O que é um Jogo?
Jane Macgonigal no início do primeiro capítulo do livro “Reality is Broken – why Games Make us Better and How they can Change the World” coloca a seguinte questão:
- O que é exatamente um jogo?
“A maioria de nós assume uma atitude de desconfiança relativamente aos jogos e até aos jogadores. Esta atitude defensiva faz parte da nossa cultura, parte da nossa linguagem e está muito ligada à forma como usamos as palavras jogo e jogador. Vamos analisar expressões comuns tais como gaming the system (“brincar com coisas sérias”). Se eu afirmar que alguém “está a brincar com coisas sérias” (estás a brincar com isto?! ou comigo?!’), isso significa que esse alguém está a explorar a situação para uso e benefício pessoal, a subverter a lógica, regras, o funcionamento ou ainda a desrespeitar algo ou alguém. Com certeza que esse alguém está tecnicamente a seguir as regras, mas joga de forma que não é suposto fazê-lo. Geralmente não gostamos deste tipo de comportamento. Quando afirmamos que alguém está a “brincar com isto!” estamos implicitamente a inferir que alguém potencialmente abandonou os valores morais e a ética em favor de outras regras que não as convencionais ou corretas. Também usamos o termos “Brincar/jogar” para descrever alguém que manipula outros para conseguir o que quer. Na verdade não confiamos em “brincalhões” (gracejadores, foliões/cínicos) e estamos na defensiva quando alguém “faz jogos/joguinhos (gozo)” e é por isso que avisamos “Não Brinques Comigo!” para reforçar o facto de sermos pessoas sérias. “Brincar/Jogar” não é uma coisa séria e a vida é para ser levada a sério e admoestamos alguém quando age de forma imprudente ou não está a levar a situação a sério. Porém estas metáforas não refletem de forma adequada o que significa verdadeiramente jogar um jogo bem concebido. Apenas refletem os nossos piores receios acerca dos jogos. Porém, se formos honestos não é dos jogos que temos medo, temos medo de não conseguir distinguir quando é que o jogo acaba e a realidade começa.
A escola tendeu desde sempre a assumir uma postura que exclui a vertente lúdica dos valores pedagógicos importantes para o desenvolvimento integral e global das crianças e sendo o trabalho encarado como uma “atividade séria” para os interesses de uma sociedade produtiva, a componente lúdica tem sido excluída com base nessa fundamentação. (…) Entendemos que o Homem não pode, nem deve viver unicamente baseado na prática intelectual da racionalidade nem da atividade técnica, devendo o Homem neste novo século, entender e respeitar a sua vertente sonhadora, poética e lúdica. (…) A escola deve também abrigar no seu espaço os momentos de convívio entre as crianças como parte integrante da construção da sua felicidade. (…) A exclusão das possibilidades lúdicas das crianças do espaço escolar revela uma instituição agarrada aos interesses da sociedade dominante (Maria da Soledade Barradas Estríbio – dissertação de mestrado intitulada as Atividades de Enriquecimento Curricular no Currículo do 1º Ciclo do Ensino Básico – Uma abordagem considerando a opinião dos destinatários).

Os jogos tornam-nos felizes porque são trabalho duro (desafios) que escolhemos para nós próprios (Provações) e parece que nada nos deixa mais felizes do que um trabalho duro com sentido e propósito. Porém, normalmente não pensamos nos jogos como trabalho duro. Além disso, nós jogamos e fomos condicionados a pensar no jogo como o oposto do trabalho. No entanto nada está mais afastado da verdade, de facto Brian Sutton-Smith um psicólogo especialista no brincar/jogar afirmou que: “O oposto do brincar não é o trabalho, mas a depressão!”. Quando estamos deprimidos, segundo a definição clínica, sofremos de duas coisas: um sentimento de inadequação pessimista e um sentimento de apatia (falta de vontade relativamente a toda o tipo de atividade). Se invertermos esses dois estados|traços de personalidade teremos uma pessoa que manifesta um sentimento otimista relativamente às suas capacidades (autoconfiança) e uma precipitação revigorante para a atividade. Um jogo é uma oportunidade para focarmos a nossa energia de forma alegre e otimista em algo que somos bons e gostamos. Por outras palavras a participação no jogo representa uma atitude emocionalmente oposta à depressão.
Todos os jogos partilham 4 traços comuns:
- Objetivo (propósito).
- Regras (Limitam a forma como os jogadores alcançam o objetivo).
- Sistema de feedback (permitem aos jogadores perceberem o quão perto estão de alcançar o objetivo).
- Participação Voluntária (Os que decidem jogar aceitam o objetivo, as regras e o feedback).

Jogos Finitos e Infinitos:
Existe um jogo a partir do momento que existem dois jogadores e existem dois tipos de jogos.
Jogos Finitos:
- São jogados por jogadores conhecidos.
- Há regras fixas e um objetivo previamente acordado que, ao ser atingido, faz com que o jogo termine.
- Existe um árbitro (“Juiz”) que gere as infrações às regras e aplica as sanções adequadas e prescritas pelas leis do jogo.
- Todos os jogadores concordaram jogar segundo as regras e aceitam as penalizações quando as infringem.
- Todos os jogadores usam um equipamento que os identificam como equipa.
- Todos os jogadores concordam que a equipa que tiver conseguido maior número de golos (pontos convertidos) no final de um período de tempo estipulado (finito) ou uma linha de chegada que defina a sequência de chegada dos jogadores, será declarado(a) vencedor(a), o jogo terminará e todos regressam ao seu contexto social original.
- Estes jogos têm sempre um princípio, um meio e um fim.

O jogo desportivo, afirma Pierre Parlebas, representa uma sociedade em miniatura, um verdadeiro laboratório das condutas e das comunicações humanas. Aí se conjugam os problemas de perceção e de decisão, de dinâmica de grupo e de estratégia, de ritualidade e de autoridade. O jogo desportivo está situado no cruzamento do poder de iniciativa individual e de sistemas de coações coletivas. O desporto moderno, nascido num momento em que a sociedade conhecia uma das maiores crises da sua história, vive desde a sua infância as contradições e o mal-estar da sociedade que o produziu. A organização do universo desportivo, feita à imagem duma sociedade que esqueceu, em grande parte, os valores fundamentais que podem dar sentido e esperança à existência humana, não pode deixar de provocar mal-estar e frustração exatamente porque é um jogo finito e promulga uma mentalidade finita.
Educação Física: a pré-ciência da Motricidade Humana:
A Educação Física moderna nasceu num clima intelectual onde predominava o velho empirismo Inglês e, ano mais tarde, o positivismo, afirma Manuel Sérgio em “Motricidade Humana, uma Nova Ciência do Homem”. O anatomo-fisiologismo imperava, quando Jahn Amoros, Ling e seus discípulos lançaram as bases da Educação Física Moderna (…) a qual preiteava também, a seu modo, o paradigma cartesiano. Descarte introduziu a separação de mente e corpo, a par da ideia de que o corpo é uma máquina que pode ser completamente entendida em termos de organização e funcionamento. Ora, a adoção do modelo Comportamentalista (behaviourismo) pela Educação Física representa o ponto mais alto, mais marcante da abordagem mecanicista do ser humano. Este modelo mecanicista da EF está bem representada nos PEF (Programas de EF) que privilegiam a decomposição dos padrões motores (padronização) da técnica desportiva em elementos mais simples para serem automatizados (estamos a falar do corpo máquina e a programação motora pela automação e eficácia). No behaviourismo o sujeito resume-se à realidade orgânica e o estudo do movimento “finito” por meios (“Métricas”) unicamente mensuráveis.
Jogos Infinitos:
- Envolvem jogadores conhecidos e desconhecidos.
- Não há regras exatas ou com as quais todos tenham concordado. Embora possam existir convenções ou leis que regem o comportamento dos jogadores, eles podem operar como quiserem dentro dessas fronteiras amplas. E se decidirem romper com a convenção, podem fazê-lo.
- A forma como cada jogador decide agir é inteiramente com ele.
- Também pode mudar a qualquer momento a forma como joga, seja por que razão.
- Os jogos infinitos têm horizontes temporais infinitos. Ao contrário dos jogos finitos, verifica-se o contrário, é o jogo que prossegue e é o tempo dos jogadores que se esgota porque num jogo infinito, não se ganha ou perde, os jogadores simplesmente desistem quando se lhes acabam os recursos e/ou a vontade para continuar (nos negócios chamamos isso de bancarrota ou às vezes, fusão ou aquisição), num casamento chamamos divórcio. Isto significa que para ter êxito no Jogo Infinito dos negócios, temos de deixar de pensar em quem ganha ou quem é melhor e começar a pensar em como construir organizações suficientemente fortes e saudáveis para prosseguirem no jogo por muitas gerações de forma sustentável.
- E como não há uma linha de chegada, um final real para o jogo, não existe a noção de “ganhar”: o principal e único objetivo é continuar a jogar, perpetuar o jogo.

Participação finita no Jogo Infinito da Vida.
O “Jogo da Vida” é “Infinito” e pese embora o facto de apenas participarmos durante um período finito de tempo, podemos adotar dois tipos de mentalidade face ao “jogo da vida”
- Mentalidade finita: vivemos como se o mundo acabasse no momento da nossa morte e vivemos ao serviço do nosso ego e de conquistas imediatas e efémeras (vitórias) sem ponderar as consequências a longo prazo (depois da nossa morte) para os jogadores que herdam o jogo e passam a contracenar, desempenhando também os seus papeis finitos. O modelo Desportivo Olímpico Competitivo prepara-nos para uma visão finita da vida e do sucesso e privilegia a padronização do movimento como forma de encaixar num mundo padronizado que permite a comparação e avaliação através de métricas finitas.
- Mentalidade Infinita (Objetivos Nobres): vivemos com plena consciência que o jogo da vida continua depois da nossa morte e que se adotarmos ações éticas e nobres, e estabelecermos objetivos sustentáveis ao serviço dos outros, aqueles que herdarem o jogo poderão beneficiar de melhores condições, maior felicidade e harmonia, mesmo que não estejamos cá para ver (Bom legado). “O principal e único objetivo é continuar a jogar, perpetuar o jogo” respeitando as leis orgânicas da natureza. Segundo Manuel Sérgio, o licenciado (ou mestre, ou doutor) em motricidade humana é assim o agente do ensino, ou o investigador, ou o técnico que, no exercício da sua profissão, procura a libertação dos corpos, rumo à transcendência. Nesta perspetiva, a Motricidade Humana deixa de ser tão só movimento meramente mecânico, performance atlética, para se transformar na palavra do humano, na sua totalidade, desde o lúdico, passando pelo ergonómico e até ao sagrado (Manuel Sérgio) Ouvir a voz do corpo significa estar atento a um ser-no-mundo, a um ser-que-sente, a um ser-que-joga, a um ser que se movimenta para transcender e transcender-se no Jogo Infinito da Vida. Educação de Corpo Inteiro (Educação Motora).
Por exemplo, embora a escola possa ser finita, uma educação vencedora também é coisa que não existe afirma Simon Sineck. Podemos derrotar os outros candidatos a uma promoção ou a um emprego, mas nunca ninguém é proclamado vencedor no que respeita a carreiras profissionais ou no sucesso académico, quando muito pode receber um louvor ou um prémio pontual, mas o jogo da vida continua, apenas concluiu uma etapa porque a escola da vida apenas começou. Embora as nações possam competir a uma escala global, seja por território, por influência ou por vantagens económicas, não existe uma política mundial vencedora. Por muito bem-sucedidos que sejamos em vida, quando morremos, nenhum de nós será proclamado o vencedor da vida. E não existe seguramente uma empresa vencedora e muito menos uma escola vencedora (rankings fictícios). Todas estas coisas são percursos, não são acontecimentos.
No entanto, ao escutarmos o discurso de tantos dos nossos líderes de hoje é como se eles não soubessem o jogo em que estão a participar, falam constantemente em “ganhar” e andam obcecados com “derrotar a concorrência“, anunciam ao mundo que são “os melhores“, afirmam que a sua visão é ser “o número um”; só que, em jogos sem linhas de chegada, todas estas coisas são impossíveis.
Quando se lidera com uma mentalidade finita num jogo infinito, isso leva a todo o tipo de problemas, sendo os mais comuns a perda de confiança, de cooperação e de inovação. Pelo contrário, liderar com uma mentalidade infinita num jogo infinito faz-nos realmente avançar numa direção melhor.
Programas de Educação Física baseados em jogos Finitos!
É comum escutarmos, por parte daqueles que defendem a vinculação dos objetivos e conteúdos da Educação Física ao modelo Desportivo (Jogos Finitos) enquanto pilar da formação dos jovens (referencial axiológico), os seguintes argumentos – racionalizações lógicas (Neocórtex):
- O desporto facilita o desenvolvimento de competências sociais como a cooperação e o trabalho em equipa.
- A prática do desporto promove a saúde e estilos de vida saudáveis.
- O desporto é uma forma salutar de desenvolver valores para a vida.
- O desporto prepara-nos para vencer no jogo da vida!

Levanta-se uma questão totalmente legítima baseada na teoria do jogo:
- Como é que preparamos e apoiamos os jovens para se tornarem cidadãos responsáveis e ativos e desenvolvam as competências e valores para os desafios do século XXI se privilegiamos uma mentalidade finita (Jogos Finitos: Basquetebol, Andebol, Futebol, Voleibol, … etc …) quando o “jogo Social” nas suas várias dimensões, é um Jogo Infinito?!…
- Quais são as consequências inerentes ao facto da EF usar Jogos Finitos na Formação dos alunos?
- Perda de confiança.
- Diminuição da Cooperação.
- Diminuição da Inovação.
Isto significa que existem dois tipos de pedagogia em função do tipo de crenças – Jogos:
- Jogos Finitos: Pedagogia Linear: baseia-se na filosofia mecanicista do mundo de Thomas Hobbes: “os seres humanos são bonecos cujos fios são puxados pelas forças em jogo no mundo”. Se a humanidade era um mecanismo de relojoaria, assim o era o universo. Os planetas e as estrelas estavam em revolução como as rodas de um relógio concebido por Deus, o relojoeiro cósmico. Se o Universo era um mecanismo de relojoaria, a melhor forma de o compreender seria desmontá-lo peça por peça: aplicar a metodologia reducionista da ciência. Foi precisamente essa abordagem que Hobbes escolheu para analisar o funcionamento da sociedade: resolvê-la-ia nas suas partes constituintes e distinguiria nos seus movimentos e forças causais mais simples. Hobbes definiu o poder como a capacidade de assegurar bem-estar ou vantagem pessoal “para obter um bem aparente futuro”. Assim, o modelo de sociedade de Hobbes gira em torno da suposição de que as pessoas procuram acumular poder até um nível pessoal de saciedade que varia entre indivíduos – “A vida é procura de poder!”. Se o jogo desportivo, como foi anteriormente referido citando Pierre Parlebas, representa uma sociedade em miniatura, um verdadeiro laboratório das condutas e das comunicações humanas onde se conjugam os problemas de perceção e de decisão, de dinâmica de grupo e de estratégia, de ritualidade e de autoridade, torna-se claro o motivo pelo qual a Educação Física escolheu o desporto como modelo finito de simulação e programação social dos alunos. Este reproduz o sistema de crenças da filosofia mecanicista onde o jogo desportivo, analisado através da ótica das ciência do desporto, é decomposto nas suas componentes técnicas, táticas e regulamentares. Os alunos são preparados para uma visão finita do jogo da vida onde passam a orientar-se em função da necessidade de acumulação de poder, “A vida é procura de poder!” representado pela vitória no jogo da vida sobre os outros, considerados adversários:
- Invariabilidade das ações técnico-táticas.
- Invariabilidade das Regras do Jogo.
- Linearidade dos Princípios Táticos elementares:
- Objetivos ofensivos e defensivos.
- Fases ofensivas e defensivas.
- Princípios Gerais imutáveis.
- Invariabilidade dos Princípios específicos do ataque e da defesa.
- Jogos Infinitos: Pedagogia Não-Linear – Seres Humanos enquanto Sistemas Adaptativos Complexos que interagem num contexto complexo. A educação Física do século XXI tem obrigatoriamente de alterar o seu sistema de crenças. Joel de Rosnay (1975), num excelente livro intitulado “O macroscópio”, quando aborda a necessária emergência de novos valores na atual sociedade, tanto na esfera do trabalho (economia) como da educação em geral, refere que a competição profissional foi considerada até hoje como uma motivação saudável rumo ao êxito. O novo pensamento rejeita toda a competição herdade na tradicional luta pela vida ou poder como refere Hobbes. Repudia toda a ideia de comparação simplista baseada na excelência e no mérito, uma vez que tais comparações conduzem geralmente a uma classificação arbitrária entre os indivíduos, a juízos de valor que limitam e empobrecem as relações humanas. A sociedade, liberta da ideia de competição, não surge já como uma selva, mas como uma comunidade de interesses cuja evolução assenta na ajuda mútua, na cooperação, na educação recíproca, no partenariado (Ensino das estratégias recorrendo às inteligências múltiplas).

Métricas Finitas:
Poucos indicadores nos Jogos Finitos:

Se estamos interessados no Modelo da Educação, não começamos a partir da mentalidade da linha de produção (Conformidade e Normalização/Testes Normalizados), devemos ir exatamente na direção oposta. Sir Ken Robinson “Changing Education Paradigm” RSA Animate.
A principal obsessão do atual sistema educativo é a avaliação (Métricas) e para que se consiga um maior grau de validade na aplicação dos instrumentos de avaliação torna-se imperativo a normalização dos programas, dos métodos de ensino e dos instrumentos de recolha de informação da prestação dos alunos (competências). O método qualitativo é usado por professores de EF e na sua forma mais simples consiste numa avaliação da execução baseada numa simples observação mas na sua forma mais completa consiste numa avaliação sistemática da habilidade motora ou das variáveis de um jogo:
- Testes Normalizados – Provas de Aferição.
- Protocolos de Testes de Aptidão Física Padronizados (Valores de Referência – Análise Quantitativa).
- Nomogramas (Análise Quantitativa) – os instrumentos de avaliação dos jogos desportivos coletivos recorrem aos índices numéricos que permitem situar os alunos em determinado nível de jogo usando dois referenciais (índice de eficácia e volume de jogo).
- Análise Qualitativa do Exercícios Critério – número de componentes críticas corretas na execução do padrão de movimento durante a execução de um gesto técnico comparativamente ao Padrão Motor Biomecanicamente correto.
Isto torna-se um contracenso, um paradoxo quando o Ministério da Educação pretende que o perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória privilegie o pensamentos crítico e criativo (divergente), a autonomia e a construção de conhecimento. Isto é impossível quando aplica uma mentalidade finita que não prepara os alunos para o jogo infinito da vida?!…

Faz todo o sentido que o SPEF e o CNAPEF defendam os atuais PEF (Programas de EF) porque lhes permitem normalizar a EF e assim conseguir maior validade nas métricas. Desta forma conseguem a sua tão aclamada paridade com as restantes disciplinas e o reconhecimento ansiado. Porém, matam um dos principais objetivos da EF que é o ecletismo e não preparam os alunos para o jogo infinito da vida permitindo-lhes criatividade adaptativa e flexibilidade existencial tão necessárias para lidar com a impermanência dos episódios da vida (situações de jogo não lineares).

Será esta mentalidade de linha de produção recorrendo a Jogos Finitos a melhor estratégia para preparar os alunos para o Jogo Infinito da Vida?
Indicadores Múltiplos nos Jogos Infinitos:
Não existe uma meta para a saúde mas um percurso porque se deve investir constantemente (infinitamente) na saúde. Esta depende da aptidão física a qual oscila em função do investimento sistemático em atividades física regular (estilos de vida saudáveis). Um estilo de vida é um “Jogo Infinito” não é uma condição finita, uma meta nem sequer existem vencedores. O investimento numa prática de atividade física regular não depende da vitória sobre ninguém ou da derrota dos adversários que ambicionam a melhor saúde, este é um pensamento ridículo e caricato. Um estilo de vida saudável representa um conjunto de escolhas muito pessoais e diferentes de indivíduo para indivíduo e não existem termos comparativos ou métricas (Os parâmetros fisiológicos são muito pessoais e por isso existe o modelo do personal training). Nos jogos finitos há uma única estatística, sobre a qual todos estão de acordo, que separa o vencedor do vencido, coisas como o número de golos marcados, cestos convertidos (recolhidos através de Nomogramas – índice de eficácia e volume de jogo), a velocidade ou a força, o número de abdominais ou percursos no teste de aptidão física (Vai-Vem) ou ainda a qualidade da execução técnica relativamente às componentes críticas do padrão motor (gesto técnico). Nos jogos infinitos os indicadores são múltiplos e é por isso que nunca é possível declarar um vencedor.

- Andrea C. Skelly et al. Assessing bias: PDF.
Na análise estatística, uma variável confundente (variável oculta) é uma variável estranha num modelo estatístico que se correlaciona (positiva ou negativamente) com a variável dependente e a variável independente. Como é que cada indivíduo lida psico-emocionalmente (coping) com os fatores epigenéticos (ambiente familiar, ambiente social escolar, stress na realização de uma avaliação, etc…) e de que forma estes influenciam a sua prestação numa avaliação em Educação Física. Como foi referido, as métricas finitas não permitem conhecer realidades infinitas.
Ao longo das últimas duas décadas, uma acumulação significativa e substancial de evidências tem vindo a mostrar a dificuldade em se inferir o que quer que seja acerca dos indivíduos a partir de conclusões tiradas com base numa população ou amostra. Molenaar (2004) argumenta que tais inferências só são possíveis em condições muito estritas designadas por pressupostos ergódico que nunca se adequam para os indivíduos.

Para além disso, as evidências são crescentes e vão no sentido de provar que, com maior frequência, do que se pode supor, as conclusões tiradas com base em amostras, representam:
- Na melhor das hipóteses, um pequeno conjunto de indivíduo.
- No pior dos casos, são artifícios estatísticos que não representam ninguém.
Bibliografia de suporte:
- Todd Rose, Parisa Rouhani and Kurt W. Fisher (2013), “The Science of the Individual”; Mind, Brain and Education: PDF
- S. J. Howard et al. Behavioural and fMRI evidence of the differing Cogntive load of Domain-Specific assessment. Neuroscience 297 (2015) 38-46: PDF
- Steven J. Howard et al. The method of educational assessment affects children’s neural processing and performance: behavioural and fMRI Evidence. Science of Learning. 2017. PDF
O nosso argumento é que os indivíduos se comportam, aprendem e se desenvolvem de formas muito distintas, mostrando padrões de variabilidade que não são capturados pelos modelos que se baseiam nas médias estatísticas. Desta forma, qualquer tentativa significativa que procure desenvolver a ciência da individuo começa necessariamente por ter em consideração a variabilidade individual que é pervasiva em todos os aspetos do comportamento e em todos os níveis de análise.
A ciência do grupo é um pobre substituto para uma verdadeira ciência do individual. Todd Rose
Benefícios de uma Mentalidade Infinita
Novo Paradigma da Educação Física e os Jogos Infinitos:
No jogo infinito, o verdadeiro valor de uma organização (Escola; Subdepartamento de Educação Física) não pode ser medido pelo êxito conseguido com base num conjunto de estatísticas arbitrárias em intervalos de tempo arbitrários (Resultados da Avaliação interna: Sumativa e Externa Normalizada: Provas de Aferição) – cada aluno tem o seu ritmo de aprendizagem e muitos não alcançam a sua melhor prestação no momento da avaliação por falta de tempo para desenvolver as competências motoras. O verdadeiro valor de uma organização mede-se pelo desejo que os outros têm de contribuir para a capacidade dessa organização continuar a ser bem-sucedida, não apenas durante o tempo em que lá estão, mas muito para além disso.
Enquanto um líder (Diretor) com um estado de espírito finito trabalha para conseguir alguma coisa dos seus funcionários (Professores), clientes (Alunos) e acionistas (Pais) de forma a ser capaz de cumprir estatísticas arbitrárias (rankings), o líder de mentalidade infinita trabalha para garantir que os seus atores (Professores, Alunos e Pais) se mantenham motivados para continuar a contribuir com o seu esforço e o seu investimento. Os jogadores com uma mentalidade infinita querem deixar a sua organização em melhor forma do que a encontraram.
Objetivo do Líder e do PEF essencialmente focados em como a “venda” dos serviços educativos Beneficia a Escola e a sua Reputação:
- Um Líder com um estado de espírito finito joga para acabar o jogo – para ganhar: para que os seus alunos obtenham os melhores resultados nas avaliações externas normalizadas e a escola esteja bem cotada nos rankings nacionais.
- Um Professor de Educação Física (PEF) com um espírito finito joga para acabar o jogo no final do ano letivo e no final de ciclo – para ganhar: significa para ele que os seus alunos adquiram as Aprendizagens Chave – competências motoras prescritas pelo Programa Nacional de Educação Física e tenham positiva (Segundo a Norma Vitoriana – acima de 50%).
- Os jogadores com uma mentalidade finita tendem a seguir padrões que os ajudam a atingir as suas metas pessoais dando menos importância aos efeitos da ondulação (reverberações) que isso pode causar.

Mentalidade finita: joga-se para ganhar – realidade bidimensional
Objetivo do Líder e do PEF essencialmente focados em como os serviços educativos vão beneficiar os alunos a longo prazo:
- Os líderes de mentalidade infinita não pedem aos seus colaboradores (Professores) que se fixem em metas finitas; pedem-lhes que os ajudem a descobrir uma maneira de avançar no sentido de uma visão do futuro mais infinita, que beneficie a todos. As metas finitas tornam-se marcadores do progresso rumo a uma visão. E quando todos se focam na visão infinita, isso não só fomenta a inovação como também melhora os resultados.

Mentalidade infinita: joga-se para se permanecer em jogo até que se acabe a vontade ou se esgotem os recursos. Realidade tridimensional
- Um Professor de EF (PEF) de mentalidade infinita não pede aos seus alunos que automatizem padrões motores para uma avaliação final e para passar à disciplina (ênfase nas matérias). Pede aos seus alunos que o ajudem através do “game designer” a criar os seus próprios jogos em função das Experiências MDE (Mecânica, Dinâmica, Estética) que sejam importantes para eles num dado momento do seu processo/percurso de desenvolvimento pessoal. A organização dos percursos curriculares de cada aluno (PCI – percursos Curriculares Individualizados) deverão ser personalizados, permitindo que cada aluno compreenda como se deve preparar para o jogo infinito da vida fazendo as escolhas certas e adequadas aos seus objetivos pessoais. Deve adquirir as competências que lhe permitam materializar os seus objetivos, escolher os métodos de organização da carga física adequados e a escolha e organização correta dos exercícios e jogos adequados aos seus objetivos.

No modelo “Game Designer” a MECÂNICA (regras e componentes do jogo) são estruturadas em função das experiências ESTÉTICAS e DINÂMICAS que se pretendem desenvolver e das respetivas competências emocionais e sociais. O movimento é uma constante inerente à DINÂMICA do jogo.
As opções curriculares precisam refletir os interesses e personalidades dos estudantes, a cultura da escola e os recursos da comunidade. Deborah Tannehill Propõe que os professores de educação física devem orientar a sua abordagem em função do aluno em vez de uma abordagem centrada nas matérias, colocando a aprendizagem dos alunos no coração do ensino. Deborah Tannehill (2016 – 10º CNEF).

O Projeto Game Designer inverte a ordem de conceção dos jogos. Primeiro seleciona-se o tipo de experiências Estéticas que se pretende explorar bem como o tipo de interações entre os atores do jogo. Finalmente, a mecânica do jogo (regras e componentes do jogo) deve facilitar a eclosão das emoções pessoais e relacionais a explorar.
- Porquê Jogamos – Motivação – dimensão afetiva (Emocional) – Experiências MDE (Mecânica, Dinâmica e estética).
- Como Jogamos – Que tipo de relações vamos privilegiar no jogo – que interações pretendemos fomentar? Quais as competências sociais?
- O que vamos jogar – que regras e componentes do jogo vamos escolher para concretizar o nosso Porquê? Objetivo inicial?
Sabedoria Prática
A escola está concebida e projetada para ninguém (“Mito da Média“), e no entanto, continuamos a aceitar o insucesso como um facto normal da vida académica: uma punição para os preguiçosos e uma recompensa para os trabalhadores. Barry Schwartz afirma que “substituir a sabedoria por regras não funciona! (Despacho n.º 5908/2017)” Para Aristóteles saber como “dobrar a régua/regra” para que esta se adapte às circunstâncias é exatamente o que significa Sabedoria Prática. E todos sabemos que a escola permite pouco ou nenhum espaço para se fugir dos guiões (Programas, Currículos, Regulamentos, normas uniformes e rígidas, etc…).


Se a tecnologia não funciona ou não serve o seu propósito, desaparece porque ninguém a compra. Porém, as ideias e sobretudo as falsas ideias sobre os seres humanos (Tecnologia das Ideias) prevalecem a partir do momento que as pessoas acreditam que são verdadeiras. Quando isso acontece, elas criam hábitos de vida e Instituições consistentes com essas falsas ideias. A estrutura das instituições na qual as pessoas trabalham, criam pessoas que são aptas às exigências e objetivos dessas mesmas instituições privando-as da oportunidade de sentirem satisfação pelo seu trabalho, algo que consideramos normal. Nós moldamos a natureza humana moldando as instituições nas quais as pessoas vivem e trabalham.
É impossível preparar pessoas para o jogo infinito da vida através de uma pedagogia do jogo finito. Quando usamos uma mentalidade finita num jogo infinito, aumentam as probabilidades de nos vermos num atoleiro, a consumir aceleradamente a vontade e os recursos de quem precisamos para continuar a jogar. Os alunos resistem ao processo de amestramento e os professores esgotam-se a forçar um sistema inorgânico a funcionar.
A escolha de liderar (Professores de Educação Física) com uma mentalidade infinita é menos como nos preparamos para um jogo e/ou avaliação de futebol, mais como tomar a decisão de ficar em forma (Educação Física alicerçada no Paradigma do Wellness – Saúde e bem-estar Integral – em vez do Paradigma Desportivo – Literacia Desportiva). Para ficar em forma, não há uma única estratégia ou método que possamos adotar. Não é possível num conjunto de unidades didáticas esperar ficar em forma. Mas se participarmos regularmente durante 60 minutos, pelo menos 2 a 3 vezes por semana, com um programa de exercícios adequados e individualizados, não há dúvida que ficaremos em forma. A consistência torna-se mais importante do que a intensidade. E os resultados serão diferentes para cada aluno em cada momento e pessoas diferentes mostrarão resultados diferentes em momentos diferentes. Mas temos a certeza que funcionará. E embora possamos ter metas finitas a atingir para ficar em forma, quando queremos ser mais saudáveis possível, conta mais o nosso estilo de vida que adotarmos do que alcançarmos ou não o nosso objetivo nas datas arbitrárias que fixamos (avaliações intercalares, de final de semestre ou de final de ano letivo). Em qualquer regime saudável, há certas coisas que temos de fazer – comer mais vegetais, fazer exercício físico regularmente e dormir o suficiente, por exemplo.
Os jogos finitos são sedutores para alguns alunos, podem ser divertidos e entusiasmantes, e às vezes até viciantes para outros alunos. Tal como o jogo, cada triunfo, cada golo marcado liberta uma injeção de dopamina nos nossos corpos, encorajando-nos a jogar outra vez da mesma maneira. Porém, muitos alunos sentem exatamente o oposto nos jogos finitos:

A Dor Física e Dor Social produzem respostas idênticas: muitos alunos não conseguem ter sucesso (“positiva”) na aptidão física e/ou nas Atividades Físicas/Jogos (Matérias) por condicionantes inerentes à sua realidade psicológica, emocional, composição corporal (sobrepeso), falta de habilidade motora, etc… O insucesso desencadeia mecanismos e respostas de abandono das atividades. Naomi I. Eisenberger, Matthew D. Lieberman, Kipling D. Williams (2003) realizaram uma investigação sobre a Exclusão Social, recorrendo a imagens de ressonância magnética do cérebro, para determinar se “magoa as pessoas”. (…) Este estudo de neuro-imagem examinou os correlatos neuronais relativos à exclusão social, procurando-se determinar se a hipótese das bases neuronais da dor social são semelhantes às da dor física (…).

- Naomi I. Eisenberger, Mattew D. Lieberman, Kipling D. William (2003); “Does Rejection Hurt? An fMRI Study of Social Exclusion”; Science; Vol. 302, 10 october 2003; pp. 290-292. PDF
- David Rock (2008); “SCARF: a brain-based model for collaboration with and influencing others”; NeuroLeadership Journal, Issue 1; pp. 1-9. PDF
- David Rock (2009); “managing with the brain in Mind”; Oxford leadership Journal; december 2009; Vol. 1; Issue 1; pp. 1-10. PDF
- David Rock (2012); “ SCARF: in 2012: updating the social neuroscience of collaborating with others”; Neuroleadership ournal; Issue 4; pp. 1-14. PDF
Educação Baseada no Jogo Finito
Atualmente, para se conseguir fazer funcionar uma aula de EF torna-se necessário investir energia na extinção de comportamentos desviantes. Podemos falar de uma “violência simbólica” imposta sobre os alunos através dos programas e currículos e pela forma como o jogo finito se organiza. O jogo finito depende muito das métricas fornecidas pelos testes normalizados (Testes de Aptidão Física e Nomogramas).
Como afirma Jurjo Torres Santomé no seu livro “O Curriculum Oculto”, página 94, “quando o poder detido por uma classe social é utilizado para impor uma definição de mundo, para definir significados e apresentá-los como legítimos” (Matérias Nucleares nos PEF – programas de Ed. Física – Jogos Finitos), dissimulando o poder que essa classe tem para o fazer e escondendo, além disso, que essa interpretação da realidade coincide com os seus próprios interesses de classe. Assim, esta violência simbólica reforça com o seu próprio poder as relações de poder nas quais ela se apoia, e contribui dessa forma, para a domesticação do dominado (Bourdieu, P. 1977). A cultura e o processo de enculturação encontra-se dominada pelos interesses de classe (Neste caso as Associações de professores de EF de defendem os objetivos e conteúdos de EF reféns dos jogos desportivos Finitos). Esta violência simbólica vai exercer-se diretamente através da ação pedagógica. De facto, P. Bourdieu e J.C. Passeron declaram de forma explícita que toda a ação pedagógica é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de uma arbitrariedade cultural. Se a ação pedagógica quiser ter êxito na distribuição do capital cultural terá que recorrer à autoridade pedagógica. E é o exercício de uma relação de poder do professor sobre os alunos que privilegia as capacidades fundamentais do século XX devendo o aluno assumir uma postura de recetor passivo e obediente o que contraria os atuais objetivos do Perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória que privilegia as capacidades fundamentais para o século XXI. Neste novo modelo, o trabalho pedagógico não deve contribuir para reproduzir uma interpretação da realidade de acordo com o interesse de uma classe dominante. Deve sim dar referências abrangentes, abrindo caminhos e itinerários divergentes que permitam aos alunos escolher os jogos (Game Designer) bem como os métodos para resolver os problemas que se lhes colocam.
Os PEF (Programas de Ed. Física) e os livros escolares de Educação Física procuram uniformizar no interior do sistema educativo, ao mesmo tempo que contribuem para definir a realidade de uma perspetiva que esteja de acordo com os interesses dos grupos dominantes, neste caso das associações de Professores de EF que defendem os interesses das Federações Desportivas, do Comité Olímpico de Portugal e da sua principal linguagem, o modelo desportivo competitivo (Jogos Finitos).
De facto estamos perante um conjunto de sintomas que mostram o desgaste deste modelo educativo baseado nos Jogos Finitos (fechados) e o cansaço e desinteresse dos alunos por uma Educação Física desatualizada e anacrónica. O desenvolvimento das capacidades do século XXI exige uma abordagem baseada numa mentalidade infinita no espaço de aula e o abandono dos programas de EF demasiado prescritivos e centrados nas matérias e no Professor Treinador.

Os investigadores sabem que a ansiedade e depressão está fortemente correlacionada com o sentido pessoal de controlo ou falta de controlo nas nossa vidas. Aqueles que acreditam ou sentem que possuem maior controlo sobre o seu próprio destino (autonomia), possuem menor probabilidade para manifestar ansiedade ou depressão do que aqueles que se sentem vítimas das circunstâncias que ultrapassam o seu controlo (falta de autonomia = heteronomia). Julian Rotter no final dos anos 50 desenvolveu um questionário com uma escala para avaliar o que designou por “Escala Interna-Externa do Foco de Controlo” (Internal-External Locus of Control Scale). O foco no controlo interno significa que o individuo sente que controla, o foco no controlo externo significa que o indivíduo se sente controlado pelas circunstâncias ou por uma pessoa externa – Heteronomia). Foi feita uma análise dos resultados dos estudos que usaram esta escala em grupos de estudantes desde 1960 até 2002 e descobriram que neste intervalo de tempo, as médias mudaram dramaticamente do sentimento de Controlo Interno para o Controlo Externo no limite da escala. A mudança foi tão significativa que a média dos jovens, em 2002, declarava uma grande falta de controlo pessoal. Da análise dos estudos em crianças dos 9 aos 14 anos, entre 1971 e 1998, descobriram que o aumento do controlo externo foi ainda maior na escolaridade elementar do que nos estudantes do 3º ciclo e/ou secundário (usando a nossa terminologia). Simultaneamente a este aumento do controlo externo pelos adultos tem-se verificado um aumento da depressão e ansiedade o que permite estabelecer uma relação entre ambas.
Temos o Poder de Mudar o Jogo

Sintomas de desgaste da escola
Não devemos esquecer os vários sintomas que mostram claramente um desgaste e desadequação da atual mentalidade finita da escola:

A escola é um lugar onde as crianças são obrigadas a estar e onde a liberdade delas é muito restrita – muito mais restrita do que a maioria dos adultos toleraria nos seus locais de trabalho!… A escola joga um jogo Finito e organiza-se em função deste referencial axiológico. Peter Gray
Peter Gray afirma que as crianças perdem a sua motivação quando perdem a possibilidade de escolha, quando o adultos estão no comando, e como tal elas não aprendem as lições primárias, como estruturar as suas próprias atividades, resolver os seus problemas e assumir a responsabilidade pelas suas vidas. As crianças aprendem muitas lições com valor nos jogos informais (infinitos) que não aprendem no desporto organizado (jogos finitos).
No seu livro “Free to Learn” (2013), Peter Gray apresenta dados que mostram o aumento das desordens mentais nas crianças como consequência da diminuição da sua liberdade. Se amamos as nossa crianças, e queremos que elas prosperem, devemos permitir-lhes mais tempo e oportunidades para brincar e para escolherem os jogos e exercícios em função dos seus objetivos e motivações pessoais. Porém, os nossos valores culturais privam as crianças de algo fundamental. O argumento que justifica a escola a tempo inteiro advém do pressuposto que elas precisam desse tempo para se prepararem para o mundo competitivo de hoje e de amanhã (criança objeto). Porém vimos que o Jogo da Vida é um Jogo Infinito onde se joga, não para ganhar, mas para nos mantermos em jogo segundo valores e princípios morais elevados.

Maria da Soledade Barradas Estríbio, na sua dissertação de mestrado intitulada as Atividades de Enriquecimento Curricular no Currículo do 1º Ciclo do Ensino Básico – Uma abordagem considerando a opinião dos destinatários refere um excessivo tempo escolar, a pouca disponibilidade para as brincadeiras, em resultado de um horário escolar totalmente preenchido, e qual o tempo para a realização das tarefas escolares, designadas por “Trabalhos de Casa”. (…) A escola tendeu desde sempre a assumir uma postura que:
- Exclui a vertente lúdica dos valores pedagógicos importantes para o desenvolvimento integral e global das crianças.
- O trabalho escolar é encarado como uma “atividade séria” para os interesses de uma sociedade produtiva.
- A exclusão das possibilidades lúdicas das crianças do espaço escolar revela uma instituição agarrada aos interesses da sociedade dominante (…) uma conceção vergada aos interesses do homem produtivo.
- A Educação Física parece constituir-se como a atividade de enriquecimento curricular que mais se aproxima do conceito de vertente lúdica natural nas crianças, com o desempenho de jogos e brincadeiras. (…)
- A “escola a tempo inteiro”.
Porquê?

O Círculo Dourado de Simon Sineck.
O que Fazem – Produto?
- 100% dos Professores de Educação Física sabem o que fazem: foram bem preparados para o fazer – pedagogia/Literacia Desportiva.
Como Fazer-Método?
- 100% dos professores de Educação Física sabem como o fazer: ensinar as matérias nucleares através do domínio da imagem mental dos padrões de movimento associados à técnica desportiva das Matérias Nucleares (pedagogia desportiva) usando o modelo reprodutivo. Através da instrução orientam os alunos durante uma prática repetitiva das habilidades motoras as quais são decompostas em componentes de ação separados para facilitar a sua automatização.
Porquê-Propósito?
- Porém, quantos Professores de Educação Física sabem porque o fazem: O verdadeiro Porquê? refere-se ao propósito, uma causa ou crença, um Objetivo Nobre de serviço ao outro!… É a verdadeira razão que nos faz levantar cedo da cama todos os dias com gosto e vontade de estar com os alunos sabendo que o que faz o preenche e realiza enquanto pessoa e serve os alunos, empoderando-os e permitindo-lhes o gosto, alegria e satisfação na descoberta através do movimento!…

E os alunos, sabem o Porquê do que Fazem?
O que fazem – Produto?
- As métricas da avaliação sumativa mostram que o desempenho dos alunos segue o perfil da curva de Gauss. Um pequeno grupo de alunos sabem muito bem o que fazem dominando os jogos desportivos finitos (matérias nucleares) e têm 5. Um grupo maior de alunos, conhece relativamente bem os jogos e situa-se entre o 3 e o 4. E um grupo pequeno de alunos, não compreendem o que fazem e têm classificações entre o 1 e o 3.
Como Fazem – Método?
- Seguindo o mesmo raciocínio anterior, um pequeno grupo de alunos sabe executar muito bem, um grupo maior de alunos tem algum domínio dos jogos finitos e um pequeno grupo não domina os jogos.
Porquê – Propósito?
- Por que são obrigados por lei a frequentar a escola e a cumprir os currículos!…
- Porque existe uma autoridade pedagógica (professor – poder arbitrário) que distribui o capital cultural através de uma violência simbólica enquanto imposição e uma arbitrariedade cultural (Jogos desportivos finitos – matérias nucleares) à qual os alunos devem obedecer e “respeitar”!.
- Porque os programas e currículos são uniformes, normalizados e impostos!…
- Porque praticar desporto faz bem à saúde!…
- Qual o verdadeiro porquê? que faz com que o aluno se levante de manhã da cama com vontade de participar na aula de EF sabendo que tem espaço para explorar criativamente as suas motivações pessoais?!… realizando atividades e jogos que estejam em sintonia com os seus objetivos pessoais…

Unidade na Diversidade: cada nível da organização deve conhecer o seu Porquê?
Roberto Carneiro (2001), no seu livro “Fundamentos da Educação e da Aprendizagem” refere que “a escola em Portugal tem sido considerada um terminal burocrático do Estado” e continua a sê-lo. “Para incorporar o paradigma pós-moderno do conhecimento polissémico no sistema educativo, será preciso resgatar a escola das garras burocráticas do Estado. E isso faz-se restituindo a escola às suas comunidades locais de pertença“. “A escola deve ter total liberdade para criar e levar por diante o modelo educativo que a comunidade quiser (…)”. “O modelo que eu advogo (Roberto Carneiro, 2001)”, chamo-lhe o Modelo 3D:
- Desmassificação e desmonopolização da gestão.
- Descentralização com regulação, controlo e avaliação;
- Diferenciação com noção de serviço público.

Como vimos anteriormente, o aumento das desordens mentais nas crianças são uma consequência da diminuição da sua liberdade. Devemos estar atentos aos vários sintomas que mostram claramente um desgaste e desadequação da atual mentalidade finita da escola. Os perfis de alunos que são descritos a seguir e retratados na literatura refletem o desinteresse dos alunos pela escola e pela Educação Física em particular porque os alunos não sabem “Porque o fazem!” nem têm liberdade para escolher o que fazem e dar-lhe um sentido ou significado próprio!…
Hemorragia do Self – Erosão da Alma Humana: perda de Sentido das coisas que fazemos –
Como Barry Schwartz afirma, “quando os professores não sabem o porquê do que fazem e os alunos também não percebem porque têm de fazer o que lhes é pedido, há dois tipos de respostas que damos, para resolver este tipo de insatisfação geral, quando as coisas não estão a correr bem:
- A primeira resposta é – vamos fazer Mais Regras (Burocracia), vamos criar um conjunto de procedimentos detalhados para assegurar que os professores façam a coisa certa e os alunos cumpram estes procedimentos. Deem guiões aos professores para que os sigam na sala de aula de modo que, mesmo que eles não saibam o que estão a fazer (no pior dos casos) ou não encontrem sentido nesses procedimentos, e para o caso de eventualmente deixarem de preocupar com o bem-estar das crianças (Burnout – Síndrome da desistência do Educador: Exaustão Emocional; Despersonalização; Baixa Realização Pessoal), se seguirem os guiões (Decretos Lei; Despachos Ministeriais; Normativos, etc…) os alunos serão educados.
- A segunda resposta são os incentivos.
Quando os alunos deixam de se identificar com a escola:
Luísa Cristina Fernandes “Os medos dos professores e só deles?” de acordo com os resultados obtidos em múltiplas investigações, a indisciplina dos alunos constitui o principal fator de mal-estar dos professores. O Stresse relacionado com a indisciplina é o fator mais influente no fracasso dos professores, sobretudo nos professores mais jovens e durante os primeiros dez anos de atividade profissional. Hoje em dia também se fala muito sobre o bullying usado para descrever atos de violência psicológica ou física intencionais. A escola deixou de ser encarada como um direito, mas como um dever, contribuindo para o aumento do desinteresse e indisciplina. Quando o professor só utiliza estratégias punitivas para lidar com a indisciplina dos alunos, pode estar a funcionar como modelo agressivo e, para além deste aspeto, pode ser necessário aumentar a frequência e a intensidade destas estratégias para continuarem a ter efeito sobre o comportamento dos alunos. Nem sempre é fácil para o professor ter a presença de espírito e a calma necessárias para chegar ao conflito principal do aluno, uma vez que o professor não lida com um, mas com dezenas de alunos ao mesmo tempo, o que dificulta a tarefa. Normalmente os alunos projetam as suas experiências para o adulto, neste caso o professor, uma vez que sozinhos não as conseguem “digerir”, ou seja, não conseguem contê-las, dar-lhes uma resposta, precisam de um continente para esses conteúdos insuportáveis (…) pode dizer-se que o professor é o continente das angústias dos seus alunos, devido ao vínculo emocional que estabelece com eles. Todos os adultos conhecem a situação em que encontrar alguém capaz de escutar as preocupações tem um efeito tranquilizador. Se o adulto não conseguir ser o “continente” (efeito amortecedor) devolve a angústia ao jovem. O adulto, neste caso o professor, é o continente das emoções do aluno. É importante que o professor conheça as emoções que são projetadas nele e, para aprender a suportá-las, precisa de conhecer as suas e de estar nutrido de muito amor. Hubert Hannoun “Os Conflitos da Educação” refere que os alunos não estão verdadeiramente em comunicação com o professor, mas com a imagem que fazem dele, e esta é muitas vezes o reflexo dos seus próprios conflitos com os pais, consigo próprios. Para o aluno a imagem do professor é sempre dupla, é simultaneamente a de uma pessoa e de um personagem.
- Alunos problemáticos em sala de aula (são difíceis, obrigam ao dispêndio de tempo e são frustrantes):
- Alunos com baixo rendimento académico.
- Alunos com problemas de hostilidade (dificuldades interpessoais; baixa auto-estima; problemas escolares):
- Alunos hostis-agressivos e alunos desafiadores (radical incompatibilidade com a autoridade – constante desafio à figura do professor).
- Alunos passivo-agressivos (argumentam por argumentar, faz o contrário do que lhe é pedido, queixa-se frequentemente das regras, obriga a uma repetição constante das orientações, apresenta frequentemente desculpas pouco plausíveis para não fazer o que deve).
- Alunos que assumem uma Teatralidade no percurso académico: aparentemente interessam-lhe os conteúdos que a escola e as aulas de EF lhes oferece, procuram comportarem-se com respeito pelas normas, cujo transgressão é objeto de sansão, mas não acreditam em nada do que ali se lhes diz, desejam apenas passar pelo sistema educativo sem arranjar problemas.
- Alunos deprimidos que abandonam: faltam sistematicamente às aulas, não gostam das aulas e mostram sintomas de misantropia.

O problema da Educação Física e com a Educação em Geral relaciona-se com o facto de Agirmos com uma mentalidade Finita e deixamos de refletir sobre as crenças que suportam essas ações. Uma mudança de paradigma pressupõe uma reflexão séria e madura sobre o Sistema de Crenças que queremos professar e que irá alicerçar os nossos valores e ações!… e sobretudo o Novo Paradigma da Educação Física.

Porquê?
- Será que a Educação Física tem que ser assim?
- Não haverá outras soluções criativas que permitam à disciplina de EF tornar-se novamente apelativa e os alunos e professores se sintam realizados e preenchidos?!…

Bibliografia:
- Annie Lennar. 2010. The Story of Stuff – How our obsession with stuff is trashing the planet, our communities, and our health – and a vission for change. Constable London. | The Story of Solutions – Changing the Game.
- David Rock. 2009. Your Brain at Work. Harper Business.
- Hubert Hannoun (1975) Os Conflitos da Educação”. Bibliioteca de pedagogia.
- James P. Carse. 1986. Finite and Infinite Games: A Vision of Life as Play and Possibility. New York: Free Press.
- Jane Macgonigal “Reality is Broken – why Games Make us Better and How they can Change the Worls”
- Jia Yi Chow et al. 2016. Nonlinear Pedagogy in Skill Acquisition. Routledge.
- Jurjo Torres Santomé. 1995. O Curriculum Oculto. Porto Editora.
- Luísa Cristina Fernandes. 2008. Os medos dos professores e só deles?. Sete caminhos.
- Marina Serra de Lemos e col. 2002. O aluno na Sala de Aula. Porto Editora.
- Paula Batista e col. 2002. Em movimento – Educação Física Guia Prático – livro do professor. Edições ASA.
- Philip Ball (2004) Massa Crítica. Gradiva.
- Simon Sinek. 2019. O Jogo Infinito. Editora Lua de Papel.
- Todd Rose. 2016. The End of Average – How we Succeed in a world that values Sameness.
