Porque precisamos de novos programas de educação física

Mitos dos Programas de EF

Definição de Ideologia:

Conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou visões de mundo de um indivíduo ou de determinado grupo, orientado para suas ações sociais e políticas. Andrew Newberg e Mark Waldman no seu livro “Born to Believe” refere na página 8 que uma crença em si é um componente essencial e fundamental do cérebro humano. A propensão para se acreditar que os valores dos outros não são os melhores ou estão errados tem fomentado séculos de animosidades em todo o mundo.

Definição de crenças:

  • Um sentimento que algo existe ou  é verdadeiro, especialmente sem provas.
  • Uma opinião firme.
  • Acreditar ou ter confiança em algo.
  • Fé inabalável.

Sinónimos de crença: opinião, convicção, confiança, fé, pressuposto, expectativa, certeza, persuasão, aceitação, doutrina, dogma, princípio, suposição, atitude, alegação, representação, julgamento, argumento, premissa, possibilidade, probabilidade, conjetura, hipótese, visão de mundo…

Podemos definir uma crença enquanto qualquer perceção, cognição ou emoção que o cérebro assume, consciente ou inconscientemente como verdadeiro. O sistema de crenças de cada pessoa é influenciado pelo input que recebe dos outros membros da comunidade.

Em conjunto, estas 4 esferas de influência – perceção, cognição, emoção e consenso social – permitem-nos identificar, explorar, avaliar e comparar um conjunto variado de crenças e visões diferentes que iluminam o nosso propósito na vida. Estas influências afetam a força, poder e a verdade relativa de determinadas crenças. Cada círculo de influência apresenta um Controlo de Volume e quanto maior o volume tanto mais forte se torna essa crença.

Como é que a sociedade molda as nossas crenças?

As emoções não só nos ajudam a manter as nossas crenças como também nos defendem contra outras crenças que ameaçam a nossa visão de mundo. Quando alguém defende uma crença diferente, desencadeia um mecanismo de defesa porque o cérebro já investiu muita inteligência, energia e organização a consolidar aquilo que devemos ou não acreditar, definindo determinados circuitos neurológicos (conectomas). Embora não estejamos conscientes desse facto, o nosso cérebro dispensa muita energia e tempo a rotular tudo o que percecionamos.

Em 1942, o Dr. Albert Einstein lecionava na Universidade de Oxford e um dia deu um teste de Física aos seus alunos finalistas. Depois do teste, o seu assistente perguntou-lhe:

  • Assistente: Dr. Einstein, o teste que acabou de dar aos alunos finalistas de Física é o mesmo que aplicou à mesma turma 1 ano atrás?
  • Einstein: sim, é exatamente o mesmo!…
  • Assistente: como é que pode fazer uma coisa dessas?!…
  • Einstein: bom, é que as respostas mudaram!…

As respostas mudaram!… Vivemos num mundo onde as perguntas podem ser as mesmas, mas as respostas mudaram. Como tal, se queremos obter resultados diferentes dos que temos obtido até agora, temos de pensar e fazer as coisas de forma diferente do que faziamos, coisas que nunca fizemos.

Será o desporto (competição) o melhor modelo de formação a adotar pela Educação Física?

  1. Será que os padrões éticos e morais do desporto, quando aplicados na vida real tornam a conduta das pessoas moralmente reprovável?
  2. Porque motivo a mercantilização do desporto o torna vulnerável à influência negativa de maus atores?
  3. O desporto é um Fenómeno Social Total e o seu impacto enquanto “Modelo Social” influencia os comportamentos e a vida mental, quer ela seja coletiva ou individual, e os valores de uma sociedade. Será esta a melhor referência como modelo educativo?
  4. Será que o desporto facilita a capacidade dos alunos para aprender a tomar “decisões sociais com atenção plena” (mindfullness) ou condiciona o comportamento em função das “decisões sociais sem atenção plena“?
  5. Será que o Modelo Social de Jogo Competitivo (Não Cooperativo) que valoriza sobretudo a Dimensão Cognitiva ou Racional (“estratégia racional”) onde os jogadores são incentivados a tomar decisões unilaterais (exclusivas) sabendo que os prejuízos para terceiros são vantajosos, é o mais correto numa sociedade que procura a equidade e a inclusão?
  6. As próprias comunidades bióticas (natureza) ensinam-nos que a competição é uma forma de relação desarmónica/negativa porque ambas as espécies saem prejudicadas e o seu desenvolvimento fica reduzido. Porque persistimos em vincular os objetivos e conteúdos da EF a este referencial axiológico quando ele não privilegia uma Solução Social Ótima?
  7. “Os vencedores ficam com tudo!” e “dos fracos não reza a história!”: O desporto reproduz as desigualdades sociais porque hierarquiza as pessoas em classes através da comparação segundo um padrão normalizado, dando privilégios aos que se notabilizam pelos seus atributos e capacidade atléticas. Sabemos que maiores desigualdades sociais estão muito correlacionadas com problemas de saúde e problemas sociais e constituem um divisor social poderoso afetando a nossa capacidade para identificar e empatizar com outras pessoas.
  8. Será que a utilização dos Jogos Finitos prepara os alunos para Jogarem o Jogo Infinito da Vida? Será este o modelo pedagógico mais adequado?

1º Mito – ideologia do desporto

O atual Referencial Axiológico da Educação Física está tão enraizado na nossa cultura física e prática pedagógica que dificilmente os PEF (Professores de Educação Física) conseguem separar os objetivos e conteúdos da Educação Física do modelo desportivo.  Aliás, o simples facto de alguém lançar esta ideia cria desconforto, eventual desconfiança ou até uma rejeição automática porque sem este referencial os PEF sentir-se-iam perdidos, sem referências. Eu diria mesmo que para muitos professores essa ideia é uma “heresia”.

Ainda que, por vezes, sejam confundidos os conceitos de desporto e atividade física, estes não são sinónimos. A atividade física é uma prática, ao passo que o desporto implica uma competência sempre com vista a um resultado.

  • Atividade física é qualquer movimento voluntário produzido pelo sistema musculo-esquelético envolvendo a componente fisiológica/metabólica e que resulta num gasto de energia acima do nível de repouso (basal). É também qualquer esforço muscular pré determinado, destinado a executar uma tarefa.
  • Desporto: embora a palavra “desporto” (do francês antigo desport), signifique recreação, passatempo, lazer e/ou divertimento, este assume-se como uma forma de praticar atividade física de forma metódica, com objetivos competitivos. O desportivismo é uma atitude de fair play (trato equitativo e imparcial = justiça), pela delicadeza com os adversários e colegas de equipa, pelo comportamento ético e integridade, pelo jogo limpo, e pela ética na vitória ou na derrota. O desportivismo expressa uma aspiração de que a atividade deve ser apreciada por si mesma. O jornalista desportivo Grantland Rice, afirmou que “não interessa como ganha ou perde, mas como se joga o jogo”. O lema dos Jogos Olímpicos modernos é expresso pelo seu fundador Pierre de Coubertin: “O mais importante não é vencer, mas sim, participar”.

Perante esta nobre definição dos objetivos e valores associados ao modelo desportivo, obviamente que pôr em causa o desporto como modelo de formação pedagógico na escola torna-se algo que aparentemente não faz sentido?!…

  • … Ou será que faz todo o sentido?!…

Luís Marques Mendes  “Ética Desportiva” mencionou logo na introdução do documento: “O desporto é essencialmente uma forma de lazer, que responde à necessidade de expressão da liberdade do indivíduo no domínio do seu corpo e no convívio com o seu semelhante“.

Porém, todos sabemos que a interferência da dimensão económica e política introduz elementos que desvirtuam estas declarações de intenção implícitas no modelo desportivo conceptual, cujos valores e princípios são constantemente atropelados, perdendo-se desta forma valiosas tradições éticas. O próprio modelo desportivo (oposição) contém em si elementos que podem ser postos em causa enquanto escola de valores morais.

No Instituto de Tecnologia de Passadena na Califórnia, o investigador John Allman e colaboradores identificaram uma estrutura única no cérebro designada por “células fusiformes” (Spindle cell) que surgem a partir da idade dos 4 meses de idade e aumentam gradualmente em quantidade e tamanho durante os 3 primeiros anos de vida. Estas células apenas foram encontradas em primatas e humanos. Segundo o investigador elas existem numa parte misteriosa do cérebro (o córtex fronto-insular) e são ativadas quando uma pessoa percebe injustiça ou engano. O facto destas células demorarem muito tempo para se desenvolverem ajuda-nos a perceber a razão pela qual as crianças com idades abaixo dos 4 anos são incapazes de jogar jogos de forma justa ou seguir regras. Para as crianças, conceitos envolvendo a noção de certo e errado são mais difíceis de compreender do que aqueles que envolvem  a noção de bom ou mau. Uma criança de 3 anos pode dizer “é errado roubar” no entanto quando lhe perguntamos porquê, ela simplesmente responde, “porque somos castigados“. A criança tem a noção da experiência desagradável de ser repreendida mas não compreende os efeitos ou o impacto que o roubar tem nos outros.

  • Porque somos castigados: não existe auto-regulação e por isso existe um árbitro, o regulador moral do jogo – estágio da moralidade da “Punição e Obediência” (regulação moral externa).
  • A atual formação desportiva (sobretudo nalguns desportos de invasão territorial) promove uma distorção de valores porque valida o “roubo” (de bola) como forma legítima de conseguir o sucesso através de ações técnico-táticas legítimas que visam destabilizar e/ou prejudicar as ações ofensivas do adversário através de técnicas de desinformação.
  • Se eu aplicar literalmente alguns dos princípios do jogo desportivo na vida real (viver em modo competitivo), a minha conduta tornar-se-á alvo de forte repreensão moral e irei criar tensões e/ou conflitos. Portanto temos que refletir sobre se queremos ou não o modelo desportivo como escola de valores morais?!…

DOIS MODELOS – VALORES DIFERENTES:

Queremos formar alunos inteligentes/espertos (Competitivos) ou alunos justos (Cooperativos e moralmente corretos)?

Modelo Social de Jogo Cooperativo:

  • Solução Social Ótima: a distribuição ideal de recursos na sociedade, considerando todos os custos e benefícios externos, bem como os custos e benefícios internos.
  • Numa situação cooperativa, a teoria do jogo diz-nos como (pede-nos para) sermos justos – Dimensão Emocional, Social e Moral.

Modelo Social de Jogo Competitivo (Não Cooperativos):

  • Equilíbrio de Nash (EN) – representa uma situação em que, num jogo envolvendo dois ou mais jogadores, nenhum jogador tem a ganhar mudando a sua estratégia unilateralmente. Segundo este conceito, apesar dos participantes não cooperarem, é possível que a procura individual da melhor solução conduza o jogo a um resultado em que se verifique estabilidade, não havendo incentivo para que nenhum deles altere o seu comportamento. Ou seja, um jogador atingiu o equilíbrio de Nash quando toma uma decisão que o deixa em vantagem independentemente do que o seu oponente decidir. Ou seja, no dilema da prisão ele não confia no adversário. O que torna este jogo tão interessante é o facto do Equilíbrio de Nash representar a decisão em que ambos os jogadores optam pela “estratégia racional” mas que os deixa numa situação mais desvantajosa do que aquela que envolve cooperação. Se avaliarmos o que é socialmente ótimo em termos de Otimização de Pareto, o Equilíbrio de Nash não é o mesmo que um estado ótimo de Pareto onde ambos os jogadores cooperam e ficam numa situação mais vantajosa do que no EN. Ou seja, os interesses pessoais (egoístas ou não cooperativos) não convergem no sentido de resultados ótimos. Porém, Steffen Huck e colaboradoresda Universidade de Copenhaga referem que a falta de confiança e o “perigo moral” (falta de ética) são largamente vistos como impedimentos para uma economia eficiente e para o crescimento. No seu artigo apresentam dois antídotos contra estes obstáculos: reputação e competição.
  • Numa situação competitiva, a teoria do jogo diz-nos como (pede-nos para) sermos espertos (inteligentes) – Dimensão Cognitiva ou Racional.

Investigação:

  • Amitava Krishna Dutt and Charles K Wilber. Economics and Ethics – an introduction: Social Interactions and Ethical Values. January 19, 2010. Palgrave macmillan: PDF
  • Steffen Huck, et al. Competition Fosters Trust. Department of Economics University of Copenhagen. PDF
  • Jean Decety et col. The neural bases of cooperation and competition: an fMRI investigation. Neuroimage. 2004 October ; 23(2): 744–751: PDF
  • Imke L.J. Lemmers-Jansen et col. Giving others the option of choice: An fMRI study on low-cost cooperation. Neuropsychologia 109 (2018) 1–9: PDF
  • Michela Balconi and Maria E. Vanutelli. Cooperation and Competition with Hyperscanning Methods: Review and Future Application to Emotion Domain. Frontiers in Computational Neuroscience. eptember 2017 | Volume 11 | Article 86: PDF
  • Riitta Hari and Miiamaaria V. Kujala. Brain Basis of Human Social Interaction: From Concepts to Brain Imaging. Physiol Rev 89: 453–479, 2009: PDF

Michela Balconi e Maria E. Vanutelli referem no seu artigo que a cooperação e a competição são dois exemplos comuns e opostos a nível da dinâmica interpessoal e os quais  assumem diferentes padrões cognitivos, neuronais e comportamentais.

Imke L.J. Lemmers-Jansen et colaboradores falam de “decisões sociais com atenção plena” (mindfullness) e “decisões sociais sem atenção plena” (unmindfullness):

  • Decisões sociais com atenção plena: este tipo de decisões dirige-se à “mente social” que reconhece as necessidades e desejos dos outros antes de decidir sobre as suas ações. A atenção social plena apenas se torna possível quando as pessoas são capazes de reconhecer que as suas escolhas afetam as opções e escolhas de outros jogadores, e demonstram a vontade em agir em conformidade.
  • Decisões sociais sem atenção plena: este tipo de decisões dirige-se à “mente racional” e apenas reconhece as decisões e ações estratégias que lhe permitem ter vantagem sobre os outros ou apenas olham para os seus benefícios.  Ou seja, podem ou não ter consciência que as suas ações são desvantajosas para os outros porque o seu sucesso depende desta sobreposição de interesses, “eu” ou a “minha equipa” antes do “outro” ou da  “outra equipa”.

Riitta Hari and Miiamaaria V. Kujala referem que na língua bantu africana, a palavra ubuntu significa que uma pessoa se torna uma pessoa somente através das outras pessoas (entrevista de Desmond Tutu, New Scientist, abril de 2006). Os neurocientistas concordam: os humanos e os seus cérebros e mentes são moldados, e normalmente funcionam, através da interação contínua com outras pessoas. Não apenas a presença física, mas também a imagem mental de outra pessoa pode afetar o estado do cérebro, comportamento e atitude. A interação social envolve a comunicação em todas as suas formas, como cooperação, competição, imitação, ajuda, jogo, informação, questionamento, negociação, votação e engano (mentira; desinformação). A interação entre dois indivíduos é fortemente influenciada pela personalidade de cada pessoa, história de desenvolvimento, estereótipos, esquemas sociais, estilo de relação, bem como a constante variação da pressão dos pares (conformidade). Além das “emoções básicas” universais, as “emoções sociais” como orgulho, inveja e arrependimento modulam e impulsionam a interação.

Nós moldamos a natureza humana moldando as instituições nas quais as pessoas vivem e trabalham. (…) nós devemos questionar (…) que tipo de natureza humana queremos ajudar a moldar?

Barry Schwartz “Sabedoria Prática”

Assim, podemos afirmar que os valores humanos são valores morais que afetam a conduta das pessoas. Estes valores morais podem também ser considerados valores sociais e éticos, e constituem um conjunto de regras estabelecidas para uma convivência saudável dentro de uma sociedade. Alguns autores afirmam que nos dias de hoje, a maior crise que o ser humano pode enfrentar (e que estamos a enfrentar), é uma crise de valores que afeta a humanidade, que nos tem conduzido a uma “Roda da Destruição” (Competição e lutas pelo poder). Assim, é necessário enfatizar a importância de bons exemplos na sociedade (sobretudo boas práticas pedagógicas e boas estratégias didáticas), pois a transmissão de importantes valores humanos consiste na base de um futuro mais pacífico e sustentável (modelo social cooperativo).

Roda da Destruição de Pierre Weil. “A Mudança de Sentido e o Sentido da Mudança”

Cartoons usados: autoria de Luís Afonso

Num artigo anterior publicado neste blog com o título: “será a competicão um estado natural do ser humano“, verificámos que existem várias formas de interações entre os seres vivos que formam as comunidades bióticas, dentro de um ecossistema, denominadas relações ecológicas ou interações biológicas. Estas relações diferenciam-se pelos diferentes tipos de dependência que os organismos mantêm entre si.

Podemos classificar as relações entre seres vivos em dois grupos:

  • Intra-específicas: que ocorrem entre seres da mesma espécie.
  • Inter-específicas: entre seres de espécies distintas.

É comum diferenciar-se as relações em:

  • Harmónicas ou positivas: não há prejuízo para nenhuma das partes associadas.
  • Desarmónicas ou negativas: há prejuízo para ambas as partes associadas.

Verificamos que a competição, como forma de relação entre duas espécies reunidas, tanto nas interações biológicas intra-especificas como inter-específicas, é uma forma de relação desarmónica ou negativa porque ambas saem prejudicadas e o seu desenvolvimento fica reduzido.


Será que o desporto (modelo competitivo – jogos finitos) prepara os alunos para o Jogo da Vida (Jogo infinito)?

Os professores de Educação Física desconhecem que existem 2 tipos de jogos e não preparam os alunos para o jogo da vida, porque neste jogo não se ganha. Os professores de Educação Física utilizam jogos finitos com o intuito de preparar os alunos para o jogo infinito da vida.

Há um jogo quando existem pelo menos dois jogadores e há dois tipos de jogos, finitos e infinitos. A maioria dos líderes desconhece qual o tipo de jogo em que participam, o mesmo se pode afirmar dos Professores de Educação Física, que supostamente deveriam ser os mestres da Teoria do Jogo. Os PEF deveriam formar os jovens em idade escolar para o jogo infinito da vida recorrendo a modelos de jogos infinitos, no entanto utilizam uma mentalidade finita dos jogos desportivos finitos. Se os Professores de Educação Física (PEF) tomarem consciência (aprender a reconhecer)  o jogo em que estão envolvidos e aquilo que é preciso para liderar os seus alunos com uma mentalidade infinita, estarão a prestar um muito melhor serviço à sociedade.


A SOCIEDADE LIBERTA DA IDEIA DA COMPETIÇÃO:

Joel de Rosnay (1975), num excelente livro intitulado “O macroscópio”, quando aborda a necessária emergência de novos valores na atual sociedade, tanto na esfera do trabalho (economia) como da educação em geral, refere que a competição profissional foi considerada até hoje como uma motivação saudável rumo ao êxito (Jogo finito). O novo pensamento rejeita toda a competição herdade na tradicional luta pela vida. Repudia toda a ideia de comparação simplista baseada na excelência e no mérito, uma vez que tais comparações conduzem geralmente a uma classificação arbitrária entre os indivíduos, a juízos de valor que limitam e empobrecem as relações humanas (Novo Jogador com mentalidade infinita). A sociedade, liberta da ideia de competição, não surge já como uma selva, mas como uma comunidade de interesses cuja evolução assenta na ajuda mútua, na cooperação, na educação recíproca, no partenariado – Esta é a visão do Professor de Educação Física com uma perspetiva Infinita: está no jogo certo


economia da atenção

A – ECONOMIA DA ATENÇÃO NAS REDES SOCIAIS:

Tal como o euro, uma moeda é algo que usamos para atribuir valor a um bem ou serviço. Nas redes sociais, os “likes” e os “comentários” que partilhamos tornam-se nesta forma de moeda social através da qual atribuímos valor a algo. No marketing este processo designa-se pela “Economia da Atenção”. E tudo compete pela nossa atenção e quando gostamos de algo e lhe damos um pouco de atenção ao clicar no “like” isso torna-se numa transação registada de atribuição de valor. Nas redes sociais nós tornamo-nos no produto e permitimos que os outros nos atribuam valor .


B – ECONOMIA DA ATENÇÃO NO DESPORTO:

No desporto, os atletas, de todas as idades, esforçam-se arduamente para atrair a atenção para as suas qualidades como atletas e/ou jogadores porque isso lhes garante a titularidade (competir pelo lugar na equipa) ou pelo menos, o reconhecimento dos pais (criança) ou dos pares. Ou seja, tornamo-nos num produto e esta necessidade de reconhecimento, atenção e aprovação externa serve para compensar a nossa baixa auto-estima. Desta forma “vendemos” a nossa imagem, os nossos talentos, as nossas ideias, competindo com os outros por reconhecimento, atenção, notoriedade ou distinção social. A nossa necessidade de pertença e reconhecimento social é elevada e isso torna-nos competidores na arena social. Será isto uma função ou uma disfunção?!…

O caso do futebol:

Durante a nossa formação académica, na área de Sociologia e Antropologia é-nos dito que existe um paralelismo entre o desporto e a sociedade, ou seja, o jogo desportivo simula a vida social.

Será isso verdade?

Em Antropologia, o próprio futebol é apresentado como um Fenómeno Social Total – FST (Georges Gurvitch, A vocação atual da sociologia, Volume I). Os FST são totalidades reais em marcha, em movimento permanente. O conceito e FST significa que, ao pretendermos estudar um determinado fenómeno social, devemos considerá-lo na sua multiplicidade de aspetos e procurar várias perspetivas de análise que possam contribuir para uma melhor compreensão do fenómeno. Este não se restringe à sua instância social, poderá ter implicações de vária ordem, aos níveis económico, político, ideológico, demográfico, etc… O conhecimento dos FST só se constrói mediante a complementaridade de perspetivas, pois só deste modo o objetivo de estudo em questão poderá ser compreendido e explicado na sua globalidade e complexidade intrínsecas. Um dos aspetos mais importantes do Futebol enquanto FST é o seu impacto enquanto “Modelo Social” ou condutas coletivas esperadas que guiam e dirigem não somente os comportamentos, mas ainda a própria vida mental, quer ela seja coletiva ou individual. Os sinais e signos coletivos representam um caso particular de modelos sociais. Sabemos a influência que os jogadores de futebol (atores), treinadores (visão do treinador como modelo de liderança) e outros agentes desportivos têm a nível dos comportamentos coletivos e individuais, nas diferentes práticas sociais, nos aparelhos organizados e mesmo na vida mental coletiva e individual. Estes tornam-se em ídolos sociais e o seu impacto influencia e prescreve os comportamentos coletivos de muitos indivíduos e organizações. Esta influência é tão forte que fica impressa na personalidade de muitos que assumem atitudes, valores e comportamentos importados desta esfera de influência. Os símbolos sociais do futebol estão impressos nas organizações, na política, na educação, etc… O futebol integra precisamente os valores desta sociedade e reproduz os mesmos, perpetuando-os através da sua esfera de influência.

O modelo competitivo traz muitos problemas para uma sociedade que se pretende justa e equitativa porque facilita a interferência de maus atores quando o poder está hierarquizado e concentrado num grupo muito restrito de indivíduos, vulneráveis à tentação do dinheiro (desorientação da sua bússola moral). Este modelo facilita as disfunções que vemos na nossa sociedade. Este vídeo ilustra como os líderes de uma democracia representativa não nos representam (Match Fixing). O modelo competitivo é, na maioria das vezes, usado como fachada para ocultar o facto do desfecho das eleições estar decidido de antemão devido à “primária do dinheiro

As preferências do Português médio apenas tem um impacto estatísticamente não significativo, próximo do zero (minúsculo) sobre as políticas públicas numa suposta democracia… Nós, o Povo, não tem qualquer relação com o Governo e isto é um produto do Tweedismo!…

Match Fixing: o financiamento das campanhas políticas/partidárias é um dos temas mais controversos quando se discute democracia. Para entender os interesses privados, que controlarão o processo de formulação de políticas públicas depois que um candidato vencer uma eleição, uma pergunta-chave deve ser feita: quem financiou suas campanhas políticas?

Temos que evoluir para uma Democracia Direta, sem oposição, onde os representantes são eleitos localmente pelo povo.

mercado livre

Desenraizamento Social:

A implementação de uma sociedade de mercado livre (competitivo e finito) destrói as relações humanas e ameaça o seu habitat natural. Todas as co-dependências (comportamentos aditivos) resultam desta desintegração do instinto social. A competição apoia-se fundamentalmente em Decisões sociais sem atenção plena (unmindfullness) que destroem a confiança entre as pessoas e desagregam a sociedade.

Bruce K. Alexander no seu livro “The Globalization of addiction – a study in poverty of the spirit” aponta a “deslocação” (desenraizamento ou desintegração psicossocial) como principal fator para o problema da nossa sociedade. A Integração Psicossocial é fundamental para o bem-estar humano. Jon Young chama a este fenómeno a desconeção ou perda da Ligação Profunda com a Natureza e o antídoto passa pela reparação do isolamento emocional. O ser humano possui um instinto inato (biologia evolutiva) orientado para  o contacto social através dos laços criados pelo comportamento cooperativo. A causa apontada como responsável pela desintegração destes “instinto social” (Drawin “The Descent of Man”) deve-se, segundo Bruce K. Alexander, à introdução da Sociedade de Mercado Livre que pressiona as pessoas no sentido do individualismo e da competição. Também o Psicólogo Pierre Weill refere que na origem da “Roda da Destruição” está a competição e as lutas pelo poder que promovem e acentuam as desigualdades sociais (classes sociais).

mercado economia

FONTE: Wilkinson & Pickett, The Spirit Level (2009): Portugal é dos países que apresentam maiores desigualdades sociais as quais estão muito correlacionadas com problemas de saúde e problemas sociais. As desigualdades sociais constituem um divisor social poderoso afetando a nossa capacidade para identificar e empatizar com outras pessoas. | O bem-estar das crianças é melhor nos países ricos e mais igualitários. Quanto maiores são as desigualdades sociais tanto maior é a falta de confiança entre as pessoas. | O recurso a drogas é mais comum em países com maiores desigualdades sociais. | A mortalidade infantil é maior em países com maiores desigualdades sociais. | A taxa de obesidade é maior em países com maiores desigualdades sociais. | As taxas de encarceramento (prisão), são maiores em países com maiores desigualdades sociais como Portugal. | Todos ou quase todos beneficiamos com uma maior igualdade social. Normalmente os benefícios são maiores junto dos mais desfavorecidos mas estendem-se à maioria da população. Se queremos investir no sucesso de um país devemos sem dúvida investir nas igualdades sociais.

As sociedades competitivas reforçam esta polarização social acentuam as desigualdades sociais (stresse) e aumentam a falta de confiança entre as pessoas. Podemos verificar que a causa deste caos social está profundamente associado ao “modelo competitivo e às lutas pelo poder“.

sociedade competitiva classes sociais

António da Silva Costa “Desporto e análise social” numa análise do desporto enquanto “espelho da sociedade” afirma que o desporto moderno nasceu com a sociedade capitalista industrial, sociedade centrada sobre o tríplice princípio:

  • Eficácia.
  • Rendimento.
  • Progresso.

O recorde (mais alto, mais forte e mais rápido) parece ser o símbolo fundamental do desporto moderno aliado à competição. Esta obsessão na busca contínua de novos recordes é um dado que distingue os desportos modernos dos greco-romanos ou medievais. Enquanto o “desporto” antigo (eu prefiro chamar-lhe atividade física porque o conceito desporto é contemporâneo) era praticado como uma espécie de culto do corpo, o desporto moderno bem depressa se tornou num culto do progresso. É exatamente esta exaltação destes 3 princípios (citius, altius, fortius) que têm conduzido a sociedade para a Roda da Destruição.

Sendo um produto da sociedade industrial, o desporto moderno reproduz, por seu lado, a imagem desta mesma sociedade, com o seu tipo de funcionamento, crises e contradições e também com os seus sonhos e as suas esperanças. Como o rendimento é o princípio-base da sociedade industrial, podemos também afirmar que este princípio constitui o motor e a alma do sistema desportivo moderno. Com o princípio de rendimento como centro de gravidade, o desporto moderno pode ser considerado uma representação simbólica da sociedade industrial que funciona na lógica da concorrência, da produção, da maior eficácia e dum progresso que se quer ininterrupto.


C – ECONOMIA DA ATENÇÃO NA EDUCAÇÃO FÍSICA:

Na Educação Física, a moeda que usamos para atribuir valor à prestação dos alunos chama-se “nota” ou “classificação”, sendo esta a moeda social através da qual atribuímos valor a algo. Em artigos anteriores referimos que a avaliação normalizada é um fator de injustiça para muitos alunos porque o “aluno médio” é um mito (Ler artigo: Avaliar em EF).

Igualdade de oportunidades é diferente de equidade de oportunidades.

Como afirma Philip G. Zimbardo (1972), “A Timidez”, “a importância atribuída à necessidade de provar aquilo que se vale, ao êxito material, à condição social, à realização mensurável é uma coisa que as crianças sentem com extrema acuidade. Para serem amadas, aceites e apreciadas têm de fazer aquilo que se espera delas. O reconhecimento do valor individual depende daquilo que se produznão daquilo que se é. Quando as relações que estabelecemos são puramente utilitárias, é muito natural que nos preocupemos por aquilo que temos para oferecer não ser suficientemente bom ou por podermos ser rejeitados caso deixemos de ser necessários aos outros”, ou neste caso, quando o aluno não consegue estar à altura do que é exigido nalgumas matérias. Quando as relações se tornam meramente utilitárias podemos estar a contribuir para uma deterioração do “Bem estar Psicológico” dos alunos porque a oferta é normalizada e não responde à natureza individual de cada aluno.

  • Javier Piñeiro-Cossio e col. Psychological Wellbeing in Physical Education and School Sports: A Systematic Review. Int. J. Environ. Res. Public Health 2021, 18, 864: PDF

Estes são os valores que transportamos para dentro da “sala de aula” de Educação Física, eficácia (tecnologia corporal), rendimento corporal e progresso bem como toda a carga e influência simbólica do desporto enquanto FST. Privilegia-se a dimensão certificadora da escola e o indivíduo é visto como um instrumento de produtividade numa linha de montagem para servir a Máquina Administrativa e Burocrática.

Questões:

  • Serão os valores desta sociedade os melhores?
  • Serão os valores do desporto espetáculo, profissão, competitivo, mercantilizado, aqueles que mais enaltecem e valorizam a dimensão Ética e Moral de uma sociedade?
  • Será o modelo de jogo finito que mais se adequa à preparação dos alunos para o Jogo Infinito da vida nas suas várias dimensões?

Voltando aos conceito de jogo finito e jogo infinito:

  1. Jogos finitos (Desportivos): são jogados por jogadores conhecidos. Há regras fixas e um objetivo previamente acordado que, ao ser atingido, faz com que o jogo termine. O futebol por exemplo, é um jogo finito. Todos os jogadores usam um equipamento e são facilmente identificáveis. Há um conjunto de regras (Mecânica) e árbitros para as aplicar. Todos os jogadores concordaram jogar segundo essas regras e aceitam penalizações quando as infringem. Todos concordam que a equipa que tiver conseguido mais golos no final de um período de tempo estipulado será declarada vencedora, o jogo terminará e irão todos para casa. Nos jogos finitos, há sempre um princípio, um meio e um fim. No jogos finitos há uma única estatística, sobre a qual todos estão de acordo, que separa o vencedor do vencido, coisas como o número de golos marcados, a velocidade ou a força. Um jogo finito termina quando o seu tempo se esgota. os jogadores continuam, para jogar noutro dia. Um líder com um estado de espírito finito trabalha para conseguir alguma coisa dos seus funcionários, clientes e acionistas de forma a ser capaz de cumprir estatísticas arbitrárias. Um jogador com uma mentalidade finita faz produtos que pensa que é capaz de vender às pessoas focando a sua atenção na venda destes produtos e como os mesmos beneficiam a empresa. Os jogadores com uma mentalidade finita tendem a seguir padrões que os ajudam a atingir as suas metas pessoais dando menos importância aos efeitos da ondulação que isso pode causar. A pergunta é, “o que é melhor para mim?!…”. Uma empresa com um foco finito pode encontrar formas “inovadoras” de alargar os seus objetivos, mas essas decisões, em geral, não beneficiam a organização, os funcionários, os clientes e a comunidade – aqueles que existem para lá dos objetivos. Não deixam necessariamente a organização em melhor forma para o futuro e a razão é simples, porque essas decisões tendem essencialmente a ser tomadas para benefício de quem as tomou e não com o futuro infinito em vista, apenas com o futuro próximo.
  2. Jogos Infinitos: envolvem jogadores conhecidos e desconhecidos. Não há regras exatas ou com as quais todos tenham concordado. Embora possam existir convenções ou leis que regem o comportamento dos jogadores, eles podem operar como quiserem dentro dessas fronteiras amplas. A forma como cada jogador decide agir é inteiramente com ele. E também pode mudar a qualquer altura a maneira como joga, seja por que razão for. Estes jogos têm horizontes temporais infinitos e como não há linha de chegada, um final real para o jogo, num jogo infinito não existe isso de “ganhar”, o objetivo essencial é continuar a jogar, perpetuar o jogo. Por exemplo, no casamento e na amizade não existe chegar em primeiro lugar. E embora a escola possa ser finita, uma educação vencedora também é coisa que não existe. Podemos derrotar os outros candidatos a uma promoção ou a um emprego, mas nunca ninguém é proclamado vencedor no que respeita a carreiras profissionais. Nos jogos infinitos, os indicadores são múltiplos, e é por isso que nunca é possível declarar um vencedor. Embora as nações possam competir a uma escala global com as outras nações, seja por território, por influência ou por vantagens económicas, não existe uma política mundial vencedora. Por muito bem sucedidos que sejamos em vida, quando morremos, nenhum de nós será proclamado o vencedor da vida. E não existe seguramente uma empresa vencedora. Todas estas coisas são percursos, não são acontecimentos. No entanto, ao escutarmos o discurso de tantos dos nossos líderes de hoje é como se eles não soubessem o jogo em que estão a participar, falam constantemente em “ganhar”, andam obcecados com “derrotar a concorrência”, anunciam ao mundo que são “os melhores”, afirmam que a sua visão é ser “o número um”; só que, em jogos sem linhas de chegada, todas estas coisas são impossíveis. Quando se lidera com uma mentalidade finita num jogo infinito, isso leva a todos os tipos de problemas, sendo os mais comuns a perda de confiança¹, de cooperação e de inovação. Os grupos que adotam uma mentalidade infinita possuem níveis muito mais elevados de confiança, cooperação e inovação, com as vantagens que daí resultam. Num jogo infinito é o jogo que prossegue e é o tempo dos jogadores que se esgota porque não há como ganhar ou perder, os jogadores simplesmente desistem quando se lhes acabam os recursos e/ou a vontade para continuar. Nos negócios chamamos a isto bancarrota – ou às vezes, fusão ou aquisição. O que quer dizer que, para ter êxito no Jogo Infinito dos negócios, temos de deixar de pensar em quem ganha ou em quem é o melhor, e começar a pensar em como construir organizações suficientemente fortes e saudáveis para prosseguirem no jogo por muitas gerações de acordo com a Roda da Paz. No Jogo Infinito, o verdadeiro valor de uma organização não pode ser medido pelo êxito que ela conseguiu com base num conjunto de estatísticas arbitrárias em intervalos de tempo arbitrários. O verdadeiro valor de uma organização mede-se pelo desejo que os outros têm de contribuir para a capacidade dessa organização continuar a ser bem-sucedida, não apenas durante o tempo em que lá estão, mas muito para além disso. O líder de mentalidade infinita trabalha para garantir que os seus funcionários, clientes e acionistas se mantenham motivados para continuar a contribuir para o seu esforço, as suas carteiras e os seus investimentos. Os jogadores com uma mentalidade infinita querem deixar a sua organização em melhor forma do que a encontraram. O jogador com uma mentalidade infinita faz produtos que as pessoas querem comprar. O foco essencial deste jogador é como os produtos vão beneficiar quem os compra. Os líderes de mentalidade infinita não pedem aos seus colaboradores que se fixem em metas finitas; pedem-lhes que os ajudem a descobrir uma maneira de avançar no sentido de uma visão do futuro mais infinita, que beneficie a todos. As metas finitas tornam-se marcadores do progresso rumo a essa visão.

Roda da Paz: Pierre Weill

A confiança¹ permeia quase todos os aspetos das nossas vidas diárias, desde as relações inter-pessoais estando na base do desenvolvimento com sucesso das economias (Zak e Knack, 2001). A confiança ocorre quando uma pessoa permite ao outro tomar decisões que afetam o seu bem-estar. A oxitocina está envolvida na confiança entre seres humanos. Uma educação positiva (democrática), cria ambientes de aprendizagem que estimulam a produção da oxitocina e os alunos aprendem com entusiasmo. Paul Zak enumera alguns dos fatores que inibem os mecanismos de libertação da oxitocina. Este sistema precisa de bastante afeto para que se desenvolva adequadamente:

  • Cuidados afetivos inadequados (Crianças desnutridas afetivamente durante as fases sensíveis do seu desenvolvimento).
  • Elevados níveis de stress inibem o mecanismo da oxitocina (Competir eleva os níveis de stress). Porém, existem estudos que mostram que a oxitocina beneficia e promove o comportamento prossocial no desporto entre os elementos da mesma equipa (coesão interna: empatia, confiança, generosidade, altruismo, cooperação, etc). Por outro lado, Renata Dias conclui que nos períodos de competição o stress e ansiedade estarão sempre presentes, dependendo do tipo de atleta, treinador ou pai e da modalidade em questão, tendo maior influência nos desportos individuais. Falta agora relacionar este stress, a oxitocina e o comportamento, se é pro-social ou anti-social.
    • Gert-Jan Pepping et col. Oxytocin and the Biopsychology of Performance in Team Sports. The Scientific World Journal. Volume 2012: PDF
    • Renata Dias e Inês Camacho. Stress e Ansiedade na Competição Desportiva. Mestrado em Atividade Física e Saúde – Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Beja. PDF
  • A ação da testosterona inibe a produção da oxitocina.
  • etc…

Quando nos sentimos realizados produzimos mais oxitocina e esta molécula está associada à confiança nos outros. A correta aprendizagem social e emocional (ASE) facilita a libertação da oxitocina. Os bons valores alicerçam-se na nossa capacidade de confiar em nós e nos outros e a oxitocina é um elemento chave.

  • Paul J. Zak et al. (2005), “Oxytocin is associated with human Trustworthiness“; Science Direct. PDF.

  • Michael Kosfeld et. al (2005), “Oxytocin increases trust in humans”; Vol. 435, June 2005; 10.1038 nature03701: PDF

moralidade

Um sistema moral alicerçado em bons valores  constrói-se quando os alunos possuem autonomia para “estabelecer contratos sociais” ou implementar ambientes de aprendizagem que respeitam os “princípios universais de consciência”. Por outro lado, é importante criar ambientes acolhedores e implementar Programas de Literacia Emocional e Social que facilitem a reparação do isolamento social permitindo às crianças entrar em contacto com a sua consciência corporal e emocional e através das dinâmicas de grupo (RULER: Mood-meter), tomar consciência da realidade emocional dos seus pares. No artigo anterior enfatizei esta dimensão.

RULER int emocional2

O facto de nós professores e alunos, partilhar-mos o mesmo espaço social “sala de aula”, não significa que exista coesão, integração social ou laços afetivos significativos. Na maioria das vezes as relações são puramente instrumentais e utilitárias e tendemos a afastarmos afetivamente para personificar o papel do Professor Eficaz que controla todas as variáveis, um tecnocrata (eficácia, rendimento, progresso). De facto a maioria de nós vive em isolamento social e esta falta de coesão e integração social prevalece na escola e na sala de aula. Nem sempre é fácil ao professor servir de almofada ou amortecedor para as manifestações de hostilidade dos alunos que vivem as suas próprias angustias e ressentimentos que transportam consigo e as tentam metabolizar nas dinâmicas do jogo, muitas vezes de forma conflituosa. Por outro lado existe um conflito de interesses entre os alunos, que precisam de brincar e assumir o controlo pelas suas atividades e a necessidade do professor em controlar a atividade dos alunos para cumprir o programa e rentabilizar o tempo de forma eficaz.

O jogo de oposição possui uma importância pedagógica, não para fazer sobressair a dimensão técnica ou tática ou a supremacia de uns sobre os outros, mas sobretudo na sua dimensão terapêutica, para se tomar consciência das suas limitações enquanto escola de valores. O jogo, que não tem que ser desportivo porque este pressupõe uma estrutura metódica, com objetivos competitivos (vitória ou derrota) pode ser um qualquer jogo cuja Mecânica, Dinâmica e Estética seja criada com o intuito de explorar sobretudo a dimensão emocional e social.

Aprender a jogar com respeito pela regra:

Entre a idade dos 6 e 10 anos de idade, a criança torna-se cada vez mais preocupada em separar a fantasia dos factos. Nesta idade, as crianças começam a tomar consciência que diferentes figuras de autoridade possuem diferentes crenças e regras. Embora surja um sentimento de justeza, as crianças nesta fase de desenvolvimento ainda se comportam em função de impulsos egoístas. Podem comportar-se de forma correta em termos morais pelo medo do castigo (punição), mas se a oportunidade surgir, elas colocam a moralidade de lado e permitem que os próprios interesses orientem. Aqui a lógica é simples: não ser apanhada. Torna-se crucial investir no currículo Emocional e Social para que a criança aprenda a relacionar-se de forma saudável consigo própria e com os outros de forma a garantir que a prática do “desporto”, seja na sala de aula, no recreio ou noutro contexto de lazer formal ou informal se faça de forma saudável.

O estudo desenvolvido por Eric Billet e Eric Debardieux mostra que a prática do desporto implica uma contradição fundamental.

  • Dominique Bodin and Goëlle Sempé (2011). Ethics and Sport in Europe. Council of Europe Publishing: PDF

Embora a prática de atividades desportivas aconteça na observância de certas regras, ela é palco de atos repetidos de bullying (assédio moral), com consequências dolorosas e duradouras para as vítimas.  Também consideram as circunstâncias nas quais a prática do desporto se afasta do princípio da não violência podendo ser descrito como uma prática anti-ética.

rejeiçãoEste estudo foi realizado com crianças da escola secundária em Brittany, França também envolveu os pais. Foram aplicados 686 questionários que exploravam a ideia ou conceito do contexto coletivo do desporto que envolve um tipo de violência por assédio moral o qual conduz a um processo de exclusão de algumas crianças, pelos seus pares. O objetivo das entrevistas foi determinar e caracterizar esta violência perpetrada contra as crianças que manifestam pouca mestria das habilidades desportivas, pelas crianças mais hábeis. Segundo os autores, acontecem vários episódios de assédio moral pelos seus pares, durante o processo de exclusão. Os autores também exploraram a violência institucional que conduz à exclusão das crianças (desportos coletivos), que promove uma antipatia pela prática do desporto naqueles que se sentem excluídos. A análise das entrevistas sobre as alterações nos gostos culturais (escolhas) destas crianças em idade escolar, indica que a competição, seja organizada ou informal, é a principal causa de assédio moral no contexto do desporto. Finalmente o autor investiga a violência contra-si-próprios que surge a partir das situações desportivas. A falta de habilidade na prática do desporto sentida pelas vítimas deste assédio moral, acabam por ser aceite e interiorizada como uma inevitabilidade irreversível. Estas crianças acabam por alterar os seus gostos culturais, investindo noutras áreas culturais para procurarem contextos onde se sintam integradas e competentes.

… a competição, seja organizada ou informal, é a principal causa de assédio moral no contexto do desporto.

  1. Violência entre-pares (Assédio moral).
  2. Violência Institucional.
  3. Violência contra si-próprios.

Muitas crianças sentem um sentimento doloroso de injustiça  associado à crueldade do julgamento relativo à natureza das diferenças visíveis através da sua prestação.

queda escadas

Rejeição por comparação social:

Em 75% dos casos, os pais ou as próprias crianças revelavam esta experiência traumática do desporto. Beatriz (idade 12) era desajeitada, Christophe (13 anos) tinha excesso de peso e David (14 anos) era franzino. Observando estas dificuldades aparentemente inevitáveis no contexto da natureza competitiva do desporto, todas estas crianças se sentiam desvalorizadas e a sua inferioridade era olhada como irreversível.

Esta realidade também se verifica nas aulas de Educação Física onde os menos hábeis se sentem muitas vezes diminuídos face às exigências dos Programas de EF e durante os jogos desportivos são ostracisados pelos mais hábeis que não lhes passam a bola. Embora o Professor de Educação Física esteja atento e procure extinguir comportamentos menos próprios nos alunos ou encontre estratégias facilitadoras do envolvimento e integração dos alunos menos hábeis e mais vulneráveis e frágeis emocionalmente, o ambiente em si é propenso e facilitador deste tipo de valores. Como Professor vivo em permanente conflito interno porque os valores que o jogo “incentiva” estão em oposição aos valores que defendo, ou seja, a metodologia e ferramenta didática distorce a minha intenção pedagógica.

Este cartoon de Luís Afonso retrata bem esta crise de valores em que existe uma contradição entre os baixos padrões morais que a sociedade impõe através da competição pela sobrevivência e os bons valores humanistas que perderam a sua relevância.

Sejamos honestos:

  • Ninguém ganha um jogo desportivo sendo generoso e oferecendo oportunidades ao adversário!… o altruísmo define-se no dicionário como a orientação de quem procura garantir o bem de outro(s), mesmo que à custa dos próprios interesses. Se num jogo desportivo um atleta colocar os interesses da equipa adversária acima dos interesses da sua equipa é simplesmente excluído. A base do sucesso desportivo é o egoísmo porque a oposição é um conflito de interesses. Uma atitude é competitiva, quando “o que A faz, é no seu próprio benefício, mas em detrimento de B, e quando o que  B faz é em seu benefício, mas, em detrimento de A.” Competição é um processo onde os objetivos são mutuamente exclusivos e as ações são benéficas somente para alguns. Como é que o desporto pode ser uma boa escola de valores?!…
  • Ninguém ganha um jogo desportivo sendo empático. A base da generosidade é a empatia que significa a capacidade de se identificar com outra pessoa e de partilhar os seus sentimentos e motivações. Se os seus interesses e motivações estão em oposição aos meus e são mutuamente exclusivos isso gera antipatia, ou seja, aversão espontânea e instintiva que nos leva à repugnância da pessoa ou pessoas de uma equipa, desencadeando os mecanismos de defesa e a hostilidade latente ou manifesta (mais ou menos explícita ou controlada). Estes mecanismos são tanto mais acentuados nos jogos que colocam os adversários em situação de invasão territorial e contacto físico intenso. Aliás, no jogo desportivo prevalecem as ações de hostilidade:
    • Roubo de bola: apropriar-se de algo específico (bola), num local específico (espaço de jogo), geralmente durante um tempo (fase de ataque).
    • Ataque: executar um ação ofensiva (que causa ofensa ou dano, prejudica) contra alguém ou alguma coisa. Ofensivo: comportamento que demonstra falta de consideração.
    • Invasão territorial: entrar violentamente em; conquistar, ocupar; dominar por completo; apoderar-se de.
    • Superioridade numérica: autoridade; estado de quem pode mandar; demonstração de poder, de força; condição da pessoa ou coisa que está acima.
  • A desinformação (informar de maneira errada ou mentirosa) é uma estratégia muito importante para garantir o meu sucesso ⇒ são técnicas de comunicação e informação para induzir a erro ou dar uma falsa imagem da realidade, mediante a supressão ou ocultação de informações, minimização da sua importância ou modificação do seu sentido, ex:
    • Fintas: ultrapassar ou evitar algo ou alguém (obstáculo; impedimento); agir para enganar através de simulação corporal que induza o adversário em erro.
    • Cortinas / ecrans: combinações táticas especiais desenvolvidas por um ou mais jogadores que se posicionam de forma a perturbar a leitura tática da situação…
    • Esquemas táticos: soluções estereotipadas, previamente estudadas e treinadas para as situações de bola parada.
    • Combinações táticas:  coordenação das ações individuais de dois ou três jogadores, de natureza ofensiva para a resolução de uma tarefa parcial específica do jogo

O exemplo do badminton:

  • Quando o aluno joga (diálogo) com um parceiro numa aula de Educação Física, ele utiliza a técnica de batimento de forma a colocar o volante ao alcance do colega e assim mantém a sustentação do mesmo garantindo uma correta comunicação com o colega. Prevalece a informação e a empatia entre ambos e não existem limites ou constrangimentos. Privilegia-se uma relação Estética (emocional) positiva e uma Dinâmica (Interação Social) agradável. Este tipo de interação não exige o recurso à Mecânica do Jogo, ou seja, o recurso  às regras e componentes do jogo (campo de badminton, regras e regulamentos).

  • Porém, quando o professor exige que os alunos evoluam para a situação de jogo e dominem as aprendizagens essências chave da modalidade terá que aplicar os códigos e regulamentos do jogo (Mecânica). Nesta altura os alunos têm que respeitar um espaço delimitado de jogo e adequar a técnica (forma, força e trajetórias) de forma que o volante esteja limitado pelas fronteiras do jogo. Por outro lado, introduz-se a necessidade de ganhar (competição) e o aluno passa a colocar o volante fora do alcance do seu colega, agora adversário, contrariando sempre as suas ações e/ou intenções. Deixa de haver diálogo e passa a prevalecer a desinformação de forma a induzir o adversário em erro e tirar vantagem dessa situação. Nesta altura alteramos a dimensão Estética (emoções incoerentes), prevalecendo emoções de ansiedade, devido à incerteza e alguma angústia inerente ao insucesso que pode eventualmente evoluir para a raiva caso haja uma interpretação incorreta de um volante que caia no limite do campo e a validação do ponto seja duvidosa prejudicando o seu sucesso (injustiça). As Dinâmicas sociais podem ficar afetadas quando se introduz uma certa rivalidade e o sucesso de um depende do insucesso do outro e vice-versa (mutuamente exclusivo). Com a vitória vem o reconhecimento do valor pessoal e a derrota associada à falta desse valor. Do ponto de vista do Fair-Play, o badminton é, na minha opinião, uma modalidade onde existe um ambiente competitivo saudável, tanto nas aulas de Educação Física como no Desporto Escolar. As modalidades que envolvem invasão territorial e contacto físico tendem a ser palco de maiores distorções morais e éticas.

Torna-se fundamental repensar o tipo de jogos educativos que queremos implementar considerando a necessidade de promover bons valores. O Professor de Educação Física deve ter, na minha opinião, a possibilidade de criar jogos recorrendo à teoria do jogo, que facilitem sobretudo os valores, cognições, sensações e emoções que valorizem a generosidade, empatia e a verdade (moralidade da vida quotidiana). Obviamente que estamos a falar sobretudo dos Jogos Cooperativos e Team-Building (Vinculação Marginal e Independência relativamente ao desporto).


Qual é então o problema do desporto?

Além de representar uma mentalidade Finita tal como vimos, Sílvio Lima em “Desportismo Profissional – desporto, trabalho e profissão” (Desporto e Sociedade – antologia de textos), refere claramente que a profissionalização do desporto acarreta uma distorção e afastamento da sua essência original na medida que é uma atividade não-utilitária, desinteressada, pura, necessita de assentar, como sua condição, numa atividade profissional anterior. De facto, o desporto pode tornar-se numa profissão mas nega-se a si próprio. na sua opinião a fórmula desportismo profissional é absurda, contraditória, e – como adiante veremos – imoral porque se torna num instrumento fabricador de lucro (comercialização e marcantilização). O jogo adquire um tom frenético, alucinador, trepidante. O clube está para o desporto como a profissão para o trabalho; apenas com a seguinte diferença fundamental: é que o clube deve ser sempre não-utilitário, ao passo que a profissão, por natureza intrínseca, é instrumento utilitário de vida. O Clube deveria racionalizar o jogo, suprimir-lhe os extravios e castiga-lhe os excessos anti-higiénicos, anti-educativos, anti-sociais porém, assim que o clube remunera os seus jogadores torna-se numa empresa e os jogadores passam a ser funcionários deixando de haver jogo para haver profissão. Por outras palavras, o exercício desportivo degrada-se em exibicionismo, em espetáculo.

Sílvio Lima cita Georges Hébert no famoso livro-panfleto “O desporto contra a educação física” (Paris, 1935) onde escreve com audacioso ímpeto: é preciso expulsar do estádio o espetador. Porquê? Porque o espetadorismo está inteiramente vinculado ao desportismo profissional. Assim como não há circo sem o respeitável público, outrossim não pode haver desportismo profissional sem o respeitável público. Remunerando o jogo, ipso facto lhe vamos destruir, secar a sua fina essência espiritual, que é a de ser exercício desinteressado, poético, apecuniário ou inutilitário como afirma Ortega Y Gasset. O desportista não procura fazer vida pelo desporto; é porque já tem como alicerce permanente da sua vida, certa profissão, que ele pode dedicar-se (…).

VISÃO PURAMENTE FINITA DO COP (Comité Olímpico Português):

Atualmente a industria do desporto vale 1794 milhões para a economia segundo o estudo do INE atribui ao desporto um peso de 1,2% no valor acrescentado bruto gerado pela economia portuguesa. Este é um forte motivo (Valorizar Socialmente o Desporto, um Desígnio Nacional), para que se continue a acreditar que mais e melhor desporto é a solução.

  • Implicação política 1: o desporto é um setor económico importante.
  • Implicação política 2: o desporto representa uma industria de trabalho intensivo em crescimento.
  • Implicação política 3: o desporto pode promover a convergência em torno dos Estados Membros da UE.
  • Implicação Política 4: o desporto tem vantagens de especialização que favorecem o crescimento.

Uma análise do Desporto enquanto Desígnio Nacional (COP) à luz das afirmações de Sílvio Lima permite-nos constatar que esta instituição investe nos “excessos anti-higiénicos, anti-educativos, anti-sociais” e por isso deve haver uma desvinculação e afastamento dos Programas de Educação Física do Modelo Olímpico para garantirmos uma higiene de valores. Por outro lado, como já foi anteriormente dito, o desporto representa uma Mentalidade Finita porque o seu objetivo é ganhar, sendo uma visão limitada e a curto prazo porque centra a sua atenção em títulos efémeros, em vitórias pontuais e passageiras sem se preocupar com o impacto a longo prazo desta visão redutora da sociedade e dos seus valores. Porque motivo grande parte dos jogadores profissionais terminam a sua vida em miséria: pobres, toxicodependentes, ostracizados, esquecidos ou na miséria? Porque a sua experiência dos excessos do desporto e a vida de ostentação e opulência duma visão finita da vida não os preparou com a resiliência psicológica necessária para viver um jogo que não tem limites temporais e o objetivo não é ganhar mas manter-se saudável, equilibrado, consciente e participativo (Jogadores e futebol na miséria: Direito no desporto).

Bibliografia:

  • COI: Valorizar Socialmente o Desporto: Um Desígnio Nacional – Ciências do Desporto – contributos para o rendimento desportivo: PDF
  • Comité Olímpico de Portugal. Desporto, crescimento económico e emprego – Valorizar socialmente o desporto: um desígnio nacional: PDF
  • INE. destaque 5 de abril de 2016: PDF

desporto e economia

Esta reflexão permite-nos perceber que a mutação ou distorção do desporto aconteceu a partir do momento que as esferas Económica e Política interferiram no universo do desporto e o Comité Olímpico Português e Internacional ficaram reféns desse paradigma. Esta influência está atualmente tão enraizada que a essência original do desporto foi esquecida e gradualmente substituída por esta vertente modificada do desporto, uma “corrida para lado nenhum” como afirma John O’Sullivan.

Alguns autores manifestam a sua preocupação com a obsessão do modelo desportivo competitivo. Portugal tem vindo também a aumentar a sua “Obsessão com o desporto Juvenil” e o alto rendimento nas escolas (Rede de Centros de Formação Desportiva). Porém esquecemos que isso tudo tem um preço, um custo humano que devemos equacionar. Teimamos a olhar para as crianças como potenciais atletas e a usar a escola como veiculo de deteção de talentos em vez de nos centramos na formação integral da pessoa. É uma realidade que deve ficar circunscrita ao domínio do Desporto Escolar e a Educação Física deve destacar-se desta realidade e ser fiel aos melhores valores formativos.

Em cada ano, mais de 3,5 milhões de crianças com idades inferiores a 15 anos necessitam de tratamento médico devido a lesões desportivas, quase metade destas resultam da simples sobreutilização (sobretreino) O jornalista Mark Hyman investigou a evolução do desporto juvenil desde os simples jogos até à prática desportiva que prende transformar crianças nos futuros atletas de elite, levando-os para lá dos limites físicos e emocionais. (…) O jornalista expõe a forma como os adultos estão a transformar o desporto juvenil numa empresa lucrativa de elevada pressão e exigência. Coloca-se a seguinte questão: desde quando é que o desporto se tornou mais um trabalho do que um divertimento?

O pediatra Joel Brenner afirma que ouvimos frequentemente falar da epidemia da obesidade. Porém, do outro lado do espectro, existe um grupo de miúdos que estão super-ativos. A Academia Americana de Pediatria está tão preocupada com este facto que emitiu duas missivas sobre lesões de sobreutilização no espaço de 3 anos, tendo sido a última em 2007 (considerando a data de publicação do livro).

Um olhar sobre como a comercialização do desporto juvenil que transformou a diversão num empreendimento altamente lucrativo. Mark Hyman analisa a economia do desporto juvenil segundo várias perspetivas: as principais corporações, os pequenos empreendedores, os treinadores, os pais e, é claro, as crianças. Hyman investiga as razões por trás da rápida mudança do que é comprado e vendido neste mercado lucrativo e revela os efeitos sobre as crianças, analisando os indivíduos e as comunidades que contrariam esta tendência destrutiva de comercialização.


Ética Profissional e Deontologia:

O nosso propósito e principal objetivo, enquanto classe profissional de Educação Física, Desporto, Exercício e Saúde ou Reabilitação é servir o nosso público alvo. Servir significa ir ao encontro dos seus interesses, expectativas, aspirações e motivações, respeitando todas as dimensões inerentes ao tipo de serviço que prestamos, ética, moral, técnica, científica, pedagógica, deontológica, etc…

O EPAS – Enlarged Partial Agreement on Sport (pdf 1 | pdf 2 | pdf 3) pretende promover o desporto e enfatizar os valores positivos, o estabelecimento de normas internacionais e desenvolver uma estrutura para uma plataforma pan-europeia de desportos intergovernamentais de cooperação e, ao mesmo tempo ajudar as autoridades públicas dos Estados-Membros da APE federações desportivas e ONGs a promover o desporto e torná-lo mais saudável, mais justo e  orientado.

  • UNICEF. protecting children from violence in sport – a review with a focus on industrialized countries.PDF
  • David N. Sacks et al. Aggression and Violence in Sport: Moving Beyond the Debate.International Journal of Sports Exercise Physiology 2003. Vol. 1 Nº 2. PP. 167-179: PDF
  • Carwyn Jones and Michael John McNamee. Moral Reasoning, Moral Action, and the Moral Atmosphere of Sport. Sport, Education and Society, Vol. 5, No. 2, pp. 131–146, 2000: PDF

Porém, este objetivo falha exatamente pelos motivos que Sílvio Lima apresenta na sua reflexão.

O mais grave é que esta realidade e os seus valores distorcidos  assumem uma força e influencia social e cultural muito superior à vontade e influência dos professores de Educação Física, bem intencionados, que ainda acreditam nos bons valores do modelo desportivo original, que se fundamenta numa atividade não-utilitária, desinteressada e pura.

É comum os alunos, praticantes de desporto federado, importarem para dentro da sala de aula de EF os maneirismo e distorções morais próprias da cultura desportiva dos clubes que frequentam onde se tornou banal a utilização de vocabulário e condutas impróprias decalcadas dos ídolos desportivos profissionais. Torna-se uma luta inglória, um tremendo desgaste para os professores contrariar muitas destas atitudes e valores em sala de aula e sobretudo no Desporto Escolar, nos jogos de invasão territorial. Muitas vezes são os Próprios professores que adotam estes maneirismos e tentam mimetizar a nível microscópio (Grupo Equipa do Desporto Escolar) estas atitudes e comportamentos do desporto federado.

EDUCACAO FISICA OBJET. CONTE.

A EF “confunde-se quase exatamente com a iniciação à prática competitiva e ao seu corolário através da aprendizagem de gestos específicos  e da mecanização estrita ou “drill” – modo de aprendizagem é responsável pela estereotipia gestual. A técnica do “drill” consiste em decompor os atos que vão ser aprendidos e a recompo-los numa gama de reflexos – componentes críticas. A prática baseada no “drill” (exercitação pela repetição), coloca um conjunto significativo de problemas motivacionais para os executantes na medida em que envolve grandes quantidades de repetição a qual pode ser simultaneamente monótona e aborrecida.

Este modelo de relação pedagógica, direct instruction (estilos de ensino centrados no professor), valoriza sobretudo: (1) Memorização; (2) Repetição; (3) Automatização; (4) Passividade; (5) Reprodução; (6) Imitação, as ditas competências do século XX.

Podemos enumerar as 5 causas justificativas da insatisfação dos alunos relativamente ao ensino do jogo centrado na aquisição das habilidades técnicas que constituem razões suficientes para questionar a efetividade deste modelo de ensino:

  • O reduzido sucesso na realização das habilidades técnicas.
  • A incapacidade dos alunos criticarem a prática do jogo.
  • A rigidez das habilidades técnicas aprendidas.
  • A baixa autonomia dos alunos durante o processo de ensino e aprendizagem.
  • O conhecimento reduzido acerca do jogo.

Quando critico a desportivização dos Programas de Educação Física estou a criticar as matérias nucleares e algumas alternativas que sofrem uma influência direta do Desporto Mercantilizado e respetivos valores imorais. Como sei que é difícil ao desporto desvincular-se desta influência devido às forças económicas, políticas e mediáticas, torna-se mais lógico propor um modelo de Programa de Educação Física onde os objetivos e conteúdos sejam definidos pelos alunos nas suas escolhas de formação corporal e respetivos valores.

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O Modelo Derrogatório proposto por Roberto Carneiro permite que os alunos escolham os referenciais axiológicos:

  1. Vinculação Total ao desporto (V.Total)
  2. Vinculação Instrumental ao desporto (V.Instr.)
  3. Vinculação Marginal ao desporto (V.Marg.)
  4. Independência ao desporto (Indep.)
  5. Recusa do desporto (Recusa)

Esta proposta delega no aluno a possibilidade de escolher, para a sua formação, as matérias em função do seu referencial axiológico.

Assim como há alunos que têm uma grande afinidade com o modelo desportivo e precisam experimentar atividades com oposição (invasão territorial), existem outros que se sentem mais confortáveis em atividades que estejam desvinculadas ou cuja vinculação é marginal relativamente a este referencial axiológico como por exemplo o Parkour, o Método natural de Georges Hébert ou mesmo as Holopraxias (Yoga, meditação, relaxamento, etc…). Para evitar uma especialização e garantir o ecletismo, os alunos terão que escolher sempre matérias, do seu interesse, de outros referenciais axiológicos, para diversificar o leque de experiências.

Como prescreve a Lei de Bases do Sistema Educativo, o Professor de EF deve garantir o “desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários (…)”; “formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico o meio social em que se integram”, “assegurando o direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projetos individuais de existência“.

crenças centralização descentralização


Ensino das estratégias:

A minha “luta” no seio dos Grupos de EF, consistiu sempre em conseguir uma pequena margem de manobra para poder divergir dos programas formais e implementar a inovação pedagógica. Os Programas de EF Tradicionais não permitem uma verdadeira inovação pedagógica porque são demasiado prescritivos e homogeneizados. Por este motivo defendo que os Programas de EF devem estar alicerçados no Ensino das Estratégias em vez do Ensino das Matérias. Esta proposta surge como resultado de anos de experiência profissional reflexiva no terreno (“Em chão de escola”) e uma pesquisa constante no sentido de fundamentar as minhas observações e conclusões pedagógicas.

Se estamos interessados no Modelo da Educação, não começamos a partir da mentalidade da linha de produção (Conformidade e Normalização/Testes Normalizados), devemos ir exatamente na direção oposta. Sir Ken Robinson “Changing Education Paradigm” RSA Animate.

A EF está a evoluir no sentido contrário à inovação e deveria afastar-se da pedagogia da normalização e homogeneização.

Estar preparado para responder e evoluir face às exigências e objetivos associados ao desempenho pessoal e profissional é crítico no ambiente e contexto volátil que vivemos, o que incrementa a necessidade na aposta do upskilling e reskilling individual e coletivo.

Muitos alunos estacionaram na zona da hostilidade e precisam que o professor facilite uma transformação de valores, ajudando-os a tomar consciência das desvantagens pessoais e sociais de comportamentos hostis (defensivos/agressivos).

Para que isso aconteça, or PEF têm que recorrer às ferramentas da Inteligência Emocional que lhe permitem abordar e trabalhar de forma objetiva a dimensão Afetiva e Social.

Alunos problemáticos em contexto de sala de aula:

João A. Lopes (Universidade do Minho) aborda o perfil do “aluno problemático”, um aluno difícil, que obriga a dispêndio de tempo e são frustrantes. os alunos com problemas de hostilidade representam uma considerável ameaça para o funcionamento das salas de aula, para toda a comunidade educativa e até mesmo para si próprios. A literatura caracteriza e designa por “disturbios exteriorizados de comportamento“, numa referência ao seu impacto no (dis)funcinamento dos grupos sociais. Os distúrbios exteriorizados incluem comportamentos do tipo:

  1. Não colaboração com os pedidos e exigências dos adultos.
  2. Agressão.
  3. Destrutibilidade.
  4. Problemas de atenção.
  5. Impulsividade.
  6. Hiperatividade.
  7. Oposição.
  8. Acesso de fúria.
  9. Birras.
  10. Teimosia.
  11. Desafios e provocações com possibilidade de desencadeamento de lutas.

Os problemas de conduta (ex: comportamentos anti-sociais, de oposição, desafio) e hiperatividade constituem algumas das primeiras manifestações deste tipo de distúrbios que representam diversos traços associados (os quais funcionam como potenciadores do próprio distúrbio):

  1. Dificuldades interpessoais, especialmente com os pares.
  2. Baixa auto-estima.
  3. Problemas escolares.

Alunos hostis-agressivos e alunos desafiadores:

Os alunos “hostis-agressivos” e “desafiadores” evidenciam um quadro comportamental, cognitivo e emocional, marcado pelas condutas anti-sociais que, iniciando-se com frequência em idade pré-escolar, se tornam normalmente incompatíveis com o ambiente de sala de aula a partir da pré-adolescência. O desafios à figura do professor (incompatibilidade com a autoridade) torna-se por isso constante, vendo-se o professor frequentemente impotente ou incapaz de lidar com alunos que simplesmente lhe dizem que não fazem o que ele pretende ou que eventualmente o insultam ou agridem. Estes alunos são frequentemente pouco sensíveis aos castigos e ainda menos à necessidade de alterar os comportamentos em função desses castigos ou em função de quaisquer outros fatores.

Alunos passivo-agressivos:

Estes alunos evidenciam maior vulnerabilidade a exibições de agressividade dissimulada. Ao contrário dos alunos agressivos, que desafiam a autoridade e recusam as orientações do professor, empregam um verdadeiro arsenal de táticas destinadas a enlouquecer (exasperar) o professor. O autor descreve algumas dessas táticas (página 163).

É fundamental que o professor evidencie com toda a clareza que é ele que dirige a aula e não o aluno que comanda. O objetivo é evitar com esta atitude que  o aluno reproduza na sala de aula os comportamentos que se habituou a exibir em casa, local onde o “jogo” com as contradições dos pais lhe foi permitindo retirar vantagem de curto prazo, com resultados infelizmente negativos no médio e longo prazo. É vulgar ver-se uma destas crianças, quando confrontadas com um “não” por parte de um dos pais, recorrer ao outro para tentar obter um “sim” (o que frequentemente consegue, dado o desejo mais ou menos consciente de cada um dos pais de “contrariar” o outro). A consistência do professor na aplicação de regras e procedimentos na sala de aula não só assegura um funcionamento eficaz da mesma, em geral, como fornece aos alunos passivo-agressivos a segurança que dificilmente encontram em casa.

As características atribuídas a estes alunos evidenciam com clareza o quanto eles representam uma mal estruturada relação com a autoridade:

  • Faz o que lhe mandam mas demoram uma eternidade.
  • Frequentemente argumenta por argumentar.
  • Faz frequentemente o contrário do que lhe é pedido.
  • Prefere dizer “não consigo” a fazer qualquer esforço de realização.
  • Queixa-se frequentemente das regras.
  • Não faz os trabalhos de casa atempadamente.
  • Obriga o professor a repetir sistematicamente as orientações.
  • Apresenta frequentemente desculpas pouco plausíveis para não fazer o que deve.

O professor deve ter total flexibilidade de escolha para poder tomar decisões personalizadas de forma a estabelecer estratégias muito específicas em função do perfil de cada aluno (Percursos Curriculares Individualizados/alternativos). Para que seja possível implementar um trabalho autónomo do aluno, este terá que, em primeiro lugar, aprender a fazer uso da liberdade de forma responsável. Para que o aluno seja responsável terá que ser cooperante e para que seja cooperante não poderá apresentar distúrbios exteriorizados de comportamento.

  • Os alunos podem adotar 1 de dois comportamentos em sala de aula, cooperar com o professor ou competir com ele. Paradoxo: o professor ensina os alunos a competir, afirmando que o desporto/competição é uma boa escola de valores, no entanto não aceita que eles utilizem este modelo contra as suas decisões, que faça escolhas divergentes à sua agenda, o Programa de Educação Física?!…

Assim, torna-se prioritário a adoção de estratégias que ajudem o aluno, em primeiro lugar, a resolver os seus conflitos internos e a tomar consciência dos mesmos para que os possa transformar. O currículo de Literacia Emocional facilita este processo de desenvolvimento da sua consciência emocional e aprender a regular a mesma de forma saudável e coerente, estará apto para integrar um grupo de trabalho de forma saudável. Haverá casos que se torna necessário uma abordagem interdisciplinar envolvendo, quando necessário, o PEF, os Serviços de Psicologia e Orientação e o Conselho de Turma.


Para que os alunos abandonem os padrões de comportamentos que os fazem estacionar entre a agressividade e a resignação e evoluam para a zona produtiva, torna-se necessário, para muitos, resolver primeiro as causas por trás dos “distúrbios exteriorizados de comportamento“. Esta é uma das fortes razões que me impulsionam a defender que os Novos Programas de Educação Física se devam organizem em função das Inteligências Múltiplas.

Muitos destes alunos que apresentam “distúrbios exteriorizados de comportamento” são, muitas vezes, líderes de opinião e, através da sua influência direta ou indireta (Contágio Emocional²) arrastam consigo outros alunos que se deixam influenciar por eles, agravando o problema dentro da sala de aula, dificultando ainda mais a tarefa do professor.

  • ²Contágio Emocional (CE) esta teoria prevê que as pessoas automaticamente imitam e sincronizam expressões faciais, vocalizações, posturas e movimentos com os de outra pessoa, e consequentemente, convergem emocionalmente como resultado da ativação e/ou feedback de tal mimetismo.
  • Marian L. Housera and Caroline Waldbuesserb. Emotional Contagion in the Classroom: The Impact of Teacher Satisfaction and Confirmation on Perceptions of Student Nonverbal Classroom Behavior. College Teaching. 2017, Vol. 65, N°. 1, 1–8: PDF
  • Sigal G. Barsade. The Ripple Effect: Emotional Contagion and Its Influence on Group Behavior. Administrative Science Quarterly, Vol. 47, N°. 4 (Dec., 2002), pp. 644-675: PDF
  • Ursula Hess and Agneta Fischer. Emotional Mimicry: Why and When We Mimic Emotions. Social and Personality Psychology Compass 8/2 (2014): 45–57: PDF


2º Mito – Homogeneidade dos Programas

Pedagogia Coletiva:

Uma das inovações mais significativas, do ponto de vista da organização pedagógica, da reforma do ensino secundário de 22 de dezembro de 1894 (“reforma de Jaime Moniz”) regulamentada pelos decretos de 18 de abril, 14 de agosto e de 14 de setembro de 1895, consistiu na introdução do regime de classes em substituição do regime de disciplinas. As classes, como “divisões graduadas” por estádios ou níveis de conhecimento de complexidade crescente, segundo a idade e os conhecimentos adquiridos pelos alunos, têm já uma longa história, cujas raízes remontam aos finais da Idade Média (colégios dos irmãos da Vida em Comum), e constituíram uma forma de operacionalizar uma pedagogia coletiva que visava “ensinar a muitos como se fossem um só“.

A tendência de homogeneizar os Programas de EF onde todos os alunos experimentam as mesmas atividades no mesmo ano e ciclo de ensino reflete esta pedagogia coletiva. Obviamente que este modelo possui muitas limitações:

Pressupostos de partida:

  • Todos os alunos (clientes) têm as mesmas motivações.
  • Todos os alunos adquiriram as mesmas vivências, experiências e habilidades motoras (pré-requisitos) na mesma fase de desenvolvimento motor (idade cronológica).
  • Todos os alunos pensam, sentem e agem da mesma forma (motivações iguais).
  • Todos os alunos possuem a mesma maturidade biológica quando atingem determinada idade cronológica.
  • Todos os alunos, em determinada fase ou idade cronológica, possuem o mesmo desenvolvimento motor.
  • Todos os alunos, durante a mesma fase de desenvolvimento, apresentam um desenvolvimento afetivo, cognitivo, social e psicomotor idêntico.

  1. Conclusão: todos os alunos se desenvolvem ao mesmo ritmo e da mesma forma.
  2. Pergunta: este modelo tem alguma relação com a realidade?
  3. Resposta: Nenhuma

DESPROGRAMAR A ef

Porque devemos criar programas de EF centrados nas estratégias?

APRESENTACAO 11 CNEF-009-009

O filósofo Português, José Gil, afirma que só existe invenção, inovação, produção criativa deixando margem para o imprevisível, o inavaliável, a irrupção da singularidade!…


  • Crescimento: aumento do tamanho do corpo; aumento progressivo de um organismo e das suas partes.
  • Desenvolvimento: alterações que o ser humano sofre ao longo da sua vida.
  • Maturação: no contexto biológico significa alcançar a maturidade ou finalizar o processo de desenvolvimento do organismo em geral. No contexto psicológico significa o processo através do qual o indivíduo alcança a plenitude das suas capacidades mentais e faz referência aos fatores tais como a herança em contraposição à aprendizagem.
  • Fatores ambientais: tudo o que influencia externamente o desenvolvimento da pessoa.

O esquema seguinte pretende ilustrar o facto de todos os alunos apresentarem um perfil recortado relativamente a todos as variáveis e indicadores que possamos testar, prevalecendo uma enorme variabilidade individual.

Coloca-se a questão:

  • Qual é o argumento lógico que fundamenta uma resposta homogeneizada dos programas de Educação Física?
  • Será que a pedagogia coletiva é a melhor solução e permite o desenvolvimento harmonioso/holístico dos alunos?

Obviamente que faz todo o sentido organizar os Programas de Educação Física em função das Estratégias porque cabe aos alunos aprender de forma autónoma:

  1. Determinar (avaliação) o perfil pessoal recortado no domínio das inteligências múltiplas:
    • Motora
    • Emocional
    • Social
    • Moral
    • Cognitiva
  2. Definir os seus objetivos pessoais em função das competências que define como deficitárias e em função das motivações pessoais.
  3. Escolher de um vasto elenco de possibilidades as matérias que mais se adequam ao alcance dos seus objetivos.
  4. Definir as metodologias a adotar para alcançar os objetivos.
  5. Afetar Recursos:
    • Temporais (cronograma).
    • Espaciais e materiais.
    • Humanos.
  6. Implementar e auto-regular o projeto individual.
  7. Aferir e Auto-avaliar os resultados obtidos nas metas definidas.

Existem centenas de desportos inscritos e aprovados no Sport Accord e todos eles gostariam de se promover na escola através da sua presença obrigatória nos programas de Educação Física. Como isso não é possível, deve-se dar a escolha aos principais interessados, os alunos, respeitando as suas escolhas pessoais. Os Programas de Educação Física não podem dar prioridade a alguns desportos individuais e coletivos, afastando outros, porque isso pressupõe uma enorme arbitrariedade cultural e injustiça para os que ficam de fora. O facto da Escolaridade ser Obrigatória não deve ser sinónimo de obrigatoriedade de opções fechadas e um único caminho porque isso fere as diretivas da Lei de Bases da Educação negando o “pluralismo”, desrespeitando “os outros e as suas ideias” tornando-se “fechado ao diálogo e livre troca de opiniões”.

Roberto Carneiro (2001), no seu livro “Fundamentos da Educação e da Aprendizagem” refere que “a escola em Portugal tem sido considerada um terminal burocrático do Estado. Para incorporar o paradigma pós-moderno do conhecimento polissémico no sistema educativo, será preciso resgatar a escola das garras burocráticas do Estado. E isso faz-se restituindo a escola às suas comunidades locais de pertença.  (…) Desmonopolizar a educação é condição da sua desmassificação (…)”.

Só desta forma se torna possível o desenvolvimento das capacidades fundamentais para o século XXI e trabalhar o perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória:

  1. Criatividade;
  2. Inovação;
  3. Pensamento crítico;
  4. Resolução de problemas;
  5. Tomada de decisões;
  6. Comunicação;
  7. Colaboração;
  8. Investigação;
  9. Questionamento;
  10. Flexibilidade e adaptabilidade;
  11. Iniciativa e autonomia.

Todo este processo será desenvolvido através da aplicação da Metodologia do Trabalho por Projetos (MTP). A MTP decorre do movimento de educação progressista associado ao pensamento de John Dewey, que preconiza abordagens pedagógicas que incluam o experimentalismo, a preocupação com as necessidades e motivações intrínsecas dos alunos e os seus ritmos e diferenças individuais, bem como a necessidade de nunca desligar a teoria da prática.

Metodologia de Trabalho por Projetos e a Pirâmide da Aprendizagem:

Trata-se de um método de trabalho orientado para a resolução de problemas, que requer a participação de cada membro de um grupo, segundo as suas capacidades, com vista à realização de um trabalho conjunto, decidido, planificado e organizado em comum acordo.

De modo a que possa ser realmente promotor de desenvolvimento, é importante que esse problema seja sugerido pelos alunos em formação (ou que, pelo menos, estes o considerem pertinente, importante e real) e abordado/resolvido com base nas condições que caracterizam o seu perfil e estádio de desenvolvimento. De facto, e de forma a promover aprendizagens significativas, um projeto de formação deve caracterizar-se por:

1. Intencionalidade

  • Intencionalidade esta que deve ser dependente do contexto e do envolvimento dos agentes e da capacidade de elaboração de uma visão partilhada. O processo para construir uma visão é tão importante como a própria visão e esse processo é o diálogo e a interação. Requer abertura de espírito, capacidade de escuta, flexibilidade para atender a alternativas, admitir a possibilidade do erro naquilo em que se acredita com muita força e convicção, diagnosticar problemas e encontrar soluções, interrogar-se, clarificar valores, analisar e refletir.

2. Responsabilidade e autonomia

  • Os intervenientes são agentes do seu desenvolvimento e do processo de aprendizagem. Não se trata apenas de procurar soluções racionais e lógicas, mas antes de uma entrega total enquanto pessoa. Por autonomia entende-se a capacidade que cada um tem de utilizar os recursos internos em interação com os externos ao serviço do desenvolvimento e da aprendizagem. Responsabilidade, por seu turno, define-se como a capacidade de tomar decisões e escolher assumindo o resultado dessa escolha, seja ela feita individualmente ou em grupo. É-se responsável quando se assume o controlo de algo e se é capaz de responder por. A responsabilização pelo resultado só pode surgir se tiver havido liberdade na escolha do caminho.

3. Autenticidade

  • É uma questão de saber em que medida as decisões são fundamentalmente dirigidas pelos próprios, a partir da identificação das suas próprias necessidades, ou se, pelo contrário, se é dirigido pelo professor, por convenção ou autoridade. De que modo nos relacionamos com as situações e em que medida aceitamos as coisas? Porque estão na moda? Por que nos dizem para fazermos? Ou porque atribuímos conscientemente valor ao que escolhemos e ao caminho que decidimos trilhar? Deborah Tannehill (2016 – 10º CNEF) afirma que as opções curriculares precisam refletir os interesses e personalidades dos estudantes, a cultura da escola e os recursos da comunidade. Propõe que os professores de educação física devem orientar a sua abordagem em função do aluno em vez de uma abordagem centrada nas matérias, colocando a aprendizagem dos alunos no coração do ensino. Sugata Mitra, com a sua “Experiência do Buraco na Parede” provou que:
    • As crianças podem-se ensinar a elas próprias.
    • A educação é um sistema auto-organizado onde a aprendizagem é um fenómeno emergente.
    • As crianças conseguem com frequência responder a questões muitos anos à frente dos conteúdos que estão a aprender nas escolas.

4. Complexidade

  • Tendo em conta que deve integrar múltiplas dimensões (individuais, coletivas, psicológicas, sócio culturais, técnicas, etc, os projetos relacionam-se com o vivido e a sua complexidade. A complexidade exige que associemos os contrários, que se utilizem o erro e a tentativa, o preciso e o impreciso. Organizar e reorganizar, integrando desorganização.

5. Criatividade

  • A novidade não emerge do nada. Como dizia Marcel Proust, “a verdadeira viagem de descoberta não consiste em buscar novos territórios mas em ter novos olhos”. Muitas vezes, uma ideia nova é uma combinação de ideias já conhecidas, ou seja, uma recriação de uma ideia antiga num contexto novo. A realização de um projeto implica a recriação de informação humana e, como tal, a divergência para evitar a instalação da rotina.

6. Processo e produto

  • Um projeto é uma construção progressiva que tem um início, um meio e um fim que se interligam. Há lugar ao desenvolvimento de um trabalho estruturado e faseado que se elabora pouco a pouco como resultado das ações e que se vai modificando em função dessas mesmas ações e dos seus efeitos. Para além disso, um projeto tem de ter um momento de síntese final, dando origem a um produto que é dado a conhecer e cuja avaliação pode/deve dar origem a novas interrogações e, consequentemente, a novos projetos. Movimento em espiral, porque tudo o que se vivencia em cada processo/projeto é único e personalizado.

Os alunos aprendem mais e melhor se for aplicado métodos ativos:

  1. Discussão em Grupo.
  2. Realizar pela prática ou pela escrita.
  3. Ensinar outros | utilização imediata.


Bibliografia:

  • Helder Guerra de Resende. 2011. Metodologias de ensino em educação física: os estilos de ensino segundo Mosston e Ashworth. – PDF
  • Ernest O’Boyle & Herman Aguinis (2012). The best and the rest: revising the norm of normality of individual performance: PDF
  • Benjamin S. Bloom (1984); “The 2 Sigma Problem: The Search for methods of Group Instruction as Effective as One-to-One Tutoring”; Educational researcher; Vol. 13; Nº 6; jun-jul 1984; pp. 4-16: PDF
  • Javier Piñeiro-Cossio e col. Psychological Wellbeing in Physical Education and School
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  • Karen Martin. 2010. Brain Boost Sport and Physical Activity Echance Children’s Learning: PDF
  • Márcia Gozzi e Helena Ruete. 2006. Identificando estilos de ensino em aulas de educação física em segmentos não escolares – PDF
  • Richard Wilkinson and Kate Picket; “Great Equality – the Hidden Key to a Better Health and Higher Scores”: PDF
  • Richard Wilkinson and Kate Picket; “The Spirit Level – Why Equality is beter for everyone”: PDF
  • Richard Wilkinson and Kate Picket; “The Spirit Level (…)”: PDF
  • Todd Rose, Parisa Rouhani and Kurt W. Fisher (2013), “The Science of the Individual”; Mind, Brain and Education: PDF
  • UNESCO. A Practical Guide for School Leaders – Designed to Move ACTIVE SCHOOLS: PDF
  • UNESCO. Active children do better… and so do active schools: PDF
  • UNESCO. Diretrizes em Educação Física de Qualidade – Para gestores de políticas: PDF
  • UNESCO. Educação Física de Qualidade – Diretrizes para políticas | metodologia: PDF
  • UNESCO. Infográfico: Políticas em Educação Física de Qualidade: PDF
  • UNESCO. Carta Internacional da Educação Física, da Atividade Física e do Desporto: PDF
  • University of Birminghan. Outstanding Physical Education Lessons: LIN

  • Adam Grant. Give and Take. W&N
  • Adelina Lopes da Silva e colaboradores. Aprendizagem auto-regulada pelo estudante – perspetivas psicológicas e educacionais. Porto Editora.
  • Bruce K. Alexande. “The Globalization of addiction – a study in poverty of the spirit”
  • Jorge Bento e colaboradores. Universidade do Porto. Desporto Ética e Sociedade. FCDEF
  • Luis Miguel R. Perez. Desarrollo motor Y actividades físicas. Gymnos editorial.
  • Marina Serra de Lemos e Teresa Rio Carvalho. O aluno na sala de aula. Porto Editora.
  • Roberto Carneiro. Fundamentos da Educação e da Aprendizagem. FML.
  • Sílvio Lima. Desportismo profissional – Desporto, trabalho e profissão.. Desporto e Sociedade – antologia de textos.
  • Simon Sinek. O jogo infinito – como se ganha um jogo que nunca acaba? Lua de papel.
  • Virgínio Sá. 1997. Racionalidades e práticas na Gestão pedagógica – o caso do diretor de turma. Instituto da Inovação Educacional.

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