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Brincar - praxias

Brincar é um trabalho sério para as crianças!...

Brincar

Psicologia Evolutiva

Peter Gray afirma que o “declínio da brincadeira está relacionado com a subida de psicopatologias nas crianças e adolescentes”. As crianças foram desenhadas, pela seleção natural, para brincar. Sempre que as crianças têm liberdade para brincar, elas fazem-no. O facto das crianças, nas culturas de caça-recoleção, brincarem e explorarem livremente desde manhã até ao fim do dia, todos os dias, permite-lhes adquirir as competências e atitudes necessárias para se tornarem adultos bem-sucedidos.

Atualmente as oportunidades para as crianças brincarem no exterior com outras crianças, de forma livre e espontânea, tem declinado continuamente. Neste mesmo período, tem-se verificado um aumento dos índices de ansiedade, depressão, sentimentos de desamparo e narcisismo, nas crianças e adolescentes. Peter Gray demonstra a existência de uma relação psicopatológica entre a diminuição da brincadeira livre e os desequilíbrios emocionais (…). Os investigadores sabem que a ansiedade e depressão está fortemente correlacionada com o sentido pessoal de controlo ou falta de controlo nas nossas vidas. 

Julian Rotter no final dos anos 50 desenvolveu um questionário com uma escala para avaliar o que designou por “Escala Interna-Externa do Foco de Controlo” (Internal-External Locus of Control Scale). O foco no controlo interno significa que o individuo sente que controla, o foco no controlo externo significa que o indivíduo sente-se controlado pelas circunstâncias ou por uma pessoa externa – Heteronomia). Foi feita uma análise dos resultados dos estudos e descobriram que as médias mudaram dramaticamente do sentimento de Controlo Interno para o Controlo Externo no limite da escala. A mudança foi tão significativa que a média dos jovens, em 2002, declarava uma grande falta de controlo pessoal.

Questões Fundamentais:

  • Será que, face a esta diminuição do tempo autónomo para  a brincadeira, este tempo deve ser substituir por mais tempo supervisionado pelos professores de EF em Atividades de Enriquecimento Curricular ou Expressões Físico-Motoras?

  • Não será mais sensato, face aos dados apresentados anteriormente, devolver às crianças o seu tempo e espaço para brincar de forma natural e espontânea?

Os investigadores também demonstraram que aqueles que sentem que o foco do controlo é externo têm menor propensão para assumir responsabilidades pela sua própria saúde, pelo seu próprio futuro e pela comunidade onde se inserem do que aqueles que sentem que o foco de controlo é interno.

Maria da Soledade Barradas Estríbio refere que as atividades de enriquecimento curricular suscitam algumas dúvidas e ansiedades nos professores e encarregados de educação. Estes confrontam-se com questões relacionadas com a pouca disponibilidade para as brincadeiras, em resultado de um horário escolar totalmente preenchido. A escola tendeu desde sempre a assumir uma postura que exclui a vertente lúdica dos valores pedagógicos fundamentais para o desenvolvimento integral e global das crianças. Sendo o trabalho escolar encarado como uma “atividade séria” para os interesses de uma sociedade produtiva, a componente lúdica tem sido excluída deste diálogo. Entendemos que o Homem não pode nem deve viver unicamente baseado na prática intelectual da racionalidade, nem da atividade técnica, devendo o Homem, neste novo século, entender e respeitar a sua vertente sonhadora, poética e lúdica. A escola deve também abrigar no seu espaço os momentos de convívio entre as crianças como parte integrante da construção da sua felicidade. A exclusão das possibilidades lúdicas das crianças do espaço escolar revela uma instituição agarrada aos interesses da sociedade dominante. No seu “tempo livre” a criança é “forçada” de uma forma voluntária a aprender informática e a dominar o inglês como língua global, ou a ter aulas de Expressão Físico-motora (sobretudo com jogos assentes na ideologia da oposição e dos seus valores) numa conceção vergada aos interesses do homem produtivo.

Questão muito pertinente:

  • O que é mais importante para as crianças, a Educação Física no 1º ciclo ou o tempo para Brincar?

  • No 1º ciclo, as crianças precisam de Educação Física ou  Psicomotricidade (Psicomotricista) ou Psicocinética?

Peter Gray afirma que as crianças perdem a sua motivação quando perdem a possibilidade de escolha, quando o adultos estão no comando, e como tal elas não aprendem as lições primárias, como estruturar as suas próprias atividades, resolver os seus problemas e assumir a responsabilidade pelas suas vidas. As crianças aprendem muitas lições com valor nos jogos informais que não aprendem no desporto organizado.

 

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  • Carly Wood and Katie Hall (2015). Physical Education or Playtime: which is more effective at promoting physical activity in primary school children? PDF

  • Andrea Stracciolini et al. (2013) Exercise-deficit disorder in children: are we ready to make this diagnosis.The Physician and Sportsmedicine, Volume 41, Issue 1, February 2013.

  • Avery D. Faigenbaum and Gregory D. Myer (2012), Exercise Deficit Disorder in Youth: play now or play later. American College of Sports Medicine. Volume 11 & Number 4 & July/August 2012.

  • Michael Waring et al. (2007) observation of children’s physical activity levels in primary school: is the school an ideal setting for meeting government activity targets. EUROPEAN PHYSICAL EDUCATION REVIEW. Volume13(1):25–40:072672

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  • Peter Gray. (2013); “Play as preparation for learning and Life”; American Journal of Play; Vol. 5, number 3; pp. 271-292:

  • Peter Gray. (2011); “The Decline of Play and the Rise of Psychopathology in Children and Adolescents”; American Journal of Play; Vol. 3, number 4; pp. 443-463

  • Peter Gray; “Free to Learn – Why Unleaching the Instinct of Play will make our children Happier, More Self-reliant, and better students for life”; baric Books

  • Peter Gray (2011); “Freedom to Learn – The roles of play and curiosity as foundations for learning”; Psychology Today Blog

  • Maria da Soledade Barradas Estríbio. As atividades de enriquecimento curricular no currículo do 1º ciclo do ensino básico - Uma abordagem considerando a opinião dos destinatários. Dissertação de mestrado na Faculdade de Ciências e Tecnologias da UNL.

  • Jurjo Torres Santomé.1995. O Currículum Oculto. POrto Editora.

  • Suart J. Fairclough and Gareth Stratton (2005) Physical Activity levels in middle and high school physical education: a review

Psicomotricidade

A importância da orientação pedagógica para a Função Práxica.

A Psicomotriciade foi empurrada para fora dos currículos de formação dos novos Professores de EF tendo sido confinada à dimensão da Educação Especial e Reabilitação de crianças que manifestam dispraxias. Porém, a Psicomotricidade tem muito a dar aos professores de Educação Física, ajudando-os a melhor compreender a dimensão e profundidade da sua intervenção.

Jean le Boulch alertou para os problemas da interpretação que a Educação Física deu ao corpo, vendo-o como um instrumento de rendimento e de precisão gestual tendo sido os movimentos humanos homologados aos de uma máquina, conforme os métodos de análise cartesiana, indo do simples ao complexo e do elemento à totalidade. Aliás, o próprio Manuel Sérgio critica esta orientação quando afirma que "o homem não é um autómato, e o corpo não é nem uma máquina, nem simplesmente um organismo".

Jean le Boulch refere que o caráter analítico da progressão de exercícios é igualmente um dos aspetos característicos dos métodos mecanicistas que cria estereótipos estáveis de atitude. Crítica a atual EF que se confunde quase exatamente com a iniciação à prática competitiva e o seu corolário, a aprendizagem de gestos específicos. O papel do professor é ensinar "boas técnicas" sem "defeito" segundo determinados padrões motores, com o máximo grau de eficácia suposta (aprendizagem mecanicista).

Um dos papéis essenciais da educação é preservar a plasticidade de ajustamento. A este respeito é preciso notar que as nossas sociedades, fortemente industrializadas empobreceram em movimentos tradicionais de caráter expressivo, enquanto a bagagem de gestos com eficácia técnica não cessou de crescer (desporto) denotando uma crescente preocupação com o rendimento mecânico do movimento.

A Psicomotricidade contraria esta tendência e privilegia a expressão neurológica Praxia, sinónimo de habilidade motora e designa sistemas de movimentos coordenados em função de um resultado ou de uma intenção. A função práxica tem a ver com a capacidade de programar o movimento como produto final, tendo atrás de si imensos processos internos de elaboração. Como não podemos entrar no cérebro de uma criança, a forma que nos permite perceber e planear a nossa intervenção depende da qualidade da nossa observação do seu comportamento. Daí a importância de estudarmos os vários comportamentos psicomotores e como eles se organizam para produzir o movimento belo, simples, económico e harmonioso, que traduz o comportamento motor superiormente organizado.

Cabe ao Professor de EF saber detetar e identificar sinais que possam ser inibidores da evolução da sua aprendizagem. Para isso temos que conhecer o modelo de Lúria que apresenta três unidades funcionais:

  1. Primeira Unidade Funcional:

    • Responsável pela tonicidade (tónus) e equilibração que substanciam o papel e importância da postura.

  1. Segunda Unidade Funcional:

    • A noção do corpo (espaço intracorporal e extracorporal) e a lateralidade, porque sem o domínio de uma direcionalidade, não haveria possibilidade de aprendizagem simbólica.

  1. Terceira Unidade Funcional:

    • O movimento práxico é o produto de uma complexa atividade superior, onde muitos sistemas cerebrais se encontram hierarquicamente integrados.

Questões:

  1. Como aperfeiçoar a qualidade da nossa observação do  comportamento motor das crianças para podermos detetar déficits nalgum dos processos de integração cortical e/ou periférica das unidades funcionais?

  2. Que tipo de metodologias são mais adequadas para podermos prescrever corretamente atividades motoras que melhorem a planificação das ações através de uma maturação gradual das ligações dos diferentes centros nervosos?

  3. Como diferenciar, no caso da descoordenação, se uma criança apresenta défices de dismetria, distonia ou discronia. Como prescrever corretamente os exercícios para que a criança consiga utilizar a sucessão harmoniosa das unidades de movimento?

  4. O Decreto-Lei n.º 54/2018 de 6 de julho estabelece como uma das prioridades da ação governativa a aposta numa escola inclusiva onde todos e cada um dos alunos, (...) encontram respostas que lhe possibilitem a aquisição de um nível de educação e formação facilitadoras da sua plena inclusão social. Face ao disposto, como é que os Professores de Educação Física conseguem prescrever a atividade física adequada aos alunos que manifestem dispraxias ou apraxias

  5. A investigação tem demonstrado ao Professor de EF a importância da perceção e das atividades motoras para o crescimento e desenvolvimento global da criança. Os programas elementares de educação física, são frequentemente limitados pela quantidade de tempo de aula dos alunos, e tempo de ensino efetivo, de tal forma que não podem fornecer ensino individualizado a todos os alunos ou classes especiais para crianças com dificuldades motoras. Deste modo, a corrida de obstáculos proporciona ao professor de EF um meio eficaz de incorporar atividades percetivas no programa de EF através de uma instrução em grandes grupos. Como organizar um percurso de obstáculos que incida sobre a psicomotricidade?

  6. Qual a importância da Educação Somática, especialmente a Eutonia (Tónus - 1ª unidade funcional), no desenvolvimento da consciência das tensões presentes no corpo, libertando-o de hábitos e atitudes condicionadas (consciência corporal)?

  7. Como compreender de forma objetiva e com aplicação prática a dimensão do tónus tendo como base científica a mecanotransdução de Donald Ingber?

  8. Como é que os nossos pensamentos e emoções, através da linguagem dos peptídeos, promovem alterações na conformação do citoesqueleto (tónus) designadas por mecanotransdução, desencadeando subsequentemente respostas comportamentais celulares específicas promovendo a saúde ou doença incluindo as desordens psicomotoras?

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  • Donald Ingber, (1997) “The Architecture of Life”; Scientific American”. Scientific American january 1998.

  • Donald Ingber, ” Mechanobiology and diseases of Mechanotransduction”. Annals of medicine. 2003, 35: 1-4.

  • UTL-ISEF. Temas de Psicomotricidade, 3-criança dispráxica. Educação Especial e reabilitação.

  • Jean Le Boulch. 1987. Rumo a uma ciência do movimento humano. Artes Médicas.

  • Manuel Sérgio. 1989. Motricidade Humana uma nova ciência do homem. UTL-ISEF.

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