiva de investimento pessoal e institucional onde o mais forte vence.
  2. Compara os indivíduos e organizações com base na excelência e mérito.
  3. Incentiva a competição de interesses e a sobreposição dos mesmos sobre outros indivíduos e/ou grupos.

Mundo 2 – Realidade:

  1. O novo pensamento rejeita toda a competição herdade na tradicional luta pela vida.
  2. Repudia toda a ideia de comparação simplista baseada na excelência e no mérito, uma vez que tais comparações conduzem geralmente a uma classificação arbitrária entre os indivíduos, a juízos de valor que limitam e empobrecem as relações humanas.
  3. A sociedade, liberta da ideia de competição, não surge já como uma selva, mas como uma comunidade de interesses cuja evolução assenta na ajuda mútua, na cooperação, na educação recíproca, no partenariado.

Se um indivíduo que vive no “Mundo 2” põe em causa o sistema de crenças de um indivíduo que vive no “Mundo 1 (Matrix)” gera automaticamente dissonância cognitiva. Segundo Elliot Aronson no seu livro “The Social Animal”, dissonância cognitiva (DC) é um estado de tensão que ocorre sempre que um indivíduo é confrontado em simultâneo por duas cognições (ideias, atitudes, crenças, opiniões) que são psicologicamente inconsistentes. Por outras palavras, a dissonância cognitiva é o desconforto que sentimos quando somos expostos a algo novo que contradiz as nossas crenças. Pelo facto da DC ser desagradável, as pessoas sentem-se compelidas para  a reduzir. Este processo é semelhante ao desconforto causado pela necessidade fisiológica associada à fome ou sede que cria uma pressão interna para ser saciada. Na DC a força motriz que pressiona no sentido da redução do desconforto é de natureza psicológica. A estratégia para reduzir a dissonância cognitiva passa por investir tempo e energia a convencer-nos e a autojustificar-nos que as nossas vidas e as escolhas que fizemos não são absurdas. Sentimo-nos compelidos a justificar as nossa ações, crenças e sentimentos para nos convencermos que aquilo em que acreditamos é algo razoável e coerente.

  • Gregory S. Berns et al. Neurobiological Correlates of Social Conformity and Independence During Mental Rotation. Biol. Psychiatry 2005;58:245–253: PDF
  • A. Gorin et al. MEG signatures of long‑term effects of agreement and disagreement with the majority. cientific Reports | (2021) 11:3297: PDF

simon sinek

Sabe qual é o seu Porquê? O propósito, causa ou crença que o inspira a fazer o que faz enquanto professor de Educação Física?

  • Uma VISÃO é um destino, um ponto que nos permite concentrar todos os nossos esforços.
  • Um MÉTODO é um caminho ajustável que nos conduz onde queremos ir.
  • A ESTRATÉGIA é a arte e ciência de afetar, gerir e organizar recursos (tempo, pessoas, estruturas e materiais) no sentido da visão definida.

É imperativo assumir uma cidadania consciente e para tal devemos identificar corretamente as causas dos problemas que enfrentamos enquanto professores de Educação Física, unir-nos em torno das mesmas, procurar Soluções Sociais Ótimas (cooperativas) que nos ajudem a resolver os problemas sociais que enfrentamos.

  • Produto/Serviço: O Quê? que tipo de modelo de relação e interação social (jogos cooperativos ou jogos competitivos) vou utilizar preferencialmente para nortear a minha prática pedagógica?
  • Método/Processo: Como? que Valores desejo promover nos alunos?
  • Propósito/Legado: Porquê? quais são as minhas crenças.

cidadania consciente


2 – Sociedade Liberta da Competição.

Porque motivo quererá a sociedade libertar-se da competição quando ela é um fator de riqueza (Valorizar Socialmente o Desporto, um Desígnio Nacional, afirma o COP: atualmente a industria do desporto vale 1.794 milhões para a economia – PDF) e é o alicerce do sistema de crenças de uma classe profissional de Professores de Educação Física e Profissionais do Desporto (treinadores). Esta classe de profissionais de Educação Física e Desporto tem investido muito tempo e energia a fundamentar este sistema de crenças (Mundo 1  Matrix) e na programação mental de uma grande quantidade de alunos desde a escola básica até à secundária, gerações atrás de gerações. Porque motivo iriam pôr em causa um dos Principais Pilares do seu sistema de crenças?

Mundo 1 – Matrix: Comité Olímpico de Portugal: “Ciências do Desporto, Contributos para o rendimento Desportivo” PDF: As ciências do desporto, pela fundamentação epistemológica e relevância social, justificam e a ciência reclama a sua autonomização como área científica, através da adequação das estratégias internas e externas a vários níveis:

  1. Aumentar a capacidade de resposta às necessidades nacionais e competir à escala internacional, valorizando a função institucional e de coesão territorial e o esforço de integração de instituições num programa plurianual de estratégia organizativa neste âmbito.
  2. Acomodar a passagem de um modelo unidimensional do desporto de rendimento para um modelo pluridimensional que integre a formação, a competição, o rendimento, a recreação e o lazer, no seio e no âmbito das organizações desportivas.
  3. Acomodar a passagem de um foco unipolar, o clube, para um regime multipolar que integre a escola, o clube, o sector privado, entre outros, pela integração e internalização de competências adstritas a várias áreas: sistema educativo, sistema desportivo, economia, turismo.
  4. Criação de uma sociedade científica nas Ciências do Desporto e Exercício Físico.

Como já anteriormente referi, existe um esforço consertado, metódico e planeado em converter todos à doutrina das Ciências do Desporto e ao seu corolário, a competição asfixiando ou assimilando outras formas de interpretar o corpo e o movimento próprio das Ciências da Motricidade Humana.

Paloma Cathilyne Justen e Alvori Ahlert no seu artigo “A cooperação como categoria ideológica na formação do licenciado em Educação Física na condução de atitudes agressivas no ensino fundamental” afirmam que “o campo de atuação deste profissional traz como principal característica na atualidade a exacerbada individualização fomentada pelo pensamento neoliberal, que visa empoderar cada indivíduo para a competitividade individual e na desconstrução do outro e do coletivo. Por isso, a realidade escolar está marcada pelo crescimento da agressividade em todos os setores”. Isto evidencia a necessidade de revisitarmos, de estudarmos permanentemente as dimensões de ideologia e a formação docente no processo educativo. As licenciaturas precisam ter clareza sobre a relevância dos seus projetos de trabalho e a coerência dos mesmos com o que se denomina de função social da universidade, questionando-se sobre a ideologia que sustenta este profissional, sobre o que vai referenciar a qualidade do trabalho deste profissional.

A Faculdade de Motricidade e a Ideologia das Ciências do Desporto:

Paloma C. Justen cita Marilena Chauí (2013) na sua definição de ideologia:

(…) um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros de uma sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer.

Paloma C. Justen cita Paulo Freire (1996) “Pedagogia da Autonomia” relembrando que a educação não é neutra:

Saber igualmente fundamental à prática educativa do professor ou da professora é o que diz respeito à força, às vezes maior do que pensamos, da ideologia. E o que nos adverte de suas manhas, das armadilhas em que nos faz cair. É que a ideologia tem a ver diretamente com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna “míopes”.

Sendo os autores deste ensaio Brasileiros obviamente que falam da realidade da Educação Física no Brasil. Paloma C. Justen afirma que “a Educação Física escolar vem sofrendo importantes mudanças e transformações. Uma dessas mudanças é o crescimento da consciência ideológica numa perspetiva de coletividade e cooperação entre os seres humanos, o que levou à implantação dos jogos cooperativos dentro das escolas”.

Podemos constatar duas realidades opostas se compararmos o Brasil com Portugal no que toca ao caminho ideológico seguido.

Fábio Otuzzi Brotto, com quem mantive até certa altura algum contacto com o intuito de trazer para Portugal a formação na Pedagogia da Cooperação, afirma:

(…) foi a partir da preocupação com a excessiva valorização do individualismo e da competição exacerbada que surgiram os jogos cooperativos, de forma que a partir deles os indivíduos joguem uns com os outros e não uns contra os outros. Amaral (2004) explica que os jogos cooperativos têm como principal proposta a procura de novas formas de jogar, com o intuito de diminuir as manifestações de agressividade durante os jogos.


2.1 – diferença entre propaganda e educação?

O American Heritage Dictionary of English Language define propaganda como “a propagação sistemática de uma determinada doutrina” e educação como o “ato de transmitir conhecimentos ou competências” (capacidade para mobilizar conhecimentos, valores e decisões para agir de modo pertinente numa determinada situação).

  • Exemplo 1: vamos olhar para aritmética tal como é ensinada nas escolas públicas. O que poderia ser mais educativo ou, por outras palavras, o que poderia ser mais objetivo, factual e menos descontaminado pela doutrina? Vamos analisar: recordemos os exemplos utilizados nos textos de aritmética do primeiro ciclo. A maioria dos exemplos lida com o conceito de comprar, vender, alugar, trabalhar para um salário e interesses de cálculo. Como sublinham vários autores, estes exemplos fazem mais do que refletir o sistema capitalista no qual a educação acontece: eles endossam o sistema, legitimam-no e, implicitamente sugerem que esta é a forma natural, normal e exclusiva.
  • Exemplo 2: vamos analisar a Educação Física-EF. A maioria dos jogos pré-desportivos e desportivos utilizados exploram o conceito de oposição, adversário, vencer, derrota como formas normais de interação social. Esta desportivização da EF, mais do que refletir o sistema que incentiva a tradicional luta pela vida, considerada como uma forma socialmente positiva e normal de investimento pessoal e institucional, onde o mais forte vence, incentiva a competição de interesses e a sobreposição dos mesmos sobre outros indivíduos e/ou grupos. Ou seja, os exercícios e jogos utilizados nas aulas endossam o sistema de crenças baseados na competição, legitimam-no e, implicitamente sugerem que esta é a forma natural e normal de relação social. Será isto educação ou propaganda. Se fosse educação permitia que os alunos explorassem ambos os sistemas de interação social e permitiam a comparação e escolha entre a competição e a cooperação.

3 – Perfil do Aluno.

Atualmente o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória afirma-se, nestes pressupostos, como o documento de referência para a organização de todo o sistema educativo, contribuindo para a convergência e a articulação das decisões inerentes às várias dimensões do desenvolvimento curricular.

  • Lei de bases do Sistema Educativo – Lei n.º 46/86: PDF
  • Perfil dos alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória: PDF

Pretende-se que o jovem, à saída da escolaridade obrigatória, seja um cidadão:

  • Munido de múltiplas literacias que lhe permitam analisar e questionar criticamente a realidade, avaliar e selecionar a informação, formular hipóteses e tomar decisões fundamentadas no seu dia a dia.
  • Livre, autónomo, responsável e consciente de si próprio e do mundo que o rodeia.
  • Capaz de lidar com a mudança e com a incerteza num mundo em rápida transformação.
  • Que reconheça a importância e o desafio oferecidos conjuntamente pelas Artes, pelas Humanidades e pela Ciência e a Tecnologia para a sustentabilidade social, cultural, económica e ambiental de Portugal e do mundo.
  • Capaz de pensar crítica e autonomamente, criativo, com competência de trabalho colaborativo e com capacidade de comunicação.
  • Apto a continuar a aprendizagem ao longo da vida, como fator decisivo do seu desenvolvimento pessoal e da sua intervenção social.
  • Que conheça e respeite os princípios fundamentais da sociedade democrática e os direitos, garantias e liberdades em que esta assenta.
  • Que valorize o respeito pela dignidade humana, pelo exercício da cidadania plena, pela solidariedade para com os outros, pela diversidade cultural e pelo debate democrático.
  • Que rejeite todas as formas de discriminação e de exclusão social.

Não vou repetir aquilo que já afirmei em artigos anteriores apenas sublinhar que os atuais Programas de Educação Física não permitem explorar o perfil do aluno que pensa de forma crítica e autónoma porque são homogeneizados, demasiado prescritivos, ideológicos na sua conceção e centrados em matérias específicas padronizadas. Quando temos que seguir um conjunto de orientações muito definidos e normalizados tendemos sobretudo a escolher o modelo de relação pedagógica, direct instruction (estilos de ensino centrados no professor), valorizando sobretudo as ditas competências do século XX que garantem o cumprimento das matérias nucleares (Mundo 1 – Matrix)

  • L. Todd Rose, Parisa Rouhani and Kurt W. Fischer. The Science of the Individual. Journal Compilation © 2013 International Mind, Brain, and Education Society and Blackwell Publishing. Volume 7—Number 3: PDF

Padronização do comportamento motor através da:

  • Memorização.
  • Repetição.
  • Automatização.
  • Passividade.
  • Reprodução.
  • Imitação.

Padronização do Mundo:

Como afirmou Manuel Sérgio, “prefiro falar em esquemas motores e não em padrões de movimento: não acredito em padrões de movimento, pois para tanto teria que acreditar também na padronização do mundo. Constato, isso sim, a manifestação de esquemas motores, isto é, de organizações de movimentos construidos pelos sujeitos, em cada situação, construções essas que dependem, tanto dos recursos biológicos de cada pessoa, quanto das condições do meio ambiente em que ele vive”.

  • Padronização corresponde à uniformização de produtos, serviços e atividades e geralmente engloba os padrões técnicos (especificações) do serviço, bem como os procedimentos operacionais de atuação e desempenho de quem recebe o serviço. Além disso, consideram-se igualmente as atividades ou procedimentos relacionadas ao controle da qualidade (avaliação), contexto onde se desenrola o serviço e os pressupostos de segurança. Dessa forma, a padronização contribui para a estabilização dos processos, harmonizando os procedimentos dos professores e os comportamentos e atitudes esperados dos alunos.
  • A padronização privilegia a “mesmice” ou falta de variedade, de mudanças e de progresso – trata-se de um sistema fechado, estagnado que se reproduz e replica.

Desde julho de 2021, o movimento associativo da Educação Física tem manifestado as suas preocupações relativas ao impacto da revogação do Programas Nacionais de Educação Física (Despacho n.º 6605-A/2021), sendo que este é um documento referência na operacionalização das Aprendizagens Essenciais desta disciplina e das áreas de competências definidas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade. Ao contrário da maioria dos Professores de Educação Física, devo ser um dos poucos, senão o único, a olhar para esta decisão como uma oportunidade em vez de um problema, ou pelo menos assumo-a sem rodeios.

Se estamos interessados no Modelo da Educação, não começamos a partir da mentalidade da linha de produção (Conformidade e Normalização/Testes Normalizados), devemos ir exatamente na direção oposta. Sir Ken Robinson “Changing Education Paradigm” RSA Animate.

O documento Diretrizes em Educação Física de Qualidade publicado pela UNESCO faz algumas afirmações que entendo extremamente importantes e pertinentes nesta atual discussão sobre a Educação Física e levanta alguns pressupostos que devem ser sublinhados e sobretudo tidos em consideração no atual debate:

  1. Trabalhar de forma independente e colaborativa.
  2. Os currículos devem ser flexíveis (…)
  3. Abertos à adaptação (…)
  4. Empoderar os Professores (…)
  5. Consultar os Jovens (…) seus interesses e necessidades (…)
  6. Teorias Inovadoras de aprendizagem (…)
  7. Novas perceções da disciplina (…)
  8. Deterioração nas atitudes dos estudantes em relação à EF, devido ao domínio dos desportos competitivos e atividades baseadas no desempenho.

  • UNESCO. Diretrizes em Educação Física de Qualidade – Para gestores de políticas (Página 42): PDF

4 – Jogos Finitos vs Jogos Infinitos

Um dos fortes argumentos utilizados pelos professores de Antropologia e História da Atividade Corporal e Sociologia do Desporto na faculdade relaciona-se com o conceito de “paralelismo entre desporto e sociedade“. Os professores destas cadeiras recorriam a um leque de argumentos para enaltecer o jogo desportivo enquanto contexto privilegiado para formar os jovens sobre os valores da sociedade, preparando-os para uma integração plena.

Fazendo jus aos pressupostos do perfil do aluno que deve “pensar de forma crítica e autónoma” e “aprender ao longo da vida”, continuei a questionar esta teoria e modelo recorrendo a algumas reflexões dos seguintes autores:

  1. Adam Grant “Give and take – why helping others drives our success”.  W&N
  2. Annie Leonard. The Story of Stuff – How our obsession with stuff is trashing the planet, our communities, and our health – and a vision for change”. Constable.
  3. Ben Dyson and Ashley Casey. Cooperative Learning in Physical Education and Physical Activity. Routledge.
  4. Bruce K. Alexander. The Globalization of Addiction – a study in poverty of the Spirit. Oxford University Press.
  5. Dada Maheshvarananda. Cooperative Games for a Cooperative World – Facilitating trust, Communication and Spiritual Connection. Inner Wolrd Publication.
  6. Elliot Aronson. The Social Animal. Worth Publishers.
  7. Eric Berne “games People Play – the psychology of human relationships”. Life
  8. Fábio Otuzi Brotto “pedagogia da Cooperação, por um mundo onde todas as pessoas possam vencer”.
  9. John Hunter “World peace and other 4th Grade achievements”. Mariner.
  10. John Nash “Teoria dos Jogos”, um ramo da matemática aplicada desenvolvido por este matemático norte-americano.
  11. James P. Carse que escreveu o livro “Finite and Infinite games, a vision of life as play and possibility”.Free Press.
  12. Jane McGonigal “Reality is Broken – why games make us better and how they can change the world”. Esta autora é formada na área da Engenharia de Conceção de Jogos (Game Designer) e defende o uso de tecnologia móvel e digital para canalizar atitudes positivas e colaboração no contexto do mundo real.
  13. Lisa Gansky. The Mesh – Why the future of business is sharing. Portfolio penguim.
  14. Morton Deutsch. The Resolution of Conflict – constructive and destructive process. Yale University Press – um dos mais importantes psicólogos sociais do mundo e um pioneiro nas áreas de resolução de conflitos, aprendizagem cooperativa e justiça social.
  15. Rachel Botsman and Roo Rogers. What’s mine is yours – how collaborative consumption is changing the way we live. Collins.
  16. Simon Sinek “O Jogo Infinito” é um autor britânico-americano e palestrante inspirador. Lua de Papel.

Depois de ler esta bibliografia facilmente nos apercebemos que não existe qualquer paralelismo entre o jogo desportivo e a sociedade (no seu sentido mais abrangente: cultura) porque são dois Mundos completamente diferentes. O jogo da vida é infinito e integra aspetos finitos. O Sistema de Crenças do Mundo 1 colonizou a mente da maioria dos indivíduos que acreditam na competição como modelo de relação social e acreditam que o seu objetivo é ganhar, ser o número um. Porém ninguém ganha na saúde, no casamento, na carreira profissional porque são processos e não acontecimentos. Desde cedo que somos programados para participar na sociedade com uma mentalidade de jogo finito vendo-a como um palco limitado em termos numéricos, espaciais e temporais. As escolas são organizadas e concebidas como uma espécie de jogo finito na medida que são concedidos  prémios aos que ganham graus académicos (função certificadora da escola). Estes prémios e distinções qualificam os graduados para participar em jogos superiores como universidades prestigiadas. Os estudantes com estatuto de atletas de alto rendimento também angariam algum prestígio e reconhecimento em determinados contextos.Um jogador finito intitulado é poderoso e espera-se que os outros atores se “rendam” ao seu poder e se conformem à sua vontade na arena onde o título foi ganho. O poder só se torna evidente quando dois ou mais elementos estejam em oposição e pressupõe um campo fechado e unidades finitas de tempo. O poder mede-se sempre em unidades de comparação sendo um termo da competição. O poder é determinado pelo resultado de um jogo e não se ganha sendo poderoso, vencemos para sermos poderosos (títulos, estatuto).

Também é comum as famílias se interpretarem como unidades competidoras treinando os seus membros para conquistar títulos sociais visíveis competindo com outras famílias com quem se comparam. Acredita-se que o seu poder como cidadãos numa sociedade, é determinado pela sua posição conquistada (certificados, louvores, prémios, distinções, bens materiais) nos jogos em que participaram. Algumas famílias colocam os seus filhos em colégios de elite para preservar ou aumentar o nível de estatuto da família. Ou seja, é do interesse de uma sociedade, que se interpreta como um jogo finito, encorajar a competição nos seus jogadores tornando-a numa manifestação de poder, numa representação teatral definida por um determinado guião e qualquer desvio ao mesmo é considerado anti-social e por isso proibido pela sociedade segundo um conjunto de sanções. Raquel Ribeiro “O consumo: uma perspetiva sociológica” refere que “o consumo também tem uma função social de reforço de padrões de superioridade e inferioridade entre indivíduos e grupos, da simbolização de sucesso ou poder (…)”. Ou seja os significados e atribuições simbólicos das escolhas de consumo permitem ao consumidor criar e manter uma identidade através dos bens consumidos sendo os bens valorizados mais pelo seu significado simbólico. Os bens consumidos funcionam como marcadores de sucesso, poder e distinção social garantindo a pertença a determinado estrato social. A mentalidade do jogo finito valoriza o modo ter e poder como elementos fundamentais da sua dinâmica sendo o consumo um fenómeno social diferenciador porque reflete um poder económico conquistado tal como o atleta conquista o seu estatuto e privilégios através das vitórias conquistadas que lhe garantem estatuto pelo sucesso e distinção social.

  • Raquel Ribeiro. O consumo: uma perspetiva sociológica. VI Congresso Português de Sociologia. 25 a 28 de junho de 2008: PDF
  • Raquel Ribeiro. Consumos e Classes Sociais em Portugal: Auto-retratos. A Causa das Regras.

Uma das grandes funções da sociedade finita é evitar alterações às regras dos vários jogos que integra. As convenções sociais tendem a ser repetidas no futuro e por isso a necessidade de estabilidade, de conformidade porque uma das funções da sociedade é criar mecanismos que evitem alterações às regras padronizadas e homogeneizadas. Uma sociedade programada segundo uma mentalidade finita, limita-se a seguir um guião, repetindo o passado, promovendo um empobrecimento cultural. Ou seja, utilizar jogos finitos desportivos competitivos criam uma mentalidade finita e preparam os alunos para seguirem guiões empobrecendo-os culturalmente. 

Mundo 1 – Matrix: o desporto valoriza os traços de personalidade competitivos (Jogos Finitos e mentalidade Finita), estados mentais que se orientam para a comparação social e valorizam uma atitude de superioridade do ego. Se o raciocínio moral no desporto é mais egocêntrico (menos maduro) do que o raciocínio moral sobre a vida de acordo com os níveis morais de Haan (1983) então, será este o melhor referencial axiológico a utilizar na formação moral dos alunos em sala de aula quando os preparamos para uma moralidade mais ampla e abrangente – a moralidade da vida quotidiana.


4.1 – MATRIX: valoriza a Dimensão Cognitiva ou Racional.

Jogos finitos (Desportivos):

  • São jogados por jogadores conhecidos. Há regras fixas e um objetivo previamente acordado que, ao ser atingido, faz com que o jogo termine.
  • Todos os jogadores usam um equipamento e são facilmente identificáveis.
  • Há um conjunto de regras (Mecânica) e árbitros para as aplicar.
  • Todos os jogadores concordaram jogar segundo essas regras e aceitam penalizações quando as infringem.
  • Todos concordam que a equipa que tiver conseguido mais golos no final de um período de tempo estipulado será declarada vencedora, o jogo terminará e irão todos para casa.
  • Nos jogos finitos, há sempre um princípio, um meio e um fim.
  • No jogos finitos há uma única estatística, sobre a qual todos estão de acordo, que separa o vencedor do vencido, coisas como o número de golos marcados, a velocidade ou a força.
  • Um jogo finito termina quando o seu tempo se esgota. Os jogadores continuam, para jogar noutro dia.
  • Os jogadores com uma mentalidade finita tendem a seguir padrões que os ajudam a atingir as suas metas pessoais dando menos importância aos efeitos da ondulação que isso pode causar. A pergunta é, “o que é melhor para mim?!…”.
  • Segundo a Teoria do Jogo de Nash, os atores no modelo competitivo (Jogos Finitos) procuram o Equilíbrio de Nash. O que torna este jogo tão interessante é o facto do Equilíbrio de Nash representar a decisão em que ambos os jogadores optam pela “estratégia racional” mas que os deixa numa situação mais desvantajosa do que aquela que envolve cooperação.
  • Numa situação competitiva, a teoria do jogo diz-nos como (pede-nos para) sermos espertos (inteligentes) – Dimensão Cognitiva ou Racional.


4.2 – REALIDADE: Dimensão Emocional, Social e Moral – Solução Social Ótima.

Jogos Infinitos:

  • Envolvem jogadores conhecidos e desconhecidos.
  • Não há regras exatas ou com as quais todos tenham concordado.
  • Embora possam existir convenções ou leis que regem o comportamento dos jogadores, eles podem operar como quiserem dentro dessas fronteiras amplas.
  • A forma como cada jogador decide agir é inteiramente com ele. E também pode mudar a qualquer altura a maneira como joga, seja por que razão for.
  • Estes jogos têm horizontes temporais infinitos e como não há linha de chegada, um final real para o jogo.
  • Num jogo infinito não existe isso de “ganhar”, o objetivo essencial é continuar a jogar, perpetuar o jogo.
  • Nos jogos infinitos, os indicadores são múltiplos, e é por isso que nunca é possível declarar um vencedor.
  • Num jogo infinito é o jogo que prossegue e é o tempo dos jogadores que se esgota porque não há como ganhar ou perder, os jogadores simplesmente desistem quando se lhes acabam os recursos e/ou a vontade para continuar.
  • Neste tipo de jogo, os jogadores procuram a Solução Social Ótima: a distribuição ideal de recursos na sociedade, considerando todos os custos e benefícios externos, bem como os custos e benefícios internos. Numa situação cooperativa, a teoria do jogo diz-nos como (pede-nos para) sermos justos – Dimensão Emocional, Social e Moral.


4.3 – JOGO da PAZ MUNDIAL.

Quando falamos na necessidade de utilizar nas aulas de Educação Física jogos que tenham um elevado potencial para ajudar os alunos a aumentar a sua consciência emocional, social e ambiental para resolver os desafios do século XXI, falamos da necessidade de utilizar jogos que proporcionem aos alunos a possibilidade de simular situações ou problemas concretos da vida real. Um desses jogos, cujo potencial é elevado enquadra-se dentro do conceito de “World Peace Games”. Embora sejam jogos que não tenham um envolvimento físico como os jogos desportivos habituais, porque é um jogo de tabuleiro, exploram a capacidade de resolver cooperativamente problemas e permitem adquirir uma visão holística do mundo ajudando no processo de desfragmentação.

O World Peace Game é uma simulação geopolítica que oferece aos jogadores a oportunidade de explorar a ameaça eminente da guerra sobre a comunidade global através da lente da crise económica, social e ambiental. O objetivo do jogo é livrar cada país de circunstâncias perigosas e alcançar a prosperidade global com o mínimo de intervenção militar. Como “equipes de nação”, os alunos obtêm maior compreensão do impacto crítico da informação e como ela é usada. À medida que as equipes se aventuram mais nesse cenário social interativo repleto de questões filosóficas altamente significativas e pertinentes, as habilidades necessárias para identificar ambiguidades e viés (desinformação) nas informações que recebem serão aprimoradas e, mais especificamente, as crianças perceberão rapidamente que o comportamento reativo (competitivo) não apenas provoca antagonismo, como os deixa sozinhos e isolados diante de inimigos poderosos. As crenças e os valores evoluirão ou serão completamente desvendados à medida que começarem a experimentar o impacto positivo e as janelas de oportunidade que surgem através de uma colaboração eficaz e de uma comunicação refinada. À medida que se constrói um novo significado a partir do caos através de soluções novas e criativas, os jogadores do World Peace Game aprendem a viver e a trabalhar confortavelmente nas fronteiras do desconhecido.

Princípios Fundamentais:

Enquanto ferramenta educativa, o jogo da paz mundial baseia-se em vários conceitos chave:

  • Elementos contraditórios podem e devem coexistir.
  • A criação deliberada de um sentido avassalador de complexidade e diversidade de situações em situações de caos.
  • Soluções baseadas no trabalho de equipa colaborativo fruto das pressões deliberadamente criadas (isto é, prazos) e um sentido de urgência.
  • O encorajamento da resolução de problemas complexos em cenários simultaneamente colaborativos, mas aparentemente competitivos.
  • Estimulando o desenvolvimento de empatia e compaixão genuínas, tornando as apostas altas.
  • Promover a capacidade de manter múltiplas perspetivas em torno de um problema.

O jogo da Paz Mundial desenrola-se num espaço de jogo tridimensional composto por 4 camadas de vidro acrílico ou polimetil-metacrilato (PMMA), material termoplástico rígido, transparente e incolor com dimensões de 122 cm (4 pés) de largura por 122 cm de comprimento.

  • 1ª camada representa o ambiente subaquático,
  • 2ª camada ou estrato representa a terra,
  • 3ª camada representa o espaço aéreo acima dos países e a camada superior,
  • 4ª camada, representa o espaço.

As figurinhas são intencionalmente dispostas para representar 23 conflitos interligados no plano social, económico e militar. Os alunos “herdam” estes problemas no início do jogo e podem fazer o que entenderem (tomar decisões de forma livre) desde que respeitem 3 condições: têm de pagar pelas decisões (Responsabilidade), têm de fazer sentido e têm de lidar com as consequências (as quais eles inicialmente não conseguem discernir na medida em que apenas jogam um passo de cada vez). O resultado é uma explosão de experiências, desde negociações pacíficas até ataques surpresa. Os alunos nem sempre fazem o que é “correto”, mas o jogo ensina-as através da experiência como é que os impactos das suas ações afetam os outros. Um exemplo pungente surge quando uma nação opta por iniciar uma batalha e os seus soldados morrem, quando isso acontece os alunos têm de escrever cartas às famílias dos soldados, oferecer as suas condolências e explicar o motivo pelo qual a batalha tinha de acontecer (justificação das ações que conduzem à morte de terceiros da sua responsabilidade). John Hunter explica, a ideia é que as crianças podem e devem falhar. Elas precisam de ser confrontadas com fortes desafios para que estejam envolvidas emocionalmente, lhes cause impacto e o processo de aprendizagem aconteça efetivamente. O jogo possui uma dinâmica imprevisível e aparentemente caótica até que eles gradualmente consciencializem e amadureçam a sua perceção ao longo de um período de 2 meses de jogo.

CONCLUSÃO MUITO IMPORTANTE: “Tomada de Consciência”

A partir de certa altura verifica-se uma mudança quando os alunos se apercebem que têm de estar todos do mesmo lado. Constatam que estão envolvidos num conflito unificador e que, em última instância, têm de trabalhar em conjunto (Cooperar em vez de Competir). Ou seja, o jogo que começa por ser assumido como uma competição (Conflito) internacional geo-estratégico entre países, a partir de certa altura passa a ser encarado como um palco de colaboração porque de outra forma os alunos apercebem-se que não conseguem alcançar a paz global.

limiar da transformação

Não há a necessidade do professor ensinar explicitamente sobre a necessidade de se trabalhar colaborativamente e compassivamente quando os alunos, experimentam na primeira pessoa que trabalhar uns contra os outros os afasta cada vez mais da solução. No final, todas as 23 questões/desafios (problemas) globais são resolvidos e todas as nações partilham igual riqueza. O jogo ensina os alunos sobre economia e política e reforça a sua literacia e competências no cálculo. Também fortaleceu os laços entre os alunos promovendo relações mais positivas. Através do jogo, os estudantes concentram-se no conceito de paz, não como um sonho inalcançável, mas antes como um objetivo exequível que se pode alcançar. Os alunos terminam este projeto encorajados e empoderados para participar ativamente na nossa comunidade global. O jogo permite que os alunos abandonem a “caverna” ou crença na competição como modelo de interação.

JOGO PAZ MUNDIAL

pensar fora da caixa1Na minha análise e interpretação, os jogos desportivos competitivos mantém os praticantes reféns de um nível de consciência que designo por bidimensional (2D). Os praticantes vivem encerrados num ciclo fechado de superação dos outro pela oposição e comparação de valores. Os jogo da Paz Mundial permite ultrapassar esta consciência 2D e perceber que a resolução do “conflito (oposição) – Jogo” apenas acontece quando se abandona a necessidade de competir e se reconhece o potencial da cooperação para resolver a oposição. Este jogo permite aquilo que designo por uma evolução da maturidade cognitiva e emocional (Consciência 3D – tridimensional) porque o ciclo de evolução da consciência acontece numa espiral que permite ultrapassar o “Limiar da Transformação 2D”.


4.4 – Teoria da Cooperação e Competição.

  • Morton Deutsch. Cooperation and Competition. PDF
  • Carolina Islas Sedano et al. Collaborative and Cooperative games: facts and assumptions. PDF

A teoria apresenta duas ideias básicas, enquanto uma delas se relaciona com o tipo de interdependência entre objetivos das pessoas envolvidas numa determinada situação, a outra relaciona-se com o tipo de ação assumida pelas pessoas envolvidas.

Morton Deutsch identifica dois tipos básicos de interdependência:

  1. Interdependência Positiva – os objetivos de ambos os atores envolvidos (individual ou coletivo) estão de tal forma correlacionados positivamente que a probabilidade de um ator atingir os seus objetivos individuais está muito ligado à probabilidade do outro ator alcançar os seus objetivos. A interdependência positiva pode resultar em pessoas que se apreciam mutuamente, sendo recompensadas pelas suas concretizações conjuntas, que advém da necessidade de partilhar um recurso ou ultrapassar um obstáculo conjuntamente, partilhando uma filiação ou identificação comum relativamente a um grupo cujo destino é importante para ambos, constando que se tornaria impossível alcançar o seu objetivo exceto se dividirem a tarefa, sentindo-se influenciados por uma orientação cultural ou pessoal, reforçando os laços para enfrentar um inimigo ou autoridade comum.
  2. Interdependência Negativa – os objetivos de ambos os atores envolvidos (individual ou coletivo) estão inversamente correlacionados de tal forma que a probabilidade de um ator atingir os seus objetivos individuais pressupõe que o outro ator tenha muito pouca ou nenhuma probabilidade em alcançar os seus objetivos. Neste caso esta interdependência negativa pode resultar de pessoas que partilham uma antipatia, ou porque estão envolvidas num sistema onde a recompensa é atribuída de forma que quanto mais um obtém, tanto menos o outro consegue.

Por outras palavras, se um ator está positivamente ligado ao outro, então ou nadamos ou afundamo-nos em conjunto porém, se por outro lado a ligação é negativa, se o outro se afunda, nós nadamos (flutuamos) e se o outro nada, nós afundamo-nos. Porém, sabemos que muito poucas situações se apresentam puramente positivas ou negativas. Na maioria das situações, as pessoas possuem uma mistura de objetivos e por isso é comum possuírem alguns objetivos positivos e outros negativamente interdependentes. Os jogos desportivos apresentam-se sobretudo como uma forma de Interdependência Negativa porque os objetivos estão inversamente correlacionados (vitória vs derrota | “empate”).

A existência de um conflito implica algum tipo de interdependência porque se as pessoas forem totalmente independentes entre si não surge conflito. As assimetrias podem existir relativamente ao grau de interdependência numa relação. Vamos imaginar que o que A faz ou lhe acontece tem um impacto considerável em B, mas o que B faz ou o que lhe acontece tem um impacto mínimo em A. Ou seja B está mais dependente de A do que A de B. No caso extremo, A pode estar totalmente independente de B e B pode estar totalmente dependente de A. Como consequência desta assimetria, A possui um grande poder e influência nesta relação comparativamente a B.

Conflito e a ameaça aos 5 Domínios do Modelo SCARF:

  1. Estatuto – o nosso sentido de estatuto (situação social; condição ou posição hierárquica) sobe quando nos sentimos superiores relativamente a outra pessoa. Nesta situação o circuito primário da recompensa ativa-se, particularmente o corpo estriado que aumenta os níveis de dopamina. Um estudo mostrou que o aumento do estatuto é semelhante em força a uma situação de sorte inesperada. Ganhar uma prova de natação, um jogo de cartas ou um argumento faz-nos sentir bem devido à perceção inerente ao aumento do nosso estatuto que resulta na ativação do circuito da recompensa. A perceção de uma situação de redução potencial ou real do nosso estatuto gera uma forte resposta de ameaça. Num estudo foi demonstrado que, ser deixado de fora (exclusão) de uma atividade, ativa as mesmas regiões do cérebro relacionadas à dor física. A maioria das conversações diárias degeneram em discussão onde os intervenientes recorrem a argumentos motivados pela ameaça ao estatuto, devido ao medo de ser visto como menos que o outro. Quando se sentem ameaçadas as pessoas podem defender posições que por vezes não fazem sentido de forma a evitar a dor percebida inerente à perda de estatuto. Por último, o estatuto também se relaciona com a importância notoriedade e/ou posição relativa dentro de uma comunidade como por exemplo um grupo profissional ou um clube social ou desportivo. A necessidade de reconhecimento impulsiona muitos alunos a se tornarem atletas de alto rendimento com o intuito de conquistar resultados desportivos que se traduzem em títulos que por sua vez representam uma manifestação de poder, de estatuto.
  2. Segurança – o cérebro é uma máquina de reconhecimento de padrões que está constantemente a tentar predizer ou antecipar o futuro próximo. Por exemplo, a rede motora é inútil sem um sistema sensorial. Para se agarrar numa chávena de café, o sistema sensorial tem que sentir a posição dos dedos em cada momento, interagir de forma dinâmica com o córtex motor para determinar como deve mover os dedos numa sequência eficaz. O cérebro gosta de antecipar o padrão momento a momento e por isso anseia por certeza (segurança ou antecipação) para que a predição seja possível. Sem a capacidade de antecipar o cérebro tem que gastar uma quantidade muito maior de recursos, envolvendo de forma mais intensa e energética o córtex pré-frontal para poder processar as experiência momento-a-momento.A mais pequena quantidade de incerteza gera uma resposta de “erro” no Córtex pré-frontal (CPF). Esta situação desvia a atenção do objetivo canalizando-a para o erro (inesperado). Se alguém não nos diz toda a verdade ou age de forma incongruente a incerteza resultante faz disparar a resposta de “erro” do CPF. O ato de criar uma sensação de certeza é recompensante. Numa relação de interdependência negativa (competitiva) o objetivo do treino consiste em preparar os jogadores para anteciparem a surpresa de forma a minimizar a vulnerabilidade e a incerteza das ações enganosas tais como fintas, distrações, falsificações, direções erradas, mistificações. Porém isto requer e exige um investimento muito oneroso em termos de tempo, recursos e energia. Se queremos reduzir a ameaça inerente à incerteza, numa relação de interdependência positiva, com menor custo de tempo, recursos e energia basta estabelecer expectativas e resultados claros e esperados relativamente ao que pode acontecer em cada situação. Porém, isto requer cooperação que se apoia na transparência que está em contradição com a atitude competitiva que vive da desinformação ou falta de transparência.
  3. Autonomia – corresponde à perceção de exercer controle sobre o ambiente, uma sensação de liberdade de escolha. Uma quantidade de stress que não pode ser evitada pelo sujeito pode ser bastante destrutiva enquanto a mesma quantidade de stress interpretada como sendo possível contornar ou escapar é muito menos destrutiva. O foco no controlo interno significa que o individuo sente que controla, o foco no controlo externo significa que o indivíduo sente-se controlado pelas circunstâncias ou por uma pessoa externa – Heteronomia).  O aumento do controlo externo está correlacionado com o aumento da depressão e ansiedade. Uma redução na autonomia pode gerar uma forte reação à ameaça. Quando sentimos falta de controlo vemo-la como uma falta de agência ou uma incapacidade para influenciar os resultados. Por este motivo proponho que sejam os alunos, através da metodologia de Trabalho por Projetos a definir os seus objetivos, a planear as suas atividades e a auto-regular os processos e resultados e também a criar os seus próprios jogos.
  4. Filiação (Pertença) – o sentimento de pertença envolve a decisão em incluir ou excluir alguém de um grupo social. A pertença é um forte impulsionador do comportamento em muitos tipos de grupos, sejam desportivos ou organizacionais. As pessoas gostam de criar “tribos” onde vivem uma espécie de pertença e identificação. A decisão relativa à interpretação se alguém é amigo ou inimigo tem um forte impacto no cérebro. Quando alguém é percebido como inimigo, são usados circuitos diferentes. Quando lidamos com alguém que é um competidor, a capacidade para empatizar cai significativamente. O Neurocientista John Cacioppo aborda a necessidade de contacto humano seguro como sendo um impulso primário tal como a necessidade de comida. Na ausência de interações sociais seguras o corpo gera uma resposta de ameaça também conhecida como  sentimento de se sentir só. A oxitocima é uma hormona produzida no cérebro de forma natural e elevados níveis da mesma estão associados a comportamentos mais afiliativos. O conceito de pertença está fortemente ligado à confiança, tendemos a confiar naqueles que fazem parte do nosso grupo e com quem estabelecemos uma relação positiva porém, quando alguém faz algo desleal ou desonesto a resposta habitual é o afastamento. Quanto mais as pessoas confiam umas nas outras tanto mais forte é a colaboração e mais informação é partilhada. Para fortalecer os laços afetivos e a confiança entre as pessoas num grupo é importante promover ligações sociais positivas e os jogos cooperativos proporcionam o ambiente favorável à confiança e pertença.
  5. Justiça (Equidade) – trocas injustas geram uma forte resposta de ameaça. Por vezes inclui a ativação da zona insular, uma parte do cérebro envolvida nas emoções intensas tais como repugnância. As pessoas que vêm outras como injustas não sentem empatia pela sua dor e por vezes, sentem-se recompensadas quando os injustos são punidos. A ameaça relativa à interpretação de injustiça pode ser diminuida através do aumento da transparência e pelo aumento do nível de comunicação e envolvimento nos assuntos ou questões do interesse comum e afetam ambas as partes.

Morton Deutsch também caracteriza dois tipos básicos de ação adotados por um indivíduo ou grupo:

  1. Ações eficazes – que aumentam as hipóteses dos atores alcançarem o seu objetivo.
  2. Ações ineficazes (desastradas) – que pioram as hipóteses dos atores alcançarem o seu objetivo.

Estes tipo de interdependência e de ação combinados afetam os processos sociais e psicológicos básicos tais como a substituibilidade, atitudes e indutibilidade.

Os três conceitos referidos são muito importantes para se perceber os processos sociais e sociológicos envolvidos na génese ou influência da cooperação e competição.

  1. Substituibilidade – como é que as ações de A podem satisfazer as intenções de B. Este aspeto é fulcral para o funcionamento de todas as instituições sociais (família, industria, escolas, etc…), na divisão do trabalho e papeis especializados. A substituibilidade permite-nos aceitar que as atividades dos outros são importantes e necessárias para preencher as minhas necessidades (partenariado – parcerias).
  2. Atitudes – refere-se à predisposição para responder avaliativamente, favorável ou desfavoravelmente relativamente aos aspetos inerentes ao próprio eu ou ambiente. Os comportamentos sociais são motivados por um princípio de organização social e comportamental que visa minimizar a ameaça e maximizar a recompensa. esta tendência inata para se agir positivamente quando estamos perante algo que é benéfico e negativamente quando algo se nos afigura prejudicial é a fundação sobre a qual o potencial humano para a cooperação e amor (aceitação) bem como para a competição e ódio (rejeição) se desenvolvem. A orientação psicológica básica da cooperação pressupõe atitudes positivas tais como “nós somos um para o outro“, “nós beneficiamo-nos mutuamente”; contrastando a orientação psicológica básica da competição pressupõe uma atitude negativa que cria um quadro mental onde “nós estamos uns contra os outros” e na sua forma extrema, “tu estás aí para me prejudicar ou magoar”.
  3. Indutibilidade – refere-se à prontidão para aceitar a influencia de terceiros para fazer o que eles querem; a indutibilidade negativa refere-se à prontidão para rejeitar ou obstruir o que outros querem. O complemento da substituibilidade é a indutibilidade.

Relações Cooperativas:

  1. Comunicação eficaz – as ideias são verbalizadas e os membros do grupo estão atentos entre si, aceitando as ideias dos outros membros e deixando-se influenciar por eles. manifestam poucas dificuldades em comunicar com ou compreender os outros.
  2. Simpatia, prestatividade – exprimem menos obstrução relativamente às ideias expressas nas discussões. os membros da equipa apresentam-se mais satisfeitos com o grupo e as suas soluções e favoravelmente impressionados pelas contribuições de outros membros do grupo. Adicionalmente, os elementos de um grupo cooperativo avaliam-se positivamente no desejo de ganhar o respeito dos seus colegas e em obrigação para com outros membros.
  3. Coordenação de esforços – divisão das tarefas, orientação para a concretização das tarefas, disposição metódica nas discussões e elevada produtividade manifestam-se nos grupos cooperativos.
  4. Sentimento de acordo – concordância relativamente às ideias dos outros e um sentimento de similaridade básica nos valores e crenças, bem como confiança nas próprias ideias e nos valores que os outros membros associam a essas ideias, são uma constante nos grupos cooperativos.
  5. Reconhecimento e respeito – dos outros através de uma atitude responsiva relativamente às necessidades dos outros.
  6. Vontade em aumentar o poder do outro – valorizando o conhecimento, competências e recursos de forma que a probabilidade de alcançar os seus objetivos seja elevada. Pelo facto das capacidades dos outros saírem fortalecidas, o grupo sai beneficiado e fortalecido porque se tornam numa mais valia para nós e para todos. De forma semelhante, o outro sai fortalecido e enriquecido pelo nosso enriquecimento e beneficia do nosso crescimento, capacidades e poder.
  7. Definir os interesses conflituantes como problemas mútuos – que devem ser resolvidos através de esforços colaborativos reconhecendo a legitimidade dos interesses de cada parte envolvida  e a necessidade em encontrar uma solução sensível às necessidades de todos. esta abordagem tende a limitar em vez de expandir a extensão dos conflitos de interesse envolvidos. As tentativas de influencia dos outros tendem a ficar confinadas ao processo de persuasão.

Em contraste, um processo competitivo possui os efeitos opostos:

  1. A comunicação fica prejudicada – pelo facto das partes conflituantes procurarem tirar vantagem através do engano dos outros recorrendo à utilização de falsas promessas, táticas de insinuação e desinformação.
  2. Obstrução e falta de utilidade – conduz a atitudes mutuamente negativas e a suspeita relativamente às intenções de uns em relação aos outros. As perceções de A (indivíduo ou grupo) relativamente a B, tendem a centrar-se nas qualidades negativas e ignorar as positivas.
  3. As partes envolvidas no processo são incapazes de dividir o seu trabalho – duplicando os esforços tornando-se imagens espelho; caso dividam o trabalho, sentem a necessidade de verificar continuamente  o que o outro está a fazer (desconfiança).
  4. Experiência repetida de desacordo – e a rejeição crítica das ideias reduz a confiança em si próprio bem como nos outros.
  5. As partes conflituantes procuram aumentar o seu próprio poder – reduzindo o poder dos outros. Qualquer aumento no poder do outro é visto como uma ameaça a si próprio:
    • Jogos de Poder dentro do Jogo Desportivo:
      • Promover a rotura da organização da equipa adversária (destabilizar, desorganizar, impedir, perturbar, destruir). Anular as ações dos adversários.
      • As linhas de força do sistema de jogo: interceção das ligações dos adversários – o jogo deve ser analisado e compreendido em termos de relações de força entre as equipas (Jorge Castelo “Futebol, modelo técnico-tático do jogo”).
      • Princípios Gerais: não permitir a inferioridade numérica, evitar a igualdade numérica e procurar criar a superioridade numérica (jogos de forças/poder).
      • O espaço de jogo suporta o desenvolvimento da luta entre as duas equipas onde cada uma dela procura criar a rotura da organização da equipa adversária e/ou desequilibrar a organização da equipa adversária.
  6. Subjugação e Submissão – o processo competitivo estimula a crença de que a solução de um conflito apenas pode acontecer através da imposição dos interesses de uma das partes sobre a outra, que por sua vez conduz à utilização de táticas de coerção que podem evoluir para ameaças físicas ou psicológicas e violência. Esta abordagem tende a exacerbar a dimensão dos problemas em conflito à medida que cada uma das partes procura superioridade em termos de poder e legitimidade. O conflito torna-se numa luta de poder ou um princípio moral e deixa de estar confinado a uma questão em particular num dado momento e lugar. A escalada do conflito aumenta o seu significado motivacional dos participantes e pode tornar uma derrota limitada menos aceitável e mais humilhante do que o desastre mútuo. Á medida que o conflito sofre uma escalada, perpetua-se a si próprio através de hostilidades autistas, profecias auto-realizadas e compromissos frágeis.
    • As hostilidades autistas envolvem a rotura do contacto e comunicação entre as partes envolvidas; como consequência as hostilidades perpetuam-se porque as partes não têm oportunidade para aprender ou consciencializar que a raiz do problema pode estar alicerçado em incompreensões mútuas ou erros de julgamento, nem permite aprender se o outro melhorou para melhor.
    • Profecias auto-realizáveis (Pigmalião) – caracterizam-se pelo envolvimento num comportamento hostil relativamente aos outros baseados numa falsa premissa que antecipa a intenção do outro, do qual se espera que tenha feito algo negativo ou prejudicial para nós, ou se prepara para o fazer; a nossa expectativa negativa torna-se realidade quando nos impulsiona no sentido de um comportamento hostil que provoca o outro levando-o a reagir de uma forma hostil relativamente a nós. A dinâmica da escalada de um conflito destrutivo possui a qualidade inerente de uma loucura a dois onde o Efeito Pigmalião de cada parte envolvida se reforçam mutuamente. Como resultado, ambos os lados estão corretos quando assumem que a outra parte é provocadora, desonesta e malevolente. Cada uma das partes tende a manifestar uma miopia relativamente à cor-responsabilidade na construção do conflito, não compreendendo o contributo individual para esse processo.
    • Compromissos frágeis – durante o processo de escalada do conflito as partes não só assumem posições rígidas, como também se podem comprometer involuntariamente com atitudes, perceções e crenças negativas, defendendo-se contra os ataques esperados dos outros bem como os investimentos envolvidos na operacionalização das suas atividades conflituantes. Desta forma, durante a escalada do conflito, uma pessoa (um grupo, uma equipa ou uma nação) pode assumir a crença que o outro é um inimigo mau, que pretende tirar vantagem sobre nós (o nosso grupo ou nação), a convicção de que temos que estar constantemente atentos e preparados para nos defendermos contra o perigo que os outros nos podem causar relativamente aos nossos interesses vitais e também investir nos meios para nos defendermos dos outros e atacar. Depois de um conflito prolongado, é difícil abrir mão de um rancor, desarmar as nossa defesas sem nos sentirmos vulneráveis, bem como abrir mão da carga emocional associada à mobilização e vigilância envolvida no conflito.

Estas ideias de Morton Deutsch desencadearam um grande número de investigações que concluíram que os processos cooperativos (comparativamente aos competitivos) conduzem a uma maior produtividade do grupo, melhoram e favorecem as relações interpessoais, melhoram a saúde psicológica e elevam a auto-estima. A investigação também mostrou que a resolução de conflitos construtiva inerente aos jogos cooperativos é superior em resultados comparativamente aos processos competitivos com o mesmo propósito. Para compreendermos a natureza dos processos envolvidos num conflito, esta última afirmação assume um grande significado em termos teóricos e práticos. Sugere que os processos construtivos de resolução de conflitos são semelhantes aos processos cooperativos de resolução de problemas e, em contrapartida, os processos destrutivos de resolução de conflitos são semelhantes aos processo competitivos.


4.5 – Crenças e Resolução de Conflitos:

A educação para a paz é o processo de promoção de conhecimentos, competências, atitudes e valores necessários para criar mudanças no comportamento, que permitam às crianças, aos jovens e às pessoas adultas prevenir conflitos e violência, tanto explícitos como estruturais, resolver os conflitos de forma pacífica e criar as condições propícias à paz, seja a nível interpessoal, intergrupal, nacional ou internacional. A Paz (do latim Pax) é geralmente definida como um estado de calma ou tranquilidade, uma ausência de perturbações e agitação. Derivada do latim Pacem = Absentia Belli, pode referir-se à ausência de violência ou guerra.

  • O Olimpismo assume como Ideal, na sua Carta Olímpica, “colocar o desporto ao serviço da humanidade para promover a paz”. Por que motivo o Ideal do Movimento Olímpico enfrenta enormes contrariedades?

As nossas crenças são sobretudo subconscientes e normalmente resultam de uma vida de programação constituindo-se como uma poderosa influencia no comportamento. É com base nas nossas crenças que formamos as nossas atitudes acerca do mundo e de nós próprios, e a partir destas desenvolvemos comportamentos e assumimos papeis (O Professor de Educação Física). Elas “dirigem” as nossas ações observáveis e os nossos comportamentos, pese embora o facto de não estarmos conscientes da influência que exercem sobre nós. Estas crenças subconscientes criam os filtros percetivos através dos quais nós respondemos aos desafios da vida e em particular aos desafios colocados numa aula. Elas formam a base das ações e reações dos alunos a cada uma das novas situações. A capacidade de desempenho eficaz, tanto de um aluno como de um professor é profundamente influenciado por tais crenças. As crenças estabelecem os limites daquilo que conseguimos alcançar como alunos, professores, pais, etc… Porém, alterar crenças é sempre um desafio e torna-se mais fácil através da consciência dos estados emocionais associados a essas crenças.

crenças dissonânica cognitiva

MUNDO 1 – Matrix: Processos destrutivos de resolução de conflitos – semelhantes aos processos competitivos:

Os Professores de Educação Física (PEF), numa sociedade democrática, são livres de tomar decisões e exprimir as suas opiniões porém, esta escolha individual é na maioria das vezes subjugada pela vontade geral (coletiva). A resolução aceite deste conflito entre a tomada de decisões individuais e do grupo, obedece à conhecido princípio da “Regra da Maioria“. Aparentemente existe uma forte razão para este compromisso: supostamente um grupo de indivíduos possui maior probabilidade estatística para determinar uma melhor decisão do que uma única pessoa. Porém, quando o Grupo de Educação Física decide votar uma decisão porque não existe consenso acaba por calar vozes dissonantes cuja contribuição pode enriquecer a intervenção pedagógica de todos.

Na “Regra da Maioria” (conformidade), sobrepõe-se os argumentos do grupo com base nas “pretensões de poder” e é isso que atualmente verificamos quando analisamos o atual paradigma defendido pela maioria dos Profissionais de Educação Física.

valores 6

O neurocientista Gregory Berns cit. Philip Zimbardo (2007) concluiu que “Nós gostamos de pensar que ver é acreditar, mas os resultados do estudo mostram que ver é acreditar naquilo que o grupo nos diz para acreditar”. Isto significa que a perspetiva das outras pessoas, quando cristalizada no consenso do grupo, pode na verdade afetar a forma como percebemos aspetos importantes do mundo exterior, fazendo-nos questionar a natureza da verdade em si. “Só quando nos tornarmos conscientes da nossa vulnerabilidade à pressão social então poderemos começar a criar resistência à conformidade, quando não é do nosso melhor interesse cedermos ou rendermos à mentalidade dominante do rebanho”.

Philip Zimbardo (2007).

Competição construtiva e destrutiva:

A competição pode ser:

  • Destrutiva – injusta, desregulada.
  • Equilibrada – justa e regulada.
  • Construtiva – tanto os perdedores e os vencedores ganham. Por exemplo, numa partida de ténis construtiva, o vencedor sugere estratégias para que o perdedor evolua o seu jogo e oferece ao perdedor a oportunidade aprender e praticar a técnica tornando o jogo agradável e uma experiência positiva.

Qual a maior diferença, por exemplo, entre uma controvérsia construtiva e um debate competitivo:

  • Controvérsia construtiva – os intervenientes discutem as suas diferenças com o objetivo de as clarificar procurando encontrar soluções que integrem as melhores ideias que emergem durante a discussão, independentemente de quem as articula. Não existe um vencedor ou um perdedor porque ambos vencem porque ambos beneficiam de uma perceção mais amadurecida e aprofundada do problema. Este modelo permite gerir de forma positiva as diferenças que as pessoas trazem para  o debate cooperativo, valorizando as diferenças de compreensão, perspetivas, conhecimentos e visões de mundo enquanto recursos válidos. A cooperação induz e é induzida pelas semelhanças de crenças e atitudes percebidas, prontidão para ser útil, abertura para a comunicação, atitudes amigáveis e de confiança, sensibilidade para com os interesses comuns, evitar a crispação relativa aos interesses opostos, orientação no sentido de aumentar o poder mútuo em vez de potenciar as diferenças.
  • Debate competitivo – aqui existe sempre um vencedor e um perdedor. Cada fação assume possuir as melhores ideias, capacidades, conhecimentos ou outros argumentos e tipicamente vence enquanto a outra, que é julgada ou avaliada como inferior (menos boa) perde. A competição avalia e categoriza (hierarquizar) as pessoas em função da sua capacidade para desempenhar uma determinada tarefa em vez de integrar as várias contribuições. A competição é induzida pelas táticas de coerção, ameaça, engano com o intuito de aumentar as diferenças de poder entre os adversários, sobressai uma comunicação empobrecida (ineficaz), desvalorização da consciência das semelhanças em termos de valores e um aumento da sensibilidade relativamente a interesses opostos que fomentam atitudes hostis e de suspeição/desconfiança que por sua vez exageram a importância, rigidez e dimensão das questões em conflito verificando-se uma escalada de tensão.

Os dramas associados à atitude competitiva possuem raízes culturais e pessoais profundas na nossa civilização mas isso não deve ser utilizado como argumento para as perpetuar mesmo na sua versão construtiva. Atualmente a competição faz parte do nosso dia-a-dia e a aquisição de competências necessárias para competir de forma eficaz é considerado válido e útil. Por outro lado, competir num contexto cooperativo e agradável pode ser divertido permitindo aos atores experimentar  num contexto não sério os dramas emocionais simbólicos relacionados com a vitória e a derrota, vida e morte, poder e desamparo, dominância e submissão. A competição também é considerada por muitos como um mecanismo social de seleção daqueles que se mostram mais capazes de desempenhar atividades envolvidas na competição. Porém, todos sabemos que surgem muitos problemas associados à competição quando esta não acontece num contexto cooperativo e não evolui segundo as regras justas. Por outro lado a Mentalidade competitiva mantém-nos reféns do triângulo opressivo de perda de soberania individual e/ou desautorização pessoal (TDP). Sempre que contamos uma história sobre a nossa experiência ou doutrem, identificamos no elenco três papeis definidos: Vítima, Vilão e o Salvador. No caso de um jogo de invasão territorial (jogo desportivo coletivo), os perpetradores são interpretados pelos jogadores da equipa que ataca (fase ofensiva = ataque). As vítimas são interpretadas pelos jogadores da equipa que sofre o ataque e optam por uma atitude defensiva para evitar o golo. Este enredo não permite aos atores evoluir para um nível de consciência superior onde todos cooperam no sentido de resolver o conflito de interesses onde todos ganham. O TDP perpetua o conflito eternamente porque os derrotados querem a desforra através da subjugação dos seus anteriores opressores o que é a antítese do processo construtivo de resolução de um conflito.

Slide32

Os efeitos superficiais da cooperação e competição devem-se ao tipo de interdependência subjacente (positiva ou negativa) ao tipo de ação (eficaz ou confusa), aos processos sociais e psicológicos básicos envolvidos na teoria (Substituibilidade, atitudes e Indutibilidade) e ao contexto social, cultural e situacional onde estes processos se exprimem. Assim, a dimensão da atitude positiva, expressa numa relação positiva e interdependente, depende do que é considerado apropriado dentro do contexto social, cultural e situacional, ou seja, presumivelmente não procuraríamos exprimi-lo de uma forma que seria humilhante ou embaraçosa ou sentida como negativa pela outra parte.

A Teoria da Resolução de Conflitos de Morton Deutsch define um processo construtivo de resolução de um conflito enquanto processo cooperativo eficaz de resolução de um problema no qual o conflito corresponde ao problema comum a ser resolvido. Também relaciona o Processo Destrutivo de Resolução de Conflitos como um processo competitivo no qual as partes em litígio se envolvem numa competição ou luta para determinar quem vence e quem perde, e normalmente o resultado desta luta é uma perda para ambas as partes. Consideram-se vários ingredientes que afetam o conflito tais como o poder e influência, resolução de problemas em grupo, perceção social e cognição, criatividade,conflitos intra-psíquicos e a personalidade.


MUNDO 2 – Princípio Dialógico – processos construtivos de resolução de conflitos – semelhantes aos processos cooperativos de resolução de problemas

  • Elevada Tolerância.
  • Pouca afinidade de perspetivas/opiniões (Crenças)

dialogo igualitario

Obviamente que advogo o “Diálogo Igualitário” em substituição da “Regra da Maioria” porque a maioria é normalmente constituída por indivíduos que assumem um “Compromisso Cognitivo Prematuro” relativamente a um assunto por inerência à sua “Conformidade Social” e muitas vezes essa lealdade invisível ao Mundo 1 – Matrix revela uma incapacidade de ver  o problema em toda a sua dimensão (Pílula Azul).

No diálogo igualitário, todas as contribuições e intervenções são importantes e consideradas com base na validade dos argumentos, independentemente da pessoa de onde elas vierem, desde que sejam baseadas em argumentos lógicos, coerentes e fundamentados. Existe um diálogo igualitário quando as contribuições de cada participante são avaliadas em termos de argumentos (pretensões de validade) e não em função de quem diz (pretensões de poder – estatuto ou posição).

O diálogo igualitário contribui para a democratização da organização seja a escola ou uma classe profissional (PEF), na medida que permite a participação de todos os membros da comunidade em pé de igualdade.

A Importância da orientação Cooperativa:

A implicação mais importante da teoria da cooperação-competição enfatiza o facto que a escolha da cooperação ou orientação vitória-vitória para resolver um conflito facilita enormemente a resolução construtiva do mesmo, enquanto uma orientação competitiva ou vitória-derrota impede a sua resolução. É muito mais fácil desenvolver e manter uma atitude vitória-vitória quando temos um apoio social para tal o qual pode vir de amigos, parceiros de trabalho, empregadores ou da comunidade. Se queremos optar por uma atitude vitória-vitória num ambiente hostil (competitivo) é crucial constituirmos uma rede de pessoas ou membros de um grupo que assumam orientações semelhantes que possam ampliar o apoio social. Também é necessário desenvolver as força pessoal e as competências necessárias para contrariar a maré (Conformidade).


4.6 – Dar e/ou Receber?

Os investigadores descobriram que as pessoas diferem significativamente na sua preferência relativamente à reciprocidade.

  • Reciprocidade significa mutualidade representando a tendência ou predisposição para dar e receber e por isso melhora a qualidade das relações entre as pessoas. A reciprocidade é uma particularidade de enorme valor na sociedade, porque de acordo com a psicologia social as relações mútuas contribuem para a conservação de normas sociais.

Adam Grant no seu livro “Give and Take” introduz dois tipos de pessoas que se situam nos extremos opostos do espectro de reciprocidade designando-os por tomador (aproveitador, ficar com, aproveitar) e dador (aquele que dá, partilha). Os tomadores e dadores diferem  nas suas atitudes e ações relativamente aos outros:

  1. Tomador (Aproveitador) – gostam de receber mais do que dão e inclinam a reciprocidade a seu favor, colocando os seus próprios interesses à frente das necessidades dos outros. Os tomadores acreditam que o mundo é um local competitivo e sentem que para vencer na vida precisam ser melhores que os outros. Para provar a sua competência, auto-promovem-se e certificam-se que recebem a quantidade necessária de crédito ou reconhecimento pelos seus esforços. Os tomadores pensam que “se eu não olhar pelos meus interesses em primeiro lugar, ninguém o fará!” e tendem a ser auto-centrados. Os Tomadores ajudam terceiros de forma estratégica quando sentem que o benefício supera os custos pessoais, ou seja, quando sentem que isso lhes trará mais benefícios que custos.
  2. Dador (Oferecer) – os dadores ajudam terceiros mesmo que os benefícios para eles excedam os custos do investimento pessoal ou em vez disso nem sequer ponderam os custos  pessoais, dedicando-se a ajudar sem esperar nada em retorno. Normalmente apenas se empenham em ser generosos na partilha do seu tempo, energia, conhecimento, competências, ideias e ligações com terceiros que possam beneficiar disso. Ser um dador não exige atos extraordinários de sacrifício pessoal apenas requer que se aja no interesse dos outros, como por exemplo oferecer ajuda, prestar-se a mentorar, partilhar ou estabelecer relações com os outros. Os dadores investem na vantagem e benefício dos outros mas hipotecam o seu próprio sucesso. Os dadores são muito nutridores, confiam com facilidade nos outros e mostram-se desejosos em sacrificar os seus próprios interesses em benefício dos outros. Os dadores ocupam tanto a base como o topo da escada do sucesso. Adam Grant investigou a razão pela qual os dadores dominam o topo da escada do sucesso de forma a perceber porque motivo este perfil de comportamento altruísta é mais poderoso e menos perigoso do que a maioria das pessoas acredita. O autor investigou muitas profissões incluindo consultores, advogados, médicos, engenheiros, vendedores, escritores, empresários, contabilistas, professores, consultores financeiros e dirigentes desportistas. Os dadores invertem a fórmula tradicional que procura o sucesso em primeiro lugar e mais tarde retribui, permitindo perceber que aqueles que dão primeiro se encontram numa posição mais vantajosa para colher o sucesso mais tarde. Porém, nem todos alcançam a escada do sucesso e o autor fez questão de perceber o motivo. Normalmente os dadores reconhecem a grande diferença entre tomar e receber. Tomar implica o uso das outras pessoas para conseguir benefícios próprios enquanto Receber é aceitar a ajuda dos outros mantendo o desejo de retribuir mais à frente.

Segundo a Psicóloga investigadora Margaret Clark da Universidade de Yale a maioria das pessoas age como dadores nas relações próximas porém, no local de trabalho, dar e receber torna-se mais complicado. Em termos profissionais, poucos de nós agem como dadores ou tomadores, adotando um terceiro estilo designado por equalizador.

  1. Equalizador– esforçam-se por preservar um equilíbrio entre dar e receber e operam segundo o princípio da equidade. Quando ajudam outros, protegem-se na tentativa de garantir reciprocidade.

O autor refere que podemos mudar de um estilo para outro em função dos papeis que desempenhamos e relacionamentos que experimentamos no contexto relacional e cultura organizacional da organização/instituição onde operamos. Os dados mostram que a maioria das pessoas investe sobretudo no estilo equalizador. Em termos profissionais, todos os três estilos podem garantir benefícios ou contrariedades porém existe um estilo que se mostra mais dispendioso que os outros dois.

Todos nós temos objetivos para os nossos sucessos individuais e tudo indica que os Dadores que alcançam o sucesso não se coíbem em pedir ajuda quando precisam. Os Dadores de sucesso são tão ambiciosos como os Tomadores e os Equalizadores. Apenas manifestam uma estratégia diferente para alcançar os seus objetivos. Tanto os Tomadores como os Equalizadores e Dadores conseguem alcançar sucesso porém algo de muito especial caracteriza o sucesso dos Dadores. Quando os Tomadores ganham, existe sempre alguém que perde (interdependência negativa – Competição). A investigação mostra que as pessoas tendem a invejar o sucesso dos Tomadores e procuram formas de os derrubar. Porém, ao contrário, quando os Dadores ganham, as pessoas torcem por eles e apoiam-nos. Quando os Dadores têm sucesso cria-se um efeito de ondulação (reverberações) que promove o sucesso das pessoas à sua volta. Podemos constatar que  a diferença reside na forma como o sucesso dos Dadores cria valor acrescido em vez de apenas o reivindicar. Tal como Randy Komisar afirma, “é muito mais fácil ganhar se todos desejarem que nós tenhamos sucesso. Se não fizermos inimigos pelo caminho, é mais fácil alcançar o sucesso!”.

O psicólogo Shalom Schwartz estudou os valores e princípios orientadores mais importantes para as pessoas em diferentes culturas no mundo. Um dos estudos contou com uma amostra representativa de milhares de adultos de países como a Austrália, Chile, Finlândia, França, Alemanha, Israel, Holanda, África do Sul, Espanha, Suécia e Estados Unidos. Traduziram a sondagem numa dúzia de linguagens e perguntaram aos entrevistados para classificar a importância de diferentes valores. De seguida estão alguns exemplos:

Lista 1:

  1. Riqueza (dinheiro, posses materiais).
  2. Poder (domínio e controlo sobre os outros).
  3. Prazer (desfrutar a vida).
  4. Ganhar (fazer melhor que os outros).

Lista 2:

  1. Gentileza (trabalhar para o bem estar dos outros).
  2. Responsabilidade (ser confiável).
  3. Justiça Social (cuidar dos desfavorecidos).
  4. Compaixão (Ser sensível e acudir às necessidades dos outros).

Os Tomadores (Atitude Competitiva) preferiram a lista 1 enquanto os Dadores priorizaram os valores da lista 2. Schwartz quis conhecer onde é que a maioria das pessoas endossavam (apoiavam) os valores dos Dadores. A maioria das pessoas dos 12 países quantificam os valores dos Dadores como sendo os seus valores mais importantes. Referem uma maior preocupação em dar (cuidar, nutrir) do que ter poder, conquistar, excitação, liberdade, tradição, conformidade, segurança e prazer. Os valores dos Dadores correspondem aos principais princípios orientadores na vida para a maioria das pessoas na maioria dos países. Na maioria das culturas do mundo, a maior parte das pessoas apoiam o Dar como o seu único e mais importante princípio orientador.

Adam Grant conta a história de uma executiva de nome Sherryann que participou num programa de liderança durante seis semanas com outros dezasseis executivos de outras empresas do mundo. Para identificar as suas forças, ela submeteu-se a uma avaliação psicológica e ficou chocada por saber que as suas principais forças profissionais era a gentileza e compaixão. Temendo que os resultados comprometessem a sua reputação como uma líder dura e bem sucedida, decidiu não partilhar os resultados. Confidenciou que sentiu “receio que as pessoas a vissem de forma diferente, talvez como uma executiva menos séria”. “Estava condicionada a deixar os meus sentimentos humanos à porta e vencer. Eu queria que as minhas principais competências fossem vistas como uma trabalhadora esforçada e orientada para os resultados, não como amável e compassiva. No negócio temos que, por vezes usar máscaras diferentes”. O medo de ser julgado como fraco ou ingénuo faz com que muitas pessoas deixem de agir como Dadores no trabalho. Muitas pessoas que se regem por valores Dadores na vida, escolhem o estilo Equalizador como o seu principal estilo de reciprocidade no trabalho, procurando equilibrar a balança entre dar e receber. O Psicólogo Dale Miller da Universidade de Stanford explica que quando as pessoas antecipam ou se apercebem do comportamento auto-centrado por parte dos outros, temem em ser exploradas ou que se aproveitem delas, caso ajam como Dadores e por isso pensam que se optarem por uma orientação competitiva (Tomadores) esta é a escolha mais racional e apropriada no contexto. O medo de serem explorados pelos Tomadores é demasiado pervasivo e o Economista Robert Frank escreve que “o medo associado à expectativa negativa de esperar o pior nos outros faz sobressair o pior em nós: temendo o papel do idiota, muitas vezes relutamos em prestar atenção aos nossos instintos mais nobres”. Ou seja, o comportamento egoísta dos Tomadores contamina negativamente o ambiente à sua volta destruindo a confiança entre as pessoas.

Importa Relembrar e Sublinhar:

  • A maioria das pessoas dos 12 países quantificam os valores dos Dadores (Cooperação)como sendo os seus valores mais importantes.
  • Referem uma maior preocupação em dar (cuidar, nutrir) do que ter poder, conquistar, excitação, liberdade, tradição, conformidade, segurança e prazer.
  • Os valores dos Dadores (Atitude Cooperativa) correspondem aos principais princípios orientadores na vida para a maioria das pessoas na maioria dos países. Na maioria das culturas do mundo, a maior parte das pessoas apoiam o Dar como o seu único e mais importante princípio orientador.

Podemos fazer uma analogia entre os exemplos dados por Adam Grant nos contextos empresariais para o contexto da sala de aula. Os alunos apresentam uma essência Dadora por natureza e muitos podem-se ter convertido em Tomadores  por estarem imersos numa cultura que sobrevaloriza e condiciona o perfil Tomador (competidor) como normal (normose), uma cultura desportiva (competitiva). Esta pressão cultural acaba por funcionar como um elemento estranho ou uma interferência destrutiva (enculturação) na nossa essência cooperativa (Dadores – Instinto Social e Sentido Moral).

De facto, P. Bourdieu e J. C. Passeron declaram de forma explícita que “toda a ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de uma arbitrariedade cultural”. (…) Ou seja, quando o poder detido por uma classe social (Professores de Educação Física) é utilizado para impor uma definição do mundo (Modelo Desportivo Competitivo e respetivos valores), para definir significados e apresenta-los como legítimos, dissimulando o poder que essa classe tem para o fazer e escondendo, além disso, que essa interpretação da realidade coincide com os seus próprios interesses de classe. Assim, esta violência simbólica reforça com o seu próprio poder as relações de poder nas quais ela se apoia, e contribui dessa forma, para a domesticação do dominado. A cultura encontra-se, portanto, dominada pelos interesses de classe. Esta violência simbólica vai exercer-se diretamente através da ação pedagógica.

O meu vínculo à Educação (Escola) enquanto terminal burocrático do estado, converte-me num agente (Matrix) promulgador de uma ideologia usando-me para impor uma arbitrariedade cultural (Definição de mundo ⇒ competição – rankings – comparação) através da relação de poder, exercendo uma violência simbólica sobre o aluno para o domesticar e dominar, subjugando-o ao perfil Tomador (competidor). Obviamente que isto promove Dilemas Morais.

Adam Grant na sua apresentação no TED Talk “Are you a Giver or a Taker” afirma que se torna necessário redefinir o sucesso:

Sucesso não tem tanto a ver em com o ganhar uma competição!… O sucesso tem muito mais a ver com contribuição!… Eu acredito que a forma mais significativa de se obter sucesso é ajudar as outras pessoas a ter sucesso!…

Alexander Lowen no seu livro “Medo da Vida – caminhos da realização pessoal pela vitória sobre o medo” cita Erich Fromm (psicanalista, filósofo humanista e sociólogo alemão). De acordo com o seu modelo existem duas atitudes existenciais diametralmente opostas perante a vida:

  • O modo ter baseia-se em relacionamentos possessivos. O si-mesmo é visto como o eu que tem esposa, casa, carro, emprego, até um corpo. Uma vez que o eu tem um corpo é o ego e como tal, o modo ter representa uma posição egocêntrica. Este modo desenvolveu-se a partir da propriedade privada, do poder e do lucro, dependendo destes fatores. Ele tem que fazer alguma coisa, alcançar algum objetivo, criar algo. O seu foco incide sobre o indivíduo em vez da comunidade. O modo possessivo não só reduz o ser, como ainda restringe a sua liberdade porque as coisas que possuímos possuem-nos. Somos possuídos pelas nossas posses no sentido de termos que pensar a respeito delas, nos preocupar e cuidar delas. Não estamos livres para lhes virarmos as costas e seguir em frente porque para muitos de nós, as coisas que temos representam a nossa identidade, a nossa segurança, o nosso estatuto e até mesmo a nossa sanidade. Achamos que não se pode ser livre a menos que se tenha muito dinheiro (liberdade financeira) e investimos o nosso tempo e energia (vidas) a ganhar dinheiro para descobrir tarde demais que sacrificamos a nossa liberdade. Não nos damos conta que a liberdade vale mais do que uma fortuna (ou títulos), pois que sem liberdade não se pode Ser.
  • O modo ser, por outro lado, fundamenta-se no amar, no dar, e em relacionamentos partilhados. Neste modo, a medida do si-mesmo não é dada em termos do que a pessoa possui, mas sim em termos do quanto ela dá ou ama. No modo ser, a pessoa encontra a sua identidade através da responsabilidade para com a comunidade.

Se temos medo de Ser, ou medo da vida, podemos mascarar este medo aumentando o nosso fazer. Quanto mais ocupados ficarmos, menos tempo teremos disponível para sentir, ser e viver. E até nos podemos enganar acreditando que fazer é ser e viver. Podemos mensurar a nossa vida pelo que realizamos, ao invés de pela riqueza e pela plenitude das nossas experiências. Na minha opinião, o ritmo frenético e ardente da vida moderna é um nítido sinal do medo que sentimos de sermos e vivermos. E, enquanto persistir este medo no inconsciente da pessoa, ela correrá cada vez mais rápido e fará cada vez mais coisas (citius, altius, fortius), a fim de não sentir o seu medo procurando mostrar-se invulnerável perante os outros (máscara).

Talvez seja este o motivo das depressões sentidas pelos atletas de elite depois de alcançar os seus objetivos?

  • Andrew Bennie et al. Exploring the Experiences and Well-Being of Australian Rio Olympians During the Post-Olympic Phase: A Qualitative Study. Frontiers in Psychology. May 2021 | Volume 12 | Article 685322: PDF
  • Frode Moen et al. Physical, Affective and Psychological determinants of Athlete Burnout. The Sport Journal april 27, 2017: PDF
  • Rosemary Purcell et al. Mental Health In Elite Athletes: Increased Awareness Requires An Early Intervention Framework to Respond to Athlete Needs. Purcell et al. Sports Medicine – Open (2019) 5:46: PDF
  • Steve Doherty et al. The Experience of Depression during the Careers of Elite Male Athletes. Frontiers in Psychology. July 2016 | Volume 7 | Article 1069: PDF
  • Zachary L. Mannes et al. Prevalence and Correlates of Psychological Distress among Retired Elite Athletes: A Systematic Review. Int Rev Sport Exerc Psychol. 2019 ; 12(1): 265–294: PDF

5 – Desportivização da Educação Física.

  • Tristan Wallhead e Mary O’Sullivan. Sport Education: physical education for the new millennium? Physical Education and Sport Pedagogy · June 2005: PDF

Como já afirmei noutro artigo, embora o jogo seja uma das principais ferramentas pedagógicas dos professores de Educação Física, estes pouco sabem sobre a teoria do jogo e recorrem a uma ementa pré-determinada de jogos sem nunca sentir necessidade de refletir sobre a sua natureza e fundamentalmente como podem utilizar a engenharia dos jogos (“Game Designer”) para desenhar, conceber e estruturar de forma intencional as Experiências MDEE (Mecânica, Dinâmica, Estética e Ética/Moral).

  • Competição: os Programas de Educação Física organizam-se em torno das Ciências do Desporto que investigam e operacionalizam única e exclusivamente os Jogos Desportivos Finitos como forma de desenvolvimento das capacidades técnicas, táticas, condicionais e coordenativas. A essência dos Jogos Desportivos é a Competição (Antagonismo).
  • Cooperação: os Programas de Educação Física, para serem considerados Ecléticos, devem-se organizar também em torno das Ciências e Pedagogia dos Jogos Cooperativos cuja essência é a Cooperação.

A maioria, senão a totalidade dos jogos que utilizamos nas nossas aulas assentam nos mesmos pressupostos mecânicos (regras e componentes do jogo) e por isso os resultados em termos das Dinâmicas ou interações sociais entre os jogadores, as reações Estéticas que promovem, ou seja, as sensações e emoções evocadas e a Ética (valores envolvidos) são sempre os mesmos, homogénios e padronizados (inferiores). Ou seja, os jogos desportivos utilizados na Educação Física têm como pilar fundamental a Oposição ou um Conflito de Interesses e por isso, sendo o cérebro humano um “órgão Social” as suas reações fisiológicas e neurológicas estão diretamente relacionadas e são profundamente influenciadas pelas interações sociais. Como já expliquei em artigos anteriores, quando utilizamos fundamentalmente o comportamento competitivo enquanto estilo de interação por excelência,  onde os outros são percebidos como “inimigos” (adversários), são utilizados circuitos neuronais diferentes dos estilos de interação cooperativos. Também, quando se trata alguém visto como como competidor-concorrente, a capacidade para a empatia cai significativamente. Michela Balconi e Maria E. Vanutelli referem no seu artigo que a cooperação e a competição são dois exemplos comuns e opostos a nível da dinâmica interpessoal e os quais  assumem diferentes padrões cognitivos, neuronais e comportamentais.

  • Porque motivo aumentou a frequência e intensidade das atitudes hostis entre os alunos na sala de aula?

5.1 – Efeitos da Cooperação e Competição contextual a Nível dos Processos Cognitivos Sociais:

Os resultados da investigação de Minhye Lee e colaboradores sobre os processos cognitivos sociais envolvidos na cooperação e na competição confirmam a hipótese que, quando os indivíduos realizam tarefas num contexto cooperativo, realizam-nas de forma mais rápida e precisa, mostrando ativações neuronais mais fortes nas redes de mentalização e nas regiões do cérebro associadas à recompensa, comparativamente às tarefas realizadas de forma individual ou em contexto competitivo. Os efeitos da cooperação a nível das respostas neuronais cognitivas sociais, são mais fortes para os indivíduos com resultados mais elevados  nos traços de empatia comparativamente áqueles com menores resultados nos traços de empatia. Os indivíduos mais empáticos mostram respostas empáticas mais fortes relativamente à dor dos outros num contexto cooperativo.

  • Michela Balconi and Maria E. Vanutelli. Cooperation and Competition with Hyperscanning Methods: Review and Future Application to Emotion Domain. Frontiers in Computational Neuroscience. eptember 2017 | Volume 11 | Article 86: PDF
  • Jean Decety et col. The neural bases of cooperation and competition: an fMRI investigation. Neuroimage. 2004 October ; 23(2): 744–751: PDF
  • Minhye Lee et al. Cooperative and Competitive Contextual Effects on Social Cognitive and Empathic Neural Responses. Frontiers in Human Neuroscience. June 2018 | Volume 12 | Article 218 PDF

Se a estrutura do jogo competitivo das aulas de EF, (aceite na nossa cultura física) encoraja a procura do interesse próprio ao mesmo tempo que desencoraja o diálogo moral, então os dilemas morais da formação desportiva desde idades precoces (1º ciclo) podem provocar níveis mais baixos de raciocínio moral como respostas contextualmente apropriadas. Isto é muito preocupante no meu ponto de vista e choca-me que possamos defender esta perspetiva de formação junto das crianças sob o pretexto ou desculpa que é apenas uma estratégia do jogo, desvalorizando a dimensão moral associada e sobretudo a programação das crianças em termos cognitivos, neuronais e comportamentais para a competição como forma exclusiva de interpretar as dinâmicas das relações interpessoais.

  • Naomi I. Eisenberger, Mattew D. Lieberman, Kipling D. William (2003); “Does Rejection Hurt? An fMRI Study of Social Exclusion”; Science; Vol. 302, 10 october 2003; pp. 290-292. PDF
  • Carrie L. Masten et al. Neural correlates of social exclusion during adolescence: understanding the distress of peer rejection. SCAN (2009) 4,143–157: PDF
  • Mara van der Meulena et al. The neural correlates of dealing with social exclusion in childhood. Neuropsychologia 103 (2017) 29–37: PDF
  • Naomi I. Eisenberger and Matthew D. Lieberman. Why rejection hurts: a common neural alarm system for physical and social pain. TRENDS in Cognitive Sciences Vol.8 No.7 July 2004: PDF
  • Alexandre Heeren et al. Correlates of Social Exclusion in Social Anxiety Disorder: An fMRI study. Scientific Reports | 7: 260: PDF
  • David Rock (2008); “SCARF: a brain-based model for collaboration with and influencing others”; NeuroLeadership Journal, Issue 1; pp. 1-9. PDF
  • David Rock (2009); “managing with the brain in Mind”; Oxford leadership Journal; december 2009; Vol. 1; Issue 1; pp. 1-10. PDF
  • David Rock (2012); “ SCARF: in 2012: updating the social neuroscience of collaborating with others”; Neuroleadership ournal; Issue 4; pp. 1-14. PDF

Pelo facto dos vários domínios da experiência social gravitarem em torno das mesmas redes cerebrais utilizadas pelas necessidades primárias de sobrevivência – as necessidades sociais são ameaçadas da mesma forma, no cérebro, como a necessidade pela água e alimento. A exposição das crianças a uma situação de jogo desportivo (oposição) onde os alunos sentem que o seu estatuto, a sua segurança, autonomia, pertença e justiça são constantemente postos em causa (ameaçados), promove uma corrosão da auto-estima e criam-se mecanismos passivo-defensivos e agressivo-defensivos como resposta apropriada a uma realidade que é interpretada pelo cérebro como uma ameaça à sobrevivência.

O neurocientista John Cacioppo fala acerca da necessidade do contacto humano seguro como sendo um fator primordial ou necessidade básica tal como a necessidade de comida. Na ausência de interações sociais seguras o corpo gera uma resposta de ameaça também conhecida como o sentimento de solidão, isolamento.

Torna-se imperativo que os Professores de Educação Física, tal como os licenciados em  Engenharia e Desenvolvimento de Jogos Digitais (“Game Designer”), aprendam a linguagem da Programação dos Jogos Analógicos (movimento e ações motoras) criando ambientes de aprendizagem-Jogos que promovam sobretudo interações sociais seguras, emoções coerentes e um Raciocíneo Moral Superior, ao mesmo tempo que tenham uma componente de desenvolvimento da aptidão física e das praxias.

Obviamente que podemos criar jogos ou solicitar aos alunos que sejam eles a fazê-lo (criatividade), de forma a explorar vários tipos de cenários em diferentes contextos (espaços cobertos, ao ar livre, na natureza, na água, no ar, etc). Esses cenários podem ser os mais diversificados e fogem à tradicional forma de ver o jogo:

  1. Explorar o prazer sensorial – as sensações eutónicas.
  2. Estimular a imaginação através da Fantasia.
  3. Criar cenários psicodramáticos que facilitem a resolução de problemas relacionais onde os atores estão ligados pelo drama – uma narrativa.
  4. Jogos que atribuam recompensas pela superação ou desafio colocado à equipa – Team Building.
  5. Jogos que valorizam sobretudo o contacto social e a sociabilidade saudável.
  6. Jogos que estimulam a exploração do desconhecido e a descoberta de ambientes diferentes.
  7. Jogos que promovam sobretudo o auto-conhecimento e a expressão da literacia emocional, social e a consciência corporal.
  8. Ou podemos simplesmente recorrer a jogos que apelam a tarefas automáticas quando se pretende adquirir padrões motores específicos para um determinado fim ou propósito ou treinar a abnegação, a perseverança ou a resistência psicológica e física ao esforço /fadiga.

A cooperação é uma forma de interação social que desenvolve a noção de equipa e apela às construção de sinergias entre os elementos da equipa, pede uma integração de todos que têm de criar uma noção de unidade na diversidade (respeito pelas diferenças e capacidade complementares de cada um) orientadas em função de um objetivo comum e, finalmente apelam à adaptabilidade face aos desafios que se apresentam. Estes desafios, ao contrário dos jogos desportivos competitivos não são adversários mas adversidades. Os jogos competitivos também desenvolvem a cooperação dentro da equipa no entanto  centram a sua atenção no adversário e na oposição que este cria.

O modelo competitivo não é inclusivo mas segregador, porque funciona como um elemento estranho (desinformação) relativamente à nossa natureza gregária e cooperativa (instinto social e sentido moral). A competição (performance) baseia-se na polarização, na desarmonia, no antagonismo, na desinformação e na exclusão.


5.2 – A competição introduz um elemento estranho.

A comunicação é uma forma de entendimento ou habilidade ou capacidade de estabelecer um diálogo, através da transmissão ou receção de ideias ou de mensagens, procurando-se partilhar informações. A informação é a qualidade da mensagem que um emissor envia para um ou mais recetores. Informação é sempre sobre alguma coisa (tamanho de um parâmetro, ocorrência de um evento etc.). Nos jogos cooperativos e na cooperação dentro de uma equipa nos jogos competitivos, os elementos da equipa têm que recorrer à utilização correta da informação como forma de articular os esforços comuns em função do desafio.

Porém, um jogador num jogo desportivo coletivo, para além de saber dominar a informação, também tem que dominar a desinformação que é um elemento estranho nas relações sociais saudáveis. A desinformação é uma metáfora à realidade dentro da “Caverna de Platão” e corresponde ao mundo das sombras, da ilusão, do engano.

informação vs desinformação

Ou seja, tem que saber comunicar corretamente com os seus colegas de equipa, mas também induzir os adversários em erro através de desinformação. Relativamente aos seus colegas, a informação tem que ser precisa e verdadeira para que a bola chegue em condições a quem se desmarca para uma posição vantajosa, próxima do alvo. Mas também tem que ser falsa, carregada de ruído para criar equivoco no adversário e assim tirar vantagem disso. O ruído assume a forma de simulações corporais, fintas com mudanças bruscas de direção, etc. que provoquem no adversário respostas desajustadas e o coloquem fora do caminho do alvo. Ou seja, a desinformação corresponde à utilização das técnicas de comunicação e informação (corporal), para induzir em erro ou dar uma falsa imagem da realidade (intenção), mediante a supressão ou ocultação de informações, minimização da sua importância ou modificação do seu sentido. Mesmo uma pequena quantidade de incerteza gera uma resposta de “erro” no córtex frontal orbital (COF). Isso desvia a atenção dos objetivos, forçando a atenção para o erro (Hedden, Garbrielli, 2006). Se alguém não está lhe contando toda a verdade, ou agindo de forma incongruente (desinformação), a incerteza resultante pode desencadear erros no COF. Quantidades maiores de incerteza (desinformação) podem ser altamente debilitantes provocando frustração que conduz à raiva. Ou seja, um bom Professor ou treinador é aquele que, para além de ensinar os alunos/atletas a utilizar uma linguagem corporal correta (técnica), também os ensina a mentir, que é o nome dado às afirmações corporais dissimuladas e enganosas (falsas), mas propositadas. Ou seja, cria ambientes propícios à frustração. Mentir é contra os padrões morais de muitas pessoas e é tido como um “pecado” em muitas religiões. Porém, é considerado normal e até altamente valorizado num atleta ou aluno que domina as técnicas e táticas de desinformação (mentira). Ou seja, é como se houvesse dois tipos de mentira, um aprovado e que se relaciona com a mestria corporal, técnico-tática, sem violar as regras do jogo, e a outra forma de mentir, na qual o jogador procura tirar partido de uma situação de disputa direta ou confronto da bola através de uma carga de ombro faltosa, rasteirando ou obstruindo o outro, impedindo-o de chegar à bola. Assim, também existem formas legítimas e ilegítimas de obstruir o adversário dependendo se o defesa tem a sua posição definida antes do contacto com o atacante. Ou seja, mentir é favorável ao sucesso desde que se faça dentro das regras. Porém, mentir é mentir e numa sociedade que valorize a transparência, a verdade e a confiança mútua, a desinformação é e será sempre, uma forma moralmente duvidosa de se ter sucesso porque se obstruí a verdade, contamina a confiança nas relações e contraria o “Sentido Moral” e o “Instinto Social” que Darwin estudou nas sociedades primitivas. Parece que desde a Revolução Industrial introduzimos elementos estranhos no nosso sistema de crenças responsáveis pela “Roda da Destruição” (A Competição apoiada na desinformação). James P. Carse “Finite and Infinite Games” afirma (p. 18) afirma que os jogadores finitos são treinados para evitar que o futuro altere o passado e por isso devem esconder as suas jogadas futuras. O oponente despreparado deve ser mantido despreparado. Os jogadores finitos devem parecer ser algo diferente do que são. Tudo que esteja relacionado com a sua aparência deve ser ocultado e por isso todas as movimentaçõs (jogadas) dos jogadores finitos devem ser enganosas: fintas, distrações, falsificações, direções erradas, mistificações. O objetivo do treino consiste em preparar os jogadores finitos contra a surpresa (antecipação) de forma a minimizar a vulnerabilidade e a incerteza. Ou seja, o treino prepara os jogadores para representarem papeis e usarem máscaras que escondem as suas intenções frente ao adversário.

  • Porque motivo atribuímos tanto valor à capacidade de enganar os outros (astúcia)?
  • Porque aceitamos a desinformação/mentira como algo normal no contexto pedagógico?
  • Sendo o cérebro humano um órgão social, as suas reações fisiológicas e neurológicas estão diretamente relacionadas e são profundamente influenciadas pelas interações sociais. Porque aceitamos o jogo desportivo (que provoca níveis mais baixos de raciocínio moral como respostas contextualmente apropriadas) como forma privilegiada de interação social que promove um raciocíneo moral inferior?
  • Porque motivo, induzir os outros em erro é um valor tão exacerbado nos jogos desportivos? Não será isto a antítese dos valores morais numa sociedade coesa e do respeito mútuo?!…
  • Atualmente vivemos uma conjuntura onde na guerra da desinformação vale tudo. Os fins justificam os meios independentemente das consequências!… Será este o modelo de sociedade que queremos, serão estes os valores que queremos transmitir aos alunos através da ferramenta pedagógica – Jogo?!…

Se eu transportar esta moralidade do jogo desportivo para a minha vida quotidiana ver-me-ei rapidamente envolvido em conflitos com outros atores que olharão para as minhas atitudes como egoistas e anti-sociais.


6 – Dilemas Morais na Aula de EF.

O desporto valoriza os traços de personalidade competitivos (Jogos Finitos e mentalidade Finita), estados mentais que se orientam para a comparação social e valorizam uma atitude de superioridade do ego. Se o raciocínio moral no desporto é mais egocêntrico (menos maduro) do que o raciocínio moral sobre a vida de acordo com os níveis morais de Haan (1983) então, será este o melhor referencial axiológico a utilizar na formação moral dos alunos em sala de aula quando os preparamos para uma moralidade mais ampla e abrangente – a moralidade da vida quotidiana.

… os níveis de raciocínio moral sobre os dilemas do desporto são significativamente mais baixos do que os níveis de raciocínio sobre os dilemas da vida. Se a estrutura do desporto competitivo, aceite na nossa cultura, encoraja a procura do interesse próprio ao mesmo tempo que desencoraja o diálogo moral, então os dilemas do desporto podem provocar níveis mais baixos de raciocínio moral como respostas contextualmente apropriadas.

No desporto, o objetivo (ao contrário do diálogo moral de Haan) não é equalizar as relações. Isso pode ser visto como um comportamento egoísta, egocêntrico ou de interesse próprio e, como tal, é a antítese da ação moralmente madura quando analisada à luz dos níveis morais de Haan.

O cérebro humano é um órgão social e Quando alguém é percebido como inimigo, são utilizados circuitos diferentes. Também, quando se trata alguém como competidor / concorrente, a capacidade para a empatia cai significativamente. Michela Balconi e Maria E. Vanutelli referem no seu artigo que a cooperação e a competição são dois exemplos opostos a nível da dinâmica interpessoal e os quais assumem diferentes padrões cognitivos, neuronais e comportamentais. Os estudos de hipervarredura baseados em EEG mostram que links aparecem nos cérebros dos participantes durante a cooperação, mas não durante a competição ou tarefa individuais simultâneas mas independentes.

  • Minhye Lee et al. Cooperative and Competitive Contextual Effects on Social Cognitive and Empathic Neural Responses. Frontiers in Human Neuroscience. June 2018 | Volume 12 | Article 218 PDF
  • Artur Czeszumsk el al. Cooperative Behavior Evokes Interbrain Synchrony in the Prefrontal and Temporoparietal Cortex: A Systematic Review and Meta-Analysis of fNIRS Hyperscanning Studie. ENEUR. March/April 2022, 9(2). pp 1–9: PDF

  • Ricardo Ribeiro. Jogos Cooperativos em Educação Física, um estudo de caso. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. PDF
  • Sergio Rivera-Pérez et all. Effects of an 8-Week Cooperative Learning Intervention on Physical Education Students’ Task and Self-Approach Goals, and Emotional Intelligence. Int. J. Environ. Res. Public Health 2021, 18, 61: PDF
  • Pedagogia da Cooperação. Fundação Vale: PDF

O gráfico anterior pretende ilustrar o paradoxo que causa o “Dilema Moral” no Professor de Educação Física quando ele tenta, através da sua prática pedagógica, utilizar jogos desportivos coletivos e individuais (Matérias Nucleares) que promovem uma Moralidade Inferior quando o seu objetivo é promover a Moralidade da Vida Quotidiana – Moralidade Superior. Para que o Professor de Educação Física consiga, através do jogo e atividades físicas, promover a Moralidade da Vida Quotidiana terá que utilizar Matérias que facilitem o desenvolvimento desses valores tais como as Atividades de Exploração da Natureza (sem caráter competitivo mas de Team-Building), atividades que privilegiam a colaboração na realização de Movimentos Funcionais (Hébertismo), as Atividades Rítimicas e Expressivas e sobretudo os Jogos Cooperativos.

  • Carwyn Jones and Michael John McNamee. Moral Reasoning, Moral Action, and the Moral Atmosphere of Sport. Sport, Education and Society, Vol. 5, No. 2, pp. 131–146, 2000: PDF
  • Todd K. Shackelford and Viviana A. Weekes-Shackelford. The Evolution of Morality. Springer: PDF
  • Katerina Mouratidou, Stavroula Goutza and Dimitrios Chatzopoulos. Physical education and moral development: An intervention programme to promote moral reasoning through physical education in high school students. European Physical Education Review. Volume13(1):41–56: PDF

Hugo Rodolfo Lovisolo e colaboradores em “Competição e Cooperação: na procura do equilíbrio” afirmam:

O artigo analisa o conteúdo das mensagens que coloca a proposta dos jogos cooperativos como superior aos jogos competitivos, especialmente quando se propõe uma educação transformadora em relação aos valores sociais humanos. Para tanto, foram analisadas as principais ideias dos autores que se têm dedicado ao estudo dos jogos cooperativos. De uma forma geral, os argumentos utilizados enfatizam os valores da cooperação em detrimento da competição, responsabilizando os jogos competitivos pela disseminação de contra valores educativos. Como resultado, temos afirmações retóricas, sem evidências ou fundamentações teóricas consistentes, uma tentativa forçada dos autores de legitimar os jogos cooperativos na educação pretendida e de mostrar a sua vantagem sobre os jogos competitivos.

Fábio Brotto: grande parte dos jogos estimula o confronto e não o encontro entre os jogadores – a “repedagogização” da EF deve privilegiar o encontro e não no confronto.

Conclusão:

Reconhecemos o valor positivo de expandir a prática dos jogos cooperativos enquanto não se os coloque como verdadeiros e únicos e em oposição, não dialética, eliminatória, da competição. Apostamos na tarefa de refinar as categorias, os argumentos e evidências em favor dos jogos cooperativos. Esta deveria ser uma tarefa da área da Educação Física a partir dos autores que realizaram os valiosos esforços pioneiros. Agradecemos a eles pela abertura de um caminho importante cuja tradição não é nem pequena nem pouco significativa. Acreditamos que uma boa “repedagogização”, como Brotto (1999) propõe, deveria ser dialética e recuperar o trabalho formativo, tanto com a cooperação quanto com a competição. Precisamos, além da elaboração dialética, a realização de experiências que nos permitam pensar a “repedagogização” com recursos práticos do processo de ensino aprendizagem.

  • Hugo Rodolfo Lovisolo e colaboradores. “Competição e Cooperação: na procura do equilíbrio”. Rev. Bras. Ciênc. Esporte, Florianópolis, v. 35, n. 1, p. 129-143, jan./mar. 2013: PDF

Tenho vindo a apresentar investigação no campo das Neurociências, Teoria do Jogo enquanto área Matemática e das Ciências Sociais (Ética, valores e moralidade) que reforçam e fundamentam or argumentos que enaltecem a relevância e vantagens dos jogos cooperativos em termos de formação dos jovens para uma Educação para a Paz e fundamentam a necessária e pertinente repedagogização da Educação Física.

Os dilemas morais na aula de Educação Física surgem quando queremos educar os alunos para uma “mentalidade infinita” (Moralidade da Vida quotidiana) recorrendo a jogos Finitos que promovem sobretudo uma moralidade do jogo desportivo (moralidade inferior). Se queremos orientar a Bússola Moral dos alunos para uma Moralidade Superior teremos que introduzir jogos infinitos (Ex: jogo da paz mundial) ou jogos cooperativos. Quando um indivíduo pratica uma mentalidade finita no contexto do “Jogo Infinito da Vida” promove uma perda de confiança, falta de cooperação e compromete a inovação.

A grande pergunta que hoje um Treinador/Professor tem que fazer é esta: qual é o tipo de homem que eu quero que nasça do treino que eu vou dar, porque o resto é fácil!…

Manuel Sérgio, CLEPUL FLUL


7 – Distúrbios Exteriorizados de Comportamento.

Michela Balconi e Maria E. Vanutelli referem no seu artigo que a cooperação e a competição são dois exemplos comuns e opostos a nível da dinâmica interpessoal e os quais  assumem diferentes padrões cognitivos, neuronais e comportamentais.

Imke L.J. Lemmers-Jansen et colaboradores falam de “decisões sociais com atenção plena” (mindfullness) e “decisões sociais sem atenção plena” (unmindfullness):

  • Mundo 1 – Matrix: Decisões sociais sem atenção plena: este tipo de decisões dirige-se à “mente racional” e apenas reconhece as decisões e ações estratégias que lhe permitem ter vantagem sobre os outros ou apenas olham para os seus benefícios.  Ou seja, podem ou não ter consciência que as suas ações são desvantajosas para os outros porque o seu sucesso depende desta sobreposição de interesses, “eu” ou a “minha equipa” antes do “outro” ou da  “outra equipa”.
  • Mundo 2 – Realidade: Decisões sociais com atenção plena: este tipo de decisões dirige-se à “mente social” que reconhece as necessidades e desejos dos outros antes de decidir sobre as suas ações. A atenção social plena apenas se torna possível quando as pessoas são capazes de reconhecer que as suas escolhas afetam as opções e escolhas de outros jogadores, e demonstram a vontade em agir em conformidade.

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  • Michela Balconi and Maria E. Vanutelli. Cooperation and Competition with Hyperscanning Methods: Review and Future Application to Emotion Domain. Frontiers in Computational Neuroscience. eptember 2017 | Volume 11 | Article 86: PDF
  • Jean Decety et col. The neural bases of cooperation and competition: an fMRI investigation. Neuroimage. 2004 October ; 23(2): 744–751: PDF

A atitude é uma disposição mental determinada pela experiência de um sujeito, desencadeada por objetos ou situações (Thill, et al., 1989). Segundo Epuran (1988), a Federação Europeia de Psicologia do Desporto e das Atividades Corporais, considera que a atitude é uma predisposição subjetiva mental e motora, constante, estruturada ao longo do desenvolvimento do indivíduo, através da educação, influências socais, experiências, tendo por base a orientação específica do conhecimento, da afetividade e da vontade do sujeito. A atitude competitiva é muitas vezes relacionada com a agressividade, no entanto, esta agressividade está enquadrada numa perspetiva positivista, em que os atletas devem ter atitude para prosseguir os seus objetivos (Carvalho & Vasconcelos-Raposo, 1998; Silva & Vasconcelos-Raposo, 2002).

É frequente haver nas turmas alunos que praticam desporto federado nos clubes desportivos. Muitos destes alunos praticam jogos de invasão territorial e nota-se nas suas atitudes e comportamentos a sua programação para a competição:

  • São muito competitivos – Jogam para ganhar.
  • Envolvem-se no jogo de forma intensa.
  • Tendem a passar a bola sobretudo aos colegas que lhes garantem o sucesso nas jogadas e a maior probabilidade de finalização.
  • Tendem a criticar os colegas da equipa que não colaboram ou quebram o ritmo ou ainda comprometem a manutenção da posse de bola.
  • São provocadores – ação manifestada por um aluno, a qual é percebida pela vítima como aversiva ou desagradável, normalmente utilizada com a intenção implícita de gerar raiva, frustração e/ou medo.
  • Não passam a bola aos colegas que denotam bastantes dificuldades tanto na compreensão do jogo como no domínio da bola, criticando-os por vezes mostrando-se pouco tolerantes com a falha.
  • Facilmente manifestam hostilidade quando algo não lhes corre de feição ou alguém ou algo compromete o sucesso.
  • Queixam-se da arbitragem quando esta comete erros em desfavor da sua equipa.
  • Muitas vezes, quando os colegas da equipa são menos competentes do ponto de vista técnico e tático, tendem a tornar-se individualistas numa tentativa de garantir o golo, partindo da zona defensiva, fintando os adversários mostrando perícia e elevada destreza o controlo de bola, e finalizando.
  • Celebram o golo com entusiasmo e a vitória é o único objetivo. Não gostam de perder e vêm a derrota com frustração.
  • Por vezes, quando o jogo corre mal, facilmente utilizam vocabulário menos próprio de forma a expressar a frustração.
  • Normalmente navegam entre a zona da agressividade e da resignação. Mostram-se agressivos, desafiadores, bruscos tentando intimidar e dominar o jogo e os adversários. Quando algo corre mal ou entendem que foram alvo de injustiça, tornam-se mal-humorados, rejeitadores, desconfiados e por vezes magoados. Tendem a aceitar mal a crítica ou um feedback negativo, uma repreensão.
  • Por vezes recorrem a ações viris (Cargas de ombro e/ou Body Checking) para obtenção de vantagem competitiva, portanto usadas de forma pontual e sem malícia (distintas das ações que visam provocar lesão).

  • Vítor Ferreira e colaboradores. Atitudes Face ao Desporto e Comportamentos agressivos: comparação entre Andebolistas e Basquetebolistas. EDUSER: revista de educação, Vol 10(2), 2018: PDF

Riitta Hari and Miiamaaria V. Kujala referem que na língua bantu africana, a palavra ubuntu significa que uma pessoa se torna uma pessoa somente através das outras pessoas (entrevista de Desmond Tutu, New Scientist, abril de 2006). Os neurocientistas concordam: os humanos e os seus cérebros e mentes são moldados, e normalmente funcionam, através da interação contínua com outras pessoas. Não apenas a presença física, mas também a imagem mental de outra pessoa pode afetar o estado do cérebro, comportamento e atitude. A interação social envolve a comunicação em todas as suas formas, como cooperação, competição, imitação, ajuda, jogo, informação, questionamento, negociação, votação e engano (mentira; desinformação). A interação entre dois indivíduos é fortemente influenciada pela personalidade de cada pessoa, história de desenvolvimento, estereótipos, esquemas sociais, estilo de relação, bem como a constante variação da pressão dos pares (conformidade). Além das “emoções básicas” universais, as “emoções sociais” como orgulho, inveja e arrependimento modulam e impulsionam a interação.

Nós moldamos a natureza humana moldando as instituições nas quais as pessoas vivem e trabalham. (…) nós devemos questionar (…) que tipo de natureza humana queremos ajudar a moldar?

Barry Schwartz “Sabedoria Prática”


As situações e/ou realidades são criadas pelos sistemas e estes fornecem o apoio institucional, autoridade e recursos que permitem que determinadas ideologias e atitudes resultantes se manifestem tal como acontece!…

Philip Zimbardo “The Lucifer Effect”

Embora nem todos os jogos desportivos coletivos de invasão territorial promovam este tipo de moralidade inferior, o facto é que a febre de ganhar distorce a mente e coração de muitos praticantes e treinadores. Por isso considero as ações do IPDJ (Instituto Português da Juventude) através do seu Plano Nacional de Ética do Desporto como meros anti-inflamatórios morais e éticos que pouco efeito irão ter porque agem sobre os sintomas e não sobre as causas. O problema relaciona-se com o tipo de relação promovido pela competição (oposição – interdependência negativa). Fará algum sentido que a Educação Física utilize como ferramenta pedagógica o jogo desportivo competitivo que promove um raciocíneo moral inferior quando prepara os jovens para a moralidade da vida quotidiana?

Sim, faz, desde que seja utilizadas algumas estratégias tais como:

  1. Implementar em todos os jogos os princípios associados ao Capitão de Espírito do Frisbee.
  2. Retirar os árbitros do jogo e, tal como o Frisbee, responsabilizar os atletas/praticantes/alunos pela gestão das infrações às regras e ao fair-play.
  3. Utilizar os pressupostos, ferramentas e instrumentos dos Currículos de Literacia Emocional e Social com o intuito de facilitar nos alunos/praticantes a consciência e regulação emocional bem como aprender a relacionar-se com os outros de forma cooperativa, autónoma e responsável.
  4. Muito importante, tornar os jogos cooperativos e a pedagogia da cooperação (Estilos construtivos) uma das linguagens tão ou mais importante que a linguagem da competição, nos Currículos de Educação Física para que se torne verdadeiramente eclética.
  5. Por último, tornar amador o desporto competitivo porque os interesses económicos, financeiros e políticos desvirtuam a essência do desporto e essa influência negativa, veiculada pelos meios de comunicação social, promove a aprendizagem social da hostilidade.

  • Sue Roffey and Robyn Hromek. Promoting Social and Emotional learning with games it’s fun and we learn things”. Simulation & Gaming: PDF

Paloma Cathilyne Justen e Alvori Ahlert no seu artigo “A cooperação como categoria ideológica na formação do licenciado em Educação Física na condução de atitudes agressivas no ensino fundamental” consideram que a competitividade dentro do jogo pode ser de grande influência para as manifestações de atitudes agressivas das crianças. Pensando dessa forma, podemos levar em consideração que a partir da aplicação dos jogos cooperativos durante as aulas de Educação Física, uma das expectativas é a diminuição ou extinção das atitudes agressivas dos alunos. A Associação dos Municípios do Oeste do Paraná (AMOP) implantou no ano de 2007 o Currículo Básico para a Escola Pública Municipal, e no ano de 2010 foi realizada uma revisão das diretrizes da Educação Física. E a partir desse ano a cooperação foi considerada como atitude permanente tornando-se transversal a todos os conteúdos e ações da aula. Em Marechal Cândido Rondon, no início de 2011, os docentes das escolas públicas municipais tiveram conhecimento dessa orientação e colocaram em ação nas aulas.

Um dos aspectos apontados por Orlick diz respeito à cooperação como forma de amenizar atitudes violentas. Por isso a cooperação tem valor inestimável para as aulas de Educação Física, pois, a partir da mesma, espera-se a diminuição da agressividade, promovendo atitudes de sensibilidade, cooperação, amizade, união, além de que buscam a interação de todos.

  • Paloma Cathilyne Justen, Alvori Ahlert. A Cooperação Como Categoria Ideológica na Formação do Licenciado em Educação Física na Condução de Atitudes Agressivas no Ensino Fundamental. Revista Ciências Humanas – Educação e Desenvolvimento Humano – UNITAU.v. 11, n 1, edição 20, p. 81 – 93, Junho 2018: PDF
  • Danielle Sarti da Silva e Tarcisio Torres Silva. Jogos Cooperativos como ferramentas de desenvolvimento de equipes. Revista de Ciências Gerenciais Vol. 15, Nº. 21, Ano 2011: PDF

7.1 – atitudes agressivas na Escola:

Hugo Rudolfo Luvisolo e colaboradores “competição e cooperação, na procura do equilíbrio” referem que o desporto competitivo seria um força de substituição mimética do tipo de confronto que a guerra significa, como muitos jogos tradicionais, geralmente simulando a guerra. Os desportos e jogos caracterizam-se pelas restrições à violência impostas pelo respeito obrigatório às regras que os estruturam. Para Elias (1992), o desporto moderno, controlado por regras e juízes, seria um vetor do processo civilizatório que diminui o umbral de aceitação da violência, gerando uma excitação socialmente aceitável. Ou seja, o desporto não elimina o confronto, apenas substitui uma forma violenta de confronto por uma violência que é controlada e diminuída.

Antes de falarmos sobre as atitudes agressivas em crianças, é importante primeiramente, entender de forma clara o que são as atitudes.

A partir da percepção do meio social e dos outros, o indivíduo vai organizando estas informações, relacionando-as com afetos (positivos ou negativos) e desenvolvendo uma predisposição para agir (favorável ou desfavoravelmente) em relação às pessoas e aos objetos presentes no meio social. A estas informações com forte carga afetiva, que predispõe o indivíduo para uma determinada ação (comportamento), damos o nome de atitudes.

Portanto, cada indivíduo tem o poder de modificar as suas atitudes a partir de novas informações. São as nossas atitudes que irão determinar como cada indivíduo se irá relacionar com o meio. Outro fator determinante também da atitude é a situação em que o indivíduo se encontra, ou seja, em situação normal o indivíduo comportar-se-ia de determinada maneira, mas devido ao fato de haver alguma situação especial, ele tem uma atitude diferente do esperado.

A formação e mudança da atitude de cada indivíduo operam em três componentes básicos:

  1. Cognitivo.
  2. Afetivo.
  3. Conduta.

É através das atitudes que o indivíduo evidência o seu grau de agressividade nas diferentes situações nas quais elas se confrontam como o inusitado, o repetitivo, o diferente, o contraditório. Consequentemente, estudar as atitudes agressivas dos alunos exige a uma melhor compreensão do significado da agressividade nesta fase da vida.

Tipos de Agresividade:

  1. Agressão Instrumental – procura recompensa em vez do sofrimento da outra pessoa (indireta; consequência).
  2. Agressão Hostil – atacar a outra pessoa.

Mecanismos usados para a agressão:

  1. Agressão verbal.
  2. Agressão física.
  3. Agressão social (exclusão).

Vítor Ferreira e colaboradores “Atitudes face ao desporto e comportamentos agressivos: comparação entre andebolistas e basquetebolistas” apresentam um modelo de 4 fatores para medirem os comportamentos de agressividade face ao desporto:

  1. Agressão Física – engloba comportamentos como violência, partir coisas, bater, ameaçar, brigar.
  2. Agressão Verbal – reúne comportamentos como discutir, entrar em desacordo, etc.
  3. Raiva – contemplando comportamentos como ser conflituoso, facilmente exaltado, irritável, explosivo, com pouco controlo.
  4. Hostilidade – conjunto de comportamentos como desconfiança dos outros, amargura, sentir que os outros falam de si, etc.

O comportamento agressivo refere-se, portanto, ao comportamento associado a incidentes de ações incontroladas, que ultrapassam a fronteira do aceitável, do legítimo, do legal, mesmo no terreno do comportamento competitivo. Outros autores chamam-lhe comportamento antissocial para reportar atos dirigidos e com a finalidade de magoar ou incapacitar outros, como forma de obter vantagem competitiva.

Para ganhar um jogo o ator (aluno, atleta) tem que ter uma atitude dominadora, combativa (agressiva-controlada), tem que ser desafiador porque o seu sucesso depende desta sobreposição de interesses, “eu” ou a “minha equipa” antes do “outro” ou da  “outra equipa”. Ou seja, tem que assumir uma atitude matizada pela “hostilidade”, sem ultrapassar certos limites próprios da moralidade do jogo desportivo. Obviamente que, quanto mais competitiva é a atitude do aluno tanto mais propenso ele fica à frustração porque a sua intenção irá ser contrariada pelas ações dos adversários que tudo farão para intimidar e “boicotar” (técnica e táticamente) o seu sucesso através des “jogos de poder” e desinformação. Um indivíduo frustrado, que não consegue alcançar o seu objetivo devido às contrariedades impostas pelos adversários pode tornar-se rancoroso, amargo, mal-humorado e rejeitador. Obviamente que, através da sua influência direta ou indireta (Contágio Emocional) acabam por criar uma espiral de agressividade que pode descambar em agressão verbal e eventualmente física, evoluindo da disputa competitiva para a rivalidade competitiva. Vimos que a presença física e a imagem mental dos outros pode afetar o estado do cérebro, comportamento e atitude através da interação contínua. Se estamos imersos num ambiente “hostil” por natureza – e o desporto é sem dúvida um ambiente “hostil” – iremos moldar as nossa redes neuronais em função da aprendizagem social dessa moralidade do jogo desportivo.

  • Contágio Emocional (CE) esta teoria prevê que as pessoas automaticamente imitam e sincronizam expressões faciais, vocalizações, posturas e movimentos de outra pessoa, e consequentemente, convergem emocionalmente como resultado da ativação e/ou feedback de tal mimetismo.
  • Marian L. Housera and Caroline Waldbuesserb. Emotional Contagion in the Classroom: The Impact of Teacher Satisfaction and Confirmation on Perceptions of Student Nonverbal Classroom Behavior. College Teaching. 2017, Vol. 65, N°. 1, 1–8: PDF
  • Sigal G. Barsade. The Ripple Effect: Emotional Contagion and Its Influence on Group Behavior. Administrative Science Quarterly, Vol. 47, N°. 4 (Dec., 2002), pp. 644-675: PDF
  • Ursula Hess and Agneta Fischer. Emotional Mimicry: Why and When We Mimic Emotions. Social and Personality Psychology Compass 8/2 (2014): 45–57: PDF
  • Vítor Ferreira e colaboradores. Atitudes Face ao Desporto e Comportamentos agressivos: comparação entre Andebolistas e Basquetebolistas. EDUSER: revista de educação, Vol 10(2), 2018: PDF

O uso de intimidação física tem muitas vezes benefícios potenciais que se sobrepõem à punição, fazendo com que o comportamento agressivo possa ser um meio tático de alcançar a vitória. Nas modalidades desportivas ditas de confronto, onde existe necessariamente contacto e colisão, das quais são exemplos o Futebol, o Rugby e o Andebol, poder-se-á pressupor uma maior aceitação da agressão como um comportamento legítimo. Aqueles sujeitos que são permissivos a comportamentos agressivos, vendo-os como legítimos, tenderão a apresentar maiores níveis de agressividade. Quanto mais os treinadores aprovavam o comportamento agressivo, mais os seus atletas manifestam atos inaceitáveis. As manifestações de agressividade ocorrem em indivíduos com maior instabilidade emocional, perceção hostil, desresponsabilização pessoal com atribuição dos atos a pessoas alheias, baixa tolerância à frustração, raiva e autocontrolo reduzidos, egocentrismo e competitividade, elevados níveis de stress e lacunas nos skills interpessoais, tais como o respeito, a preocupação, a empatia e a condescendência.

Os comportamentos antissociais – entre os quais se contam os comportamentos agressivos
podem ser desencadeados por eventos internos ou externos ao indivíduo:

  1. Eventos internos – toda a avaliação que o atleta faz da sua prestação quer ela tenha tido sucesso quer, e sobretudo neste caso, ela tenha tido insucesso.
  2. Eventos Externos – eventos ditos ecológicos e que se concretizam nas ameaças ou provocações dos adversários, na atuação de outros agentes desportivos como os árbitros e respetivas decisões, favoráveis ou desfavoráveis ao atleta e/ou à sua equipa.

Outros autores consideram que as atitudes face ao desporto podem ser medidas por um modelo de 4 fatores:

  1. Batota – contemplando atitudes diversas de aceitação da batota para obter vantagem competitiva.
  2. Antidesportivismo –  que diz respeito a atitudes de perturbação e/ou enganar os adversários.
  3. Convenção – ngloba atitudes de respeito para com os adversários.
  4. Empenhamento – agregando todas as atitudes que se referem à procura da melhoria pessoal, persistência e esforço individual.

A agressividade deve ser respeitada e trabalhada de forma construtiva e consciente no indivíduo; do contrário, torna-se nociva, deturpando os valores individuais e sociais, bloqueando a relação com o outro. Isso vai influenciar a personalidade do indivíduo, tornando-o mais ou menos agressivo e trazendo-lhe, assim, efeitos negativos. Assim, entendemos que o comportamento agressivo pode ser modificado, dependendo da forma e das estratégias utilizadas pelo professor.

Paloma Cathilyne Justen e Alvori Ahlert apresentam os resultados do seu estudo:

Os resultados encontrados nas observações correlacionadas com a entrevista mostraram que ainda ocorrem atitudes agressivas, porém a diminuição da mesma a partir do trabalho com a cooperação como atitude permanente foi significativa. Também constatamos que a forma mais frequente de agressão é a verbal. A docente através da entrevista confirma o que se esperava, a cooperação é um meio didático poderoso de grande importância para lidar com as atitudes agressivas.

Noutro estudo realizado por Joelma Maria Uhlig e Sérgio Luiz Carlos dos Santos intitulado “Vencendo a indisciplina por meio dos jogos cooperativos” apresenta as seguintes conslusões:

Com base nos resultados apresentados foi possível apontar algumas conclusões. Os próprios participantes perceberam uma melhora no seu comportamento. Apesar dos alunos não terem identificado e reconhecido a sua turma como indisciplinada, mas sim, agitada, 96% deles afirmou que o seu relacionamento com os colegas em sala de aula melhorou, tendo o mesmo sido percebido pelos familiares e por professores, e que para 100% deles, esta melhora atribui-­se a realização dos Jogos Cooperativos.

  • Joelma Maria Uhlig e Sérgio Luiz Carlos dos Santos. Vencendo a indisciplina por meio dos jogos cooperativos. Researchgate, april 2017: PDF

Tal como tenho vindo a defender em artigos anteriores, torna-se importante implementar curriculos de literacia emocional paralela e complementarmente aos jogos desportivos e cooperativos de forma a melhorar as competências emocionais. Alexandra marques e raquel Raimundo “Avaliação e promoção de Competências Socioemocionais em Portugal” refere na página 155 que a Inteligência Emocional (IE) apresenta-se atualmente como uma área em contínua expansão, o que em muito se deve ao surgimento de indicadores que associam a IE ao bem-estar emocional e global do indivíduo bem como à sua capacidade para realizar com mestria e ter sucesso. De facto, a literatura tem vindo a demonstrar que as emoções podem ser potenciadoras do comportamento humano em vários domínios como o educativo, incrementando o rendimento académico dos alunos, o social, no desenvolvimento de relacionamentos sociais positivos e de qualidade ou mesmo familiar, favorecendo dinâmicas familiares mais positivas.

Elliot Aronson “The Social Animal” afirma que os padrões inatos do comportamento são infinitamente modificáveis e flexíveis. (…) A variedade infinita de formas através através das quais os seres humanos podem modificar as suas tendências agressivas torna-se evidente pelo simples facto que, dentro de uma dada cultura, se as condições sociais forem alteradas, estas podem conduzir a alterações profundas e significativas nos comportamentos agressivos. Transportando esta afirmação para o nosso contexto ou realidade, se implementarmos um ambiente social cooperativo nas aulas de Educação Física, aumentamos a probabilidade de promover alterações significativas nos comportamentos agressivos dos alunos, mesmo que venham do ambiente desportivo do clube. Porém podemos pertencer ao grupo de indivíduos que sugere que a agressão talvez seja necessária enquanto parte essencial dos instintos e/ou mecanismos de preservação da vida (importância evolutiva) e a qual nos permite defender num mundo hostil e competitivo. Porém, o mundo é aquilo que nós queremos que ele seja!… E se mesmo assim entendemos que devemos preparar os jovens para eventuais confrontos que possam “espreitar em qualquer esquina”, então a melhor ferramenta é o Aikido, em substituição das artes marciais coletivas (desportos coletivos) que não resolve a agressividade apenas a instrumentaliza. O Aikido ensina o princípio da não resistência e da circularidade do movimento. Aikido significa “o caminho da unificação de energia”. Em japonês, “ai” quer dizer harmonia/união, “ki” significa energia, e “do”, doutrina/caminho e o seu objetivo é utilizar a força do adversário contra ele mesmo, ou seja, não se entre em confronto direto ou em oposição porque se rege pelo princípio da não agressão (defesa pessoal). A melhor forma de trabalhar a agressividade pessoal é através da mestria de si próprio e da auto-consciência.

Elliot Aronson “The Social Animal”, na página 210 relata as experiências de Brad Bushman que incitou um dos estudantes a insultar os outros participantes (estudantes) para que sentissem raiva. Logo a seguir, foram atribuídos aos participantes três tarefas experimentais:

  1. Numa das condições experimentais os alunos passaram alguns minutos a socar um saco de boxe enquanto que, ao mesmo tempo, eram encorajados a pensar no estudante que os tinha insultado e zangado.
  2. Na segunda situação experimental, os estudantes que socavam no saco de boxe foram encorajados a pensar naquela atividade meramente como uma exercício físico.
  3. Na terceira condição experimental, pediu-se aos participantes  que permanessem quietos durante alguns minutos sem bater em nada.

No final da experiência, quais foram os estudantes que sentiram menor raiva? Foram aqueles que ficaram quietos sem bater em nada!…

Adicionalmente o Investigador deu a oportunidade aos participantes para exprimirem a sua agressão contra a pessoa que os tinha insultado utilizando uma bozina de ar comprimido que emite um som intenso, áspero, penetrante e desagradável.

  • Os estudantes que tinha socado o saco de boxe enquanto imaginavam o seu “inimigo” foram aqueles que mostraram maior agressividade, agredindo-o com um som estridente da buzina durante mais tempo.
  • Aqueles que tinham permanecido quietos depois do insulto foram os menos agressivos.

A mensagem é clara, a atividade física, como socar um saco de boxe, parece não facilitar a dissipação da raiva e muito menos diminuir a subsequente agressão contra a pessoa que lhes provocou a raiva. Na verdade, os dados conduzem-nos exatamente na direção oposta. As experiências laboratoriais de Bushman são apoiadas pelo estudo de campo realizado com jogadores de football (americano). Arthur Peterson mediu a hostilidade geral destes jogadores de football classificando-os antes, durante e depois da época de football. Se a atividade física intensa e o comportamento agressivo que faz parte do ato de jogar football servisse para reduzir a tensão causada pela agressão reprimida, esperaríamos que os jogadores manifestassem um declínio na hostilidade ao longo da época. Em vez disso, verificou-se um aumento significativo na hostilidade entre os jogadores à medida que a época decorria. (…) se o efeito catárquico se manifestasse, esperaríamos uma diminuição desta hostilidade porém, o ato de ventilar a raiva contra um alvo aumenta a nossa agressividade (“maldade”) contra o alvo. Ou seja, um conjunto significativo de evidências invalida a hipótese da catarse. Ou seja, quando usamos o argumento que a prática do desporto facilita a catarse da raiva nos jovens e canaliza a mesma para uma atividade socialmente aceite e codificada, promovendo um meio saudável para canalizar a agressividade, cai por terra. Porém, o sentimento de pertença (filiação) a um grupo pode dar um propósito positivo ao jovem e funcionar como um contexto positivo no entanto a raiva não é resolvida podendo apenas ficar recalcada.

Segundo William Reish Todo o conflito ou inquietude suscita uma reação muscular de defesa. Há entre uma tensão nervosa e uma tensão muscular uma relação de equivalência. Segundo este autor, a musculatura estriada constitui uma sede de espasmos permanentes que provocam a armadura muscular que provoca uma perda de mobilidade articular (flexibilidade) o que se verifica cada vez mais nos jovens.


7.2 – Frustração e Agressão:

Tal como vimos, a agressão pode ser provocada por uma situação desagradável ou aversiva como raiva, dor, temperaturas excessivas ou outros fatores. De todas as situações adversas o maior instigador de agressão é a frustração. Se um indivíduo é frustado na sua possibilidade de alcançar um objetivo (e os jogos desportivos são exemplares nisso porque representam um conflito de interesses), a frustração resultante aumenta significativamente a probabilidade de uma resposta agressiva (o que é típico nos atletas e em alguns alunos que perdem o jogo). Uma imagem clara da relação frustração-agressão emerge a partir de um estudo clássico realizado pelos psicólogos Roger Barker, Tamara Dembo e Kurt Lewin. Nesta experiência, os investigadores separaram as crianças em dois grupos:

  • Grupo 1 – os psicólogos frustraram crianças jovens mostrando-lhes uma sala cheia de brinquedos atrativos os quais foram mantidos fora do seu alcance. As crianças ficaram fora, separadas por ma malha de arame a olhar para os brinquedos, criando a expectativa de poder brincar com eles, mas estavam impossibilitadas de o fazer. Depois de um apenosa espera, foi finalmente permitido às crianças brincar com os brinquedos. O grupo que sofreu a frustração, assim que teve acesso aos brinquedos, exibiram comportamentos extremamente destrutivos, destruindo brinquedos, atiravam-nos contra as paredes, pisavam-nos e por aí em diante. Ou seja, a frustração pode conduzir à frustração.
  • Grupo 2 – a este segundo grupo de crianças foi permitido o acesso à sala sem qualquer restrição tendo elas brincado alegremente com os brinquedos.

Peter Gray afirma que o “declínio da brincadeira está relacionado com a subida de psicopatologias nas crianças e adolescentes”. Peter Gray demonstra a existência de uma relação psicopatológica entre a diminuição da brincadeira livre e os desequilíbrios emocionais (…). Os investigadores sabem que a ansiedade e depressão está fortemente correlacionada com o sentido pessoal de controlo ou falta de controlo nas nossa vidas. Aqueles que acreditam ou sentem que possuem maior controlo sobre o seu próprio destino (autonomia), possuem menor probabilidade para manifestar ansiedade ou depressão do que aqueles que se sentem vítimas das circunstâncias que ultrapassam o seu controlo (falta de autonomia). Julian Rotter no final dos anos 50 desenvolveu um questionário com uma escala para avaliar o que designou por “Escala Interna-Externa do Foco de Controlo” (Internal-External Locus of Control Scale). O foco no controlo interno significa que o individuo sente que controla, o foco no controlo externo significa que o indivíduo sente-se controlado pelas circunstâncias ou por uma pessoa externa – Heteronomia). Foi feita uma análise dos resultados dos estudos que usaram esta escala em grupos de estudantes desde 1960 até 2002 e descobriram que neste intervalo de tempo, as médias mudaram dramaticamente do sentimento de Controlo Interno para o Controlo Externo no limite da escala. A mudança foi tão significativa que a média dos jovens, em 2002, declarava uma grande falta de controlo pessoal. Da análise dos estudos em crianças dos 9 aos 14 anos, entre 1971 e 1998, descobriu-se que o aumento do controlo externo foi ainda maior na escolaridade elementar do que nos estudantes do 3º ciclo e/ou secundário (usando a nossa terminologia). Simultaneamente a este aumento do controlo externo pelos adultos tem-se verificado um aumento da depressão e ansiedade o que permite estabelecer uma relação entre ambas.

Ou seja, a frustração pode-se traduzir em agressão externa ou agressão interna (depressão e ansiedade).

  • Gavin Breslin et al.  Mental Health and Wellbeing intervention in sport. A review and Recommendations. Ulster University. Sport Northern Ireland. PDF

desporto e saude mental

Baseado no testemunho de Victoria Garrick. Esta estudante-atleta começou a partilhar a história sobre a sua luta e superação da depressão e ansiedade, no seu TED Talk de 2017, “The Hidden Opponent”. YOUTUBE


7.3 – Aprendizagem social da violência.

Teoria Evolutiva de Darwin é frequentemente vista enquanto cenário de uma competição implacável pela sobrevivência e sucesso reprodutivo. Até o seu nome foi conotado como sinónimo de competição individual implacável (cruel, sem compaixão), a qual se diz ser Darwiniana.  Embora o livro mais famoso de Darwin sobre a evolução seja “The Origin of Species” que retrata largamente a evolução enquanto produto da competição individual implacável pela sobrevivência e sucesso reprodutivo, nada diz sobre o percurso evolutivo da espécie humana. Duas décadas depois, Darwin publicou dois livros que estavam mais diretamente preocupados com a evolução e psicologia humana: “The descent of man” e “The Expression of Emotions in man and Animals”. Quando tomamos em consideração estes dois livros conjuntamente com o primeiro “The Origin of Species”, apercebemo-nos que Darwin tinha uma visão muito mais complexa da psicologia evolutiva dos seres humanos que a maioria dos darwinistas que falam dele. De facto, Darwin lançou as fundações teóricas sólidas, na biologia evolutiva, sobre a necessidade de integração psicossocial para o bem-estar. No livro “The Descent of man” Darwin descreve a tendência natural inata no sentido  do contacto social ao qual designa por “instinto social” enquanto uma das maiores e mais notáveis adaptações do Homo Sapiens e de outros espécies animais que formam grupos sociais duradoiros. Argumentou que os seres humanos não só são fortemente atraídos pela necessidade de companhia da sua própria comunidade, devido ao seu instinto social, mas também estão inclinados, de forma inata, para sentir simpatia e predispostos  ao comportamento cooperativo e sacrifício altruísta, dentro das suas sociedades tribais. Ele designou esta predisposição o “Sentido Moral” e descreveu a importância psicossocial do Instinto Social e do Sentido Moral enquanto forças ou traços  inequivocamente enraizados no Homo-Sapiens (“Cooperação“). Porém, Darwin foi interpretado e popularizado por Thomas Huxley que fez sobressair a ideia da natureza competitiva humana e que o mundo natural é uma anarquia onde os fortes subjugam os mais fracos. Foi esta ideia que prevaleceu e influenciou o modelo competitivo do desporto o qual, apesar da introdução do “Fair-Play”por Thomas Arnold, os valores da competição facilmente resvalam para o “(un)Fair-Play”.

Podemos inferir que a base evolutiva do ser humano privilegia o Instinto Social e o Sentido Moral e a natureza competitiva é uma forma de interação social estranha, inorgânica e disfuncional introduzida durante a Revolução Industrial através do Modelo de Sociedade do Mercado Livre.

normoses

Bruce K. Alexander no seu livro “The Globalization of addiction – a study in poverty of the spirit” aponta a “deslocação” (desenraizamento ou desintegração psicossocial) como principal fator para o problema da nossa sociedade. O ser humano possui um instinto inato (biologia evolutiva) orientado para  o contacto social através dos laços criados pelo comportamento cooperativo. A causa apontada como responsável pela desintegração deste “instinto social” (Drawin “The Descent of Man”) deve-se, segundo Bruce K. Alexander, à introdução da Sociedade de Mercado Livre que pressiona as pessoas no sentido do individualismo e da competição. Também o Psicólogo Pierre Weill refere que na origem da “Roda da Destruição” está a competição e as lutas pelo poder que promovem e acentuam as desigualdades sociais (classes sociais). O que me choca mais, não é constatar esta deturpação e distorção do objetivo do Ser Humano neste Planeta, mas sim saber que a crença na competição se tornou numa agenda de Engenharia Social com um estandarte humanitário. A competição que é a base do desporto, promove assimetrias de poder, de acesso à riqueza e oportunidades, acentua as desigualdades sociais que por sua vez, constituem um poderoso divisor social afetando a nossa capacidade para identificar e empatizar com outras pessoas (destrói a coesão social e a harmonia). Paradoxalmente promove a doença e afirma fazer bem à saúde, assumindo-se como uma educação para a paz?!… Eu considero isto uma neurose coletiva!…

Ainda hoje o desporto também serve para adormecer as pessoas à recusa da sociedade injusta estabelecida (…) os governos não têm medo de quem faz desporto, tem medo de quem pensa!…

Manuel Sérgio

Desporto e a ideia de corpo: para uma nova visão da corporeidade e da atividade desportiva” – CLEPUL FLUL

FONTE: Wilkinson & Pickett, The Spirit Level (2009): Portugal é dos países que apresentam maiores desigualdades sociais as quais estão muito correlacionadas com problemas de saúde e problemas sociais. As desigualdades sociais constituem um divisor social poderoso afetando a nossa capacidade para identificar e empatizar com outras pessoas. | O bem-estar das crianças é melhor nos países ricos e mais igualitários. Quanto maiores são as desigualdades sociais tanto maior é a falta de confiança entre as pessoas. | O recurso a drogas é mais comum em países com maiores desigualdades sociais. | A mortalidade infantil é maior em países com maiores desigualdades sociais. | A taxa de obesidade é maior em países com maiores desigualdades sociais. | As taxas de encarceramento (prisão), são maiores em países com maiores desigualdades sociais como Portugal. | Todos ou quase todos beneficiamos com uma maior igualdade social. Normalmente os benefícios são maiores junto dos mais desfavorecidos mas estendem-se à maioria da população. Se queremos investir no sucesso de um país devemos sem dúvida investir nas igualdades sociais.

Não temos qualquer dúvida que a televisão desempenha um papel muito importante na sociabilização das crianças. Também não temos dúvidas que a TV está repleta de violência e segundo alguns estudos recentes, 58% de todos os programas de TV contêm violência. Cerca de 40% dos incidentes de violência vistos na TV foram iniciados pelos personagens que assumem papeis de herois ou outros modelos atrativos, inclusivé desportivos, para as crianças. O desporto é um Fenómeno Social Total e o seu impacto enquanto “Modelo Social” influencia os comportamentos e a vida mental, quer ela seja coletiva ou individual, e os valores de uma sociedade. Será esta a melhor referência como modelo educativo? Sabemos a influência que os jogadores de futebol (atores), treinadores (visão do treinador como modelo de liderança) e outros agentes desportivos têm a nível dos comportamentos coletivos e individuais, nas diferentes práticas sociais, nos aparelhos organizados e mesmo na vida mental coletiva e individual. Estes tornam-se em ídolos sociais e o seu impacto influencia e prescreve os comportamentos coletivos de muitos indivíduos e organizações. Esta influência é tão forte que fica impressa na personalidade de muitos que assumem atitudes, valores e comportamentos importados desta esfera de influência. Os símbolos sociais do futebol estão impressos nas organizações, na política, na educação, etc… O futebol integra precisamente os valores desta sociedade e reproduz os mesmos, perpetuando-os através da sua esfera de influência.


7.4 – Da Geração Eu para a Geração Nós:

Rachel Botsman e Roo Rogers no seu livro “What’s mine is yours – how collaborative concumption is changing the way we live” fala de Adam Smith, um economista Escocês que acreditava que uma sociedade mais produtiva resultaria numa sociedade mais rica. Smith argumentou que os seres humanos estão motivados pelo interesse-próprio e amor-próprio e que a exploração deste traço conduz a uma maior riqueza para todos e a uma melhor distribuição do trabalho. Se olharmos para trás facilmente compreendemos o motivo que impulsionou Adam Smith a encontrar uma solução para que a economia produza mais. A Inglaterra nos anos 1700 não era um sítio agradável para se viver, a expectativa média de vida era de 35 anos. Cães, gatos, ratos e até cavalos entravam em decomposição nas calçadas das ruas de paralelepípedos, e resíduos orgânicos espalhavam-se por toda parte, criando um terreno fértil para doenças como peste bubônica, tuberculose e varíola além de outros problemas sociais. Smith firaria surpreendido como é que o seu objetivo simples de aumentar a produtividade e alcançar a eficiência do mercado se tornaria numa ameaça ideológica à nossa economia, sociedade e planeta. Smith não advogou um sistema de mercado baseado na ganância desenfreada, defendia sim da necessidade dos pequenos agricultores e artesãos conseguirem os melhores preços para os seus produtos de forma a garantir a subsistência digna para si e respetivas famílias. Iso é interesse próprio e não ganância. Acreditava que a procura individual do interesse-próprio promoveria o bem da sociedade como um todo. Ou seja, em apenas um período de algumas gerações, este conceito evoluiu de uma narrativa relativamente saudável de uma ingenuidade tecnológica no sentido de uma procura frenética da identidade pessoal através de marcas, produtos e serviços, até finalmente se transformar num sistema de consumismo insaciável. 1950 foi a alvorada do hiperconsumismo, a partir dali passamos a ver-nos sobretudo e em primeiro lugar como uma sociedade de consumidores individuais e em segundo lugar como cidadãos. Acabamos por acreditar que é melhor, ou pelo menos mais cómodo, confiar nas corporações em vez de cooperarmos uns com os outros. Os valores coletivos e comunitários foram afastados em favor da independência do consumidor e da mentalidade do eu, eu, eu. As promessas da individualidade e independência foram envoltas na falsa crença do que “É meu é meu”, sendo a ilusão na auto-independência o objetivo final. Ou seja, cada casa passaria a ser o seu próprio feudo. A auto-suficiência era parte do mito do empreendedor (homem auto-construido) com o seu espaço. Os vizinhos tornaram-se em autenticos estranhos. Um inquérito mostrou que ¾ dos Americanos confessam não conhecer os seus vizinhos. No Reino Unido, 6 em 10 pessoas não conhecem os nomes dos seus vizinhos. Parece que esta cultura do consumismo e do mais ajudou os negócios a crescer mas afastou-nos uns dos outros. Quanto menos tempo as pessoas investem a sociabilizar mais tempo gastam no escritório ou a comprar. O objetivo desta ideologia era criar uma sociedade melhor através da competição baseada num equilíbrio saudável entre a procura do interesse próprio e a procura de um bem maior. Está na hora de acordarmos deste transe cultural que estamos a viver. No coração desta transformação de mentalidade que tem que acontecer estão dois fenómenos interligados:

  1. Primeiro é uma mudança de valores. Está a dar-se um despertar na consciência dos consumidores que se aperceberam que o crescimento e o consumo infinitos baseados em recursos finitos não são uma combinação viável (Pegada Ecológica).
  2. Começamos a reconhecer que a procura constante pelas coisas materiais (Modo Ter) tem sido responsável pelo empobrecimento dos laços com os amigos, família, vizinhos e com o planeta. Esta tomada de consciência tem impulsionado o desejo para se re-construir comunidades mais fortes. Começamos a perceber que o bem coletivo depende de cada um e de todos nós (Mentalidade Infinita Cooperativa).

Consumo colaborativo é uma nova prática comercial que possibilita o acesso a bens e serviços sem que haja necessariamente aquisição de um produto ou troca monetária entre as partes envolvidas neste processo. Compartilhar, emprestar, alugar e trocar substituem o verbo comprar no consumo colaborativo.

A preocupação que suporta o consumo colaborativo relaciona-se com as principais questões e tendências deste início de século XXI:

  • Novas configurações sociais decorrentes do advento da internet e do relacionamento em rede;
  • Preocupação com o meio ambiente e valorização de hábitos mais sustentáveis;
  • As recentes crises económicas de impacto global promoveram uma forte insegurança em relação ao modelo económico do século XX;

Com o desenvolvimento das novas tecnologias, a noção de posse e/ou propriedade perdem sentido perante a oportunidade de acesso. Num ambiente em constante mudança, onde as informações e os produtos se tornam rapidamente obsoletos, a ideia tradicional (crença) de possuir algo deixou de ser vantajosa. Ter acesso ao que se deseja apenas durante o tempo que for necessário é uma atitude mais dinâmica do que estabelecer compromissos (créditos, leasings, etc…) e assumir as responsabilidades a longo prazo que essa aquisição e posse acarreta. Esse tipo de consumo baseado na partilha acrescenta valor à experiência em detrimento apenas do ter.

A confiança é um forte aspeto que pode comprometer a Economia de Partilha (EP). A EP define-se em termos gerais como o encontro de 2 pessoas que não se conhecem entre si, efetuam um negócio conjunto e normalmente não se voltam a encontrar. Um estudo nos Estados Unidos mostrou que 60% das barreiras à partilha advém da falta de confiança nos outros. Um estudo realizado pela “World Value Survey, Wave” desenvolvido entre 2005-2008, mostra claramente que somos um povo (Portugal) onde a percentagem de pessoas que consideram ou ponderam a hipótese de se poder confiar na maior parte das outras pessoas, extremamente baixo (10%). A confiança é a base da maioria das relações pessoais, que por sua vez são determinantes essenciais do bem-estar humano e desenvolvimento da partilha e da colaboração. A análise teórica e empírica mostra que, altos níveis de confiança inter-pessoal tornam muitos aspetos da vida mais agradáveis e produtivos.

  • Fórmula: Calcular o Índice de Confiança = 100 + (% pode-se confiar na maior parte das pessoas) – (% nunca se é demasiado cuidadoso)
  • Índice 100 – corresponde aos países onde a maioria das pessoas confia nas outras;
  • Índice < 100 – corresponde a países onde a maioria das pessoas pensa que se deve ser cauteloso quando se lida com as outras pessoas.

Portugal Values Surveys EVS/WVS Waves 1-4 (1981-2004): Índice de Confiança = 21,9

Ou seja, temos um longo caminho a percorrer no resgate da confiança mútua para podermos aceitar este modelo de partilha. Cooperar e trabalhar numa comumunidade pressupõe confiança mútua, valorização do outro e respeito pela sua individualidade. Obviamente que a Escola e especialmente a Educação Física tem um papel fundamental a este nível contribuindo com a introdução dos jogos cooperativos de forma a criar laços de confiança entre os alunos. Já anteriormente vimos que quando os alunos praticam, sobretudo jogos de oposição (competição), a capacidade para a empatia cai significativamente. Temos que privilegiar, nas nossa aulas, interações e dinâmicas sociais seguras para que o cérebro desenvolva padrões cognitivos, neuronais e comportamentais favoráveis à confiança mútua e encorajem o diálogo moral superior apoiado em níveis de raciocíneo moral elevados.

  1. Michel Bauwens, P2P Foundation (2012); “Synthetic Overview of the Collaborative Economy”; P2P Foundation; PDF;
  2. European Comunity, Business Innovation Observatory, “The Sharing Economy – Accessibility Based Business Models for Peer-to-Peer markets”, Case Study; PDF.
  3. NESTA – Collaborative Lab – making sense of the uk collaborative economy: PDF;

Questões:

  • Serão os valores desta sociedade os melhores?
  • Serão os valores do desporto espetáculo, profissão, competitivo, mercantilizado, aqueles que mais enaltecem e valorizam a dimensão Ética e Moral de uma sociedade?
  • Será o modelo de jogo finito o mais adequado à preparação dos alunos para o Jogo Infinito da vida, nas suas várias dimensões?

Sigam o meu raciocíneo:

  • Paradigma 1: o Comité Olímpico de Portugal privilegia sobretudo a tradicional economia baseada na competição e por isso promove e valoriza socialmente o desporto como Desígnio Nacional com o intuito de aumentar a capacidade de resposta às necessidades nacionais de competir à escala internacional. Como vimos a competição promove o individualismo, desagregação e polarização social além de acentuar as desigualdades sociais (assimetrias) que têm enormes repercussões na promoção da doença. Este modelo do capitalismo autista valoriza o hiper-consumismo ou desordem de hiper-consumo, motivado pela crença que o dinheiro e a acumulação instintiva de tudo que o dinheiro pode comprar é equivalente à felicidade. A promoção desta compulsão para a riqueza material/financeira (economia capitalista) implica a exclusão das nossas necessidades sociais mais básicas tais como família, laços com a comunidade, paixões pessoais e responsabilidade social. Cria em nós a ilusão que podemos compensar estas necessidades através do comprar e acumular mais e mais coisas. Assim como os produtos são concebidos para uma obsolescência planeada (período de vida programado – durabilidade planeada) os atletas de alto rendimento também alimentam esta obsolescência planeada em termos de uma carreira curta e altamente lucrativa para os que ganham, sendo descartáveis e substituiveis por novo capital atlético, recrutado desde os bancos da escola. Pelo caminho ficam muitos que não aguentam a pressão física e/ou psicológica ou se lesionam. Os alunos, jovens e adultos que são iludidos por esta propaganda tornaram-se comodidades e produtos lucrativos nesta máquina financeira. Assim que são apanhados nesta passadeira rolante hedónica e/ou ascética, trabalham dura e árduamente para conseguir mais e mais coisas, neste caso resultados e títulos (performance), para preencher esta sensação de carência, de amor próprio (sentido profundo do verdadeiro propósico e/ou existência). Existe sempre algo ou alguém melhor, mais rápido ou mais forte que tem que ser superado, vencido ou conquistado. Esta distância entre aquilo que temos e aquilo que queremos, representa amargem do descontentamentoporque nos comparamos. Por outras palavras, quanto mais temos mais queremos. Não será isto uma descompensação?!…

Margem de Descontentamento:

  • Paradigma 2: A economia colaborativa apresenta-se como uma solução socialmente mais vantajosa para todos porque valoriza sobretudo o instinto social, o sentido moral e a sustentabilidade. Esta baseia-se num modelo de interação baseado na cooperação que incentiva a confiança mútua e, como vimos, é muito mais vantajoso que a competição.

Qual destes paradigmas preferem?!…

Como Professores e Educadores temos de questionar e abandonar os valores e crenças antigos e fazer escolhas que promovam novos valores nos alunos para que o seu futuro seja melhor que o nosso presente.


8 – Novo Paradigma

Uma das estratégias intermédias passaria por adotar os “Círculos de Espírito” do Frisbee, outra por desmonetizar o desporto competição e desvalorizar a dimensão espetáculo associada, tornando-o obrigatóriamente amador. Ou seja, desvalorizar os Estilos de interação nos grupos passivo e Agressivo-defensivos. Porém, a ação que poria um fim definitivo ao problema do raciocíneo moral passaria por introduzir os Jogos Cooperativos na Educação Física que privilegiam sobretudo os Estilos de Interação Construtivos que estão em total sintonia com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória.


8.1 – Pedagogia da Cooperação e Jogos Cooperativos:

Paloma Cathilyne Justen e Alvori Ahlert citam Amaral (2004) que define os jogos cooperativos como atividades que recrutam um trabalho em equipe com o objetivo de alcançar metas mutuamente aceitáveis. O mesmo autor relata que os jogos cooperativos procuram canalizar qualidades ou habilidades de cada indivíduo, e aplicá-las num grupo, onde todos trabalham cooperativamente, cada um com sua individualidade, no sentido de conseguir alcançar um objetivo comum.

Jogos cooperativos são dinâmicas de grupo que têm por objetivo, em primeiro lugar, despertar a consciência da cooperação, isto é, mostrar que a cooperação é uma alternativa possível e saudável no campo das relações sociais; em segundo lugar, promove efetivamente a cooperação entre as pessoas, na exata medida em que os jogos são eles próprios, experiências cooperativas.

Soler aponta quatro princípios que são fundamentais nos jogos cooperativos, são eles:

  1. Inclusão.
  2. Coletividade.
  3. Igualdade de direitos e deveres.
  4. Desenvolvimento humano.

Entendemos assim que os jogos cooperativos refletem positivamente na construção do indivíduo, sendo de suma importância o trabalho do mesmo nas escolas. Com relação à agressividade, Amaral (2004, p.14) afirma que “os jogos cooperativos propõem a busca de novas formas de jogar, com o intuito de diminuir as manifestações de agressividade nos jogos, promovendo atitudes de sensibilidade, cooperação, comunicação, alegria e solidariedade.” Dessa forma as manifestações agressivas serão diminuídas devido à exclusão da competição das aulas, assim o aluno joga por prazer e pelo divertimento, e não pelo simples fato de vencer. Por isso acredita-se que o jogo cooperativo é de grande importância para a Educação Física, pois além de desenvolver as habilidades motoras através dos jogos, acontece também o desenvolvimento de valores, atitudes corretas, as mais diversas aprendizagens que enriquecem as crianças.

Esta Repedagogização da Educação Física permite-lhe evoluir no sentido do Paradigma Holístico possibilitando que as áreas negligenciadas pelos Programas de Educação Física também tenham espaço pedagógico dada a sua pertinência para a formação da totalidade do Ser.

Não nos devemos esquecer, como Professores de Educação Física, que a Educação Física vai muito para além do Desporto e é o movimento que nos une. Não há Educação sem Educação Física e esta apresenta-se incompleta sem a Pedagogia Cooperativa e os Jogos Cooperativos. Como Educadores e pedagogos temos a responsabilidade de ajudar os alunos a afinar a sua Bússola Moral e para tal temos que saber utilizar de forma inteligente e consciente as estratégias, metodologias e recursos didáticos que melhor servem este propósito.


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